Neste
sábado, 25, quando se completaram 16 anos da morte de Caio Fernando Abreu, o
escritor gaúcho ganhou um SITE OFICIAL,
elaborado pela Associação Amigos do Caio Fernando Abreu. O endereço reúne
livros, reportagens e peças de teatro do autor, além de biografia com linha do
tempo e galerias de fotos e vídeos, entre outros materiais.
segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012
sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012
As mais belas bibliotecas particulares do mundo
O
site Flavorwire elegeu as 20 mais belas bibliotecas privadas e pessoais do
mundo. Inspirado nas seleções das mais bonitas livrarias e das mais incríveis
bibliotecas universitárias, o site apresenta agora bibliotecas particulares ao
redor do globo que enchem os olhos dos amantes de livros. As duas primeiras
colocadas são, respectivamente, a biblioteca do empresário norte-americano Jay
Walker e uma idílica biblioteca particular numa casa projetada por Gianni
Botsfor, em Cahuita, na Costa Rica. Vale a pena conferir todas elas e se
imaginar vasculhando suas belíssimas prateleiras!
Fonte:
PublishNews
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jay walker
segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012
Um poema puxa outro - III
Em
Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna, publiquei, de Piligra, entre
outros, o poema “Concepção”. Trata-se de um soneto, cujo verso escolhido foi o
Alexandrino Trímetro, onde o poeta discorre sobre seu modo de composição, semelhante
ao de um “arquiteto que planeja um edifício”. É, por assim dizer, uma forma
clássica de poesia, dentro da qual o autor melhor se ajusta, “sem perguntar se
isto é fácil ou difícil”. Essa predisposição nasce de uma necessidade pessoal,
pois a forma escolhida se encontra internalizada, e assim, amalgamada ao fazer
do poeta, embora ele também transite – com menor frequência – pelo verso livre,
decassílabos e redondilhas.
Foi
com esse poema do Piligra que procurei dialogar em “Inóspita Claridade”,
compondo o meu como se fosse uma continuidade do original, não o seu
espelho, em que ao invés de planificar um tratado sobre um modo particular de
escrever, procuro antes os motivos que me levam a fazê-lo, uma espécie de
profissão de fé, sintetizada nas últimas palavras dos três versos finais. Quais
sejam: esperança – liberdade – verdade. Eis tudo que acredito ser a razão do
fazer poesia.
Concepção
Piligra
eu
já concebo o verso assim metrificado
como
arquiteto que planeja um edifício
na
exatidão do prumo reto e equilibrado
sem
perguntar se isto é fácil ou difícil!
eu
já concebo a rima assim – intercalada,
numa
urdidura trabalhosa e singular –
puxando
o fio de cada sílaba marcada
pelo
tecido de uma métrica “sem par”!
eu
já concebo o meu soneto alexandrino
(como
a matriz de uma equação vetorial)
fazendo
cálculo semântico e verbal,
com
meu compasso atrapalhado de menino!
eu
já concebo o meu poema ornamental
como
operário que dá forma ao que é divino!
Inóspita Claridade
Gustavo Felicíssimo
Eu
faço versos por viver na poesia
todo
universo do real e do abstrato,
feito
um menino que contempla a fantasia
enquanto
bárbaros renegam seu retrato.
Eu
faço versos porque vejo a claridade
do
novo tempo que está prestes a nascer,
quando
irmanados e distante a falsidade
a
humanidade poderá se conhecer.
Verá
sua face no sorriso da criança,
em
cada gesto de modéstia ou de virtude:
no
seu semblante verá toda plenitude.
Verá
que a luz se faz presente e a esperança,
palavra
viva, vem somar-se à liberdade,
reconduzida
ao seu lugar, junto à verdade.
sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012
Um poema puxa outro - II
Em “Desencanto”, famoso poema de Bandeira, datado de 1912 e
escrito, provavelmente, por influência de uma doença que lhe atormentava os
pulmões, o poeta canta Eu faço versos
como quem morre. Mais de trinta anos depois, Jorge Medauar, ainda um jovem
poeta e desconhecido, aqui da região cacaueira da Bahia, respondeu-lhe
brilhantemente, cantando em “Esperança”: Eu
faço versos como quem vive. Deu-se, então, segundo Hélio Pólvora, uma escaramuça cordial, com ampla
repercussão nos meios literários do Rio de Janeiro, mas que José Lins do
Rego havia interpretado como uma provocação de um jovem poeta iniciante a um
mestre.
Em uma de suas
crônicas, Bandeira transcreveu os versos de Medauar e lhes deu resposta
impressa no poema “A Jorge Medauar”, justificando a tréplica dizendo que em mim, pelo menos, verso puxa verso. Vamos,
então aos poemas, na ordem dos acontecimentos.
Desencanto
Manuel Bandeira
Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo algum de pranto.
Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai gota à gota, do coração.
E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.
- Eu faço versos como quem morre.
Esperança
Jorge Medauar
Eu faço versos como que luta
De armas em punho... de armas nas mãos...
Forma ao meu lado, pois na labuta
Os companheiros são como irmãos.
Meu verso é aço. Fornalha ardente...
Peito ou bigorna... Braço ou trator...
Corre entre o povo. Salgado e quente,
Cai gota a gota, por que é suor.
E nestes versos de luta ousada
Deixo a esperança que sempre tive
Nas tintas rubras da madrugada.
- Eu faço versos como quem vive.
A Jorge Medauar
Manuel Bandeira
Há trint’anos (tanto corre
O tempo! escrevi a poesia
Onde disse que fazia
Meus versos como quem morre.
Ainda não eras nascido.
Agora, orgulhosamente
Moço, ao poeta velho e doente
Parodiaste destemido:
“Das batalhas em que estive
É o suor que em meu verso escorre!
Tu o fazes como quem morre:
Eu o faço como quem vive!”
Façam-no como quem morre
Ou quem vive, que ele viva!
Vive o que é belo e deriva
Da alma e para outra alma corre.
Verso que dele se prive,
Ai dele! Quem lhe socorre?
Nem Marx nem Deus! Ele morre.
Só o verso, com alma, vive.
Deste ou daquele pensar,
Esta me parece a reta,
A justa linha do poeta,
Poeta Jorge Medauar.
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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012
Um poema puxa outro - I
Recentemente o poeta
Florisvaldo Mattos postou no facebook um poema inédito, intitulado Convite ao ócio verdadeiro,
segundo ele, uma celebração do "otium cum dignitatem", ou seja, uma
forma de se entregar ao ócio e contemplar a beleza em suas diferentes formas de
expressão, situação que se aplica bem ao poeta, pois aposentado e curtindo o
seu “Deus nobis haec otia fecit” famoso verso de Virgílio, inserido em uma de
suas Éclogas, a primeira, cuja tradução possível seria “Deus nos concedeu esse
descanso”, com o qual esse grapiúna, “poeta moderno e de feição clássica”, no
dizer de Cid Seixas, justifica que dá “uma prova cabal de que, aposentado,
ninguém pode dizer que não estou trabalhando”. E trabalha bem, trama um soneto lírico,
de tema bucólico, bem ao estilo virgiliano.
Mas
vai daí que para a surpresa de Florisvaldo, além de bem recebido no meio virtual,
seu poema ainda inspirou Fernando da Rocha Peres, contemporâneo e amigo, bem à
maneira de “um verso puxando outro”, escrever-lhe uma espécie de antífona, uma louvação, repleta de neologismos, ao amigo “deitado em berço
assombreado e fresco”.
Essa
brincadeira lembrou-me outra, semelhante, que se passou entre Manuel Bandeira e
Jorge Medauar, e ainda outra, entre eu e Piligra, que comentarei em outra oportunidade.
Vamos, então, sem mais demora, aos poemas de Florisvaldo Mattos e Fernando da
Rocha Peres.
CONVITE
AO ÓCIO VERDADEIRO
Florisvaldo Mattos
Hás que mirar-me o
coração primeiro
e o sonho que madruga a
madrugada,
onde cultivo raízes por
inteiro,
que avançam pelo dia em
disparada.
Aquela frase de
Virgílio amada,
que atribui a um deus o
ócio verdadeiro,
aponta para a face
alaranjada
da lua cheia em cima de
um outeiro.
Mas há quem diga que
não somos nada,
que dias e anos vão em
cavalgada,
deixando rastros de
tristeza e dores.
Arme-se então a cena de
um idílio.
E vamos viver na Ilha
dos Amores,
com tudo o que nos
ensinou Virgílio.
OCIOVERÃO
Fernando da Rocha Peres
Eis que o ócio é trilha
de palavras
na escrita de poetas
desde antanho,
e hoje um Mattos
pastoreia o tempo
com versos navegantes
internéticos:
Assim invoco bardos
grecos e latinos
ao louvar um grapiúna e
seu estilo
deitado em berço
assombreado e fresco
na cidade quente de
Salvadolores.
Seus amigos contentes
batem taças
plenas de vinhos em
cristais luzentes
no beira mar dos dias
azuladinos
enquanto sabiás
estrilam cantolindos
e morenas bailam nas
areias cálidas
de uma manhã cheirosa
de maracujás.
UM
ADENDO URGENTE
Acabo
de receber, minutos depois de fazer essa postagem, o poema abaixo, de Piligra,
concebido instantes após a leitura dos poemas de Florisvaldo e Rocha Peres.
Piligra é daqueles poetas que escrevem como se psicografando. E assim compõe
sonetos e mais sonetos, às vezes dez, quinze de uma vez só. Em seu favor o fato
de ser filósofo, especialista em lógica e muito bom em retórica.
“Com
tudo o que nos ensinou Virgílio”
Piligra
“Com tudo o que nos
ensinou Virgílio”
Podemos sim deitar na
rede santa,
Colhendo a morte pelo
supercílio
E cada instante do ócio
que acalanta...
A noite vela “a cena de
um idílio”,
Em nosso ouvido o som
que nos encanta,
Doce silêncio, fruto de
um exílio,
“Se somos nada”, nada
nos espanta!
Conheço o verso amado
do poeta,
Cada palavra, letra e
sentimento,
Pois sabe Deus aquilo
que completa
A vida humana na Ilha
do momento...
O que nos resta? Amar a
vida incerta,
Beijando a boca abjeta
do tormento!
terça-feira, 14 de fevereiro de 2012
Entrevista - Eu Vejo Arte
Foi
publicada uma entrevista comigo no Eu Vejo Arte, o principal veículo de
divulgação da arte aqui no sul da Bahia. Convido a todos para a leitura.
domingo, 12 de fevereiro de 2012
O surfista
Kelly
Slater, o maior vencedor do surfe mundial, comemorou neste último sábado (11),
40 anos. Trata-se de um fenômeno, dono de 11 títulos mundiais e dez recordes na
história do surfe. A data foi lembrada pelos principais meios de comunicação do
mundo e, só pra variar, me fez recordar um poema, dessa vez de Alberto da Cunha
Melo, intitulado, justamente, O Surfista. Trata-se de uma retranca, forma poética
composta de onze versos octossílabos, criada pelo próprio Alberto, que é um dos
poetas brasileiros que mais gosto.
O
octossílabo dá ao poema uma cadência, um ritmo que o autor desestabiliza
propositalmente, alternando a cesura medial dos versos, que ora se encontram na
quarta sílaba, ora na terceira e até na quinta, recurso que nos faz pensar na
instabilidade própria do surfe.
No
poema, algumas metáforas redimensionam o esporte, em que o surfista, com a sua
prancha “desliza como uma lágrima” sobre o “instável chão do mundo”. Já o
dístico final sustenta aquela imagem de que surfistas sempre estão acompanhados
por lindas mulheres, “presente do oceano”. Realidade ou não, pelo menos o Kelly
Slater sempre andou acompanhado por verdadeiras sereias. Em sua lista de
namoradas, nomes famosos: a atriz americana Pamela Anderson e Gisele Bündchen.
Sua atual companheira é Kalani Miller, uma californiana de 20 e poucos anos e
dona de uma grife de biquínis.
O
surfista
Alberto da Cunha Melo
Equilibrado
sobre a folha
que
desliza como uma lágrima
pela
face daquela onda,
a
mais esperada, a mais alta,
ama
esse instável chão do mundo
que
lhe falta a cada segundo,
e
as paredes de transparência,
que
almas e corpos atravessam
ao
sol da súbita inocência:
na
praia, fêmeas o esperando,
como
um presente do oceano.
Em:
Dois caminhos e uma oração (2003). Pág.
126. Editora A Girafa.
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surfe
sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012
Aspirina & Poesia
Na
postagem anterior, publicamos um poema da polonesa Wislawa Szymborska que versa
sobre o comprimido, sua eficácia e praticidade. Imediatamente lembrei-me de João
Cabral de Melo Neto, do seu Num Monumento
à Aspirina, publicado originalmente em A Educação Pela Pedra, obra de 1966.
Mas
não é apenas a coincidência temática deste caso que une poetas tão distantes.
Em ambos encontramos uma poesia que reflete ao mesmo tempo em que refrata a
vida cotidiana, as coisas concretas. Trata-se de poetas bastante prosaicos.
Embora isso, suas criações são sofisticadas e por isso conseguem encantar o
leitor.
Cabral,
no poema, trata a Aspirina como um remédio milagroso, o que todos os
comprimidos parecem ser, “de emprego fácil, portátil e barato” imunes às
reviravoltas do tempo, funcionando a todo o momento. Um sol “polido a esmeril e
repolido a lima” que torna a vida menos dolorida e ainda “reafina” o sangue,
como o próprio autor expõe no último verso, reduzindo assim, segundo a ciência,
os riscos de acidentes cardiovasculares. Enfim, um comprimido, e como tal,
digno da melhor poesia.
Num Monumento à Aspirina
João Cabral de Melo Neto
Claramente:
o mais prático dos sóis,
o
sol de um comprimido de aspirina:
de
emprego fácil, portátil e barato,
compacto
de sol na lápide sucinta.
Principalmente
porque, sol artificial,
que
nada limita a funcionar de dia,
que
a noite não expulsa, cada noite,
sol
imune às leis de meteorologia,
a
toda hora em que se necessita dele
levanta
e vem (sempre num claro dia):
acende,
para secar a aniagem da alma,
quará-la,
em linhos de um meio-dia.
***
Convergem:
a aparência e os efeitos
da
lente do comprimido de aspirina:
o
acabamento esmerado desse cristal,
polido
a esmeril e repolido a lima,
prefigura
o clima onde ele faz viver
e
o cartesiano de tudo nesse clima.
De
outro lado, porque lente interna,
de
uso interno, por detrás da retina,
não
serve exclusivamente para o olho
a
lente, ou o comprimido de aspirina:
ela
reenfoca, para o corpo inteiro,
o
borroso de ao redor, e o reafina.
quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012
A poetisa polonesa Wislawa Szymborska
A
poetisa polonesa Wislawa Szymborska, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em
1996, faleceu há poucos dias, aos 88 anos, vítima de um câncer de pulmão por
conta de ter sempre sido uma fumante incorrigível. Embora Wislawa fosse a
poetisa mais conhecida da Polônia, teve que esperar até a concessão do Nobel
para que sua obra chegasse ao resto do mundo. A autora destacou-se por uma
poesia cheia de humor e pela habilidade em usar trocadilhos. Abaixo, um poema
de sua lavra, com tradução de Elzbieta Milewska e Sérgio das Neves.
FOLHETO
Sou
o comprimido calmante.
Actuo
em casa,
sou
eficaz na repartição,
sento-me
no exame,
apresento-me
em tribunal,
colo
minuciosamente a louça partida.
Basta
que me tomes,
que
me ponhas debaixo da língua,
que
me engulas
com
um copo de água.
Sei
o que fazer na desgraça,
como
aguentar a má notícia,
diminuir
a injustiça,
desanuviar
a falta de Deus,
escolher
o chapéu de luto a condizer.
Por
que esperas?
Confia
na piedade química.
*Para saber mais sobre
a autora CLIQUE AQUI.
sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012
Eu não tiro o meu chapéu
O
jornalista e contista Marcelo Moutinho há poucos dias foi proibido de entrar na
Academia Brasileira de Letras, onde daria entrevista à TV Senado. O motivo,
segundo Sônia Racy, colunista d’O Estado de São Paulo, deveu-se ao fato dele
estar vestindo bermuda, por conta do uso de uma bota ortopédica que o impediria
de vestir calças. “Escutei que nem o Guimarães Rosa entraria lá assim”, contou o
escritor.
Essa
notícia me fez lembrar algo curioso acontecido comigo, há cerca de dois anos,
na Academia de Letras de Ilhéus. Estava eu lá, prestigiando o lançamento de um
livro, quando uma senhora que formava a mesa principal do evento gesticulava
incessantemente para mim, sinalizando que deveria tirar o meu chapéu naquele recinto.
Para ela, um sinal de respeito, suponho. Para mim, uma proposta patética.
Certamente
aquela mulher não me conhecia, consecutivamente ignorava o fato de eu ser
adepto de chapéus, de não sair de casa sem um e, como Neruda ou Johnny Depp, John
Wayne ou Charles Chaplin, ter uma coleção deles. Cena engraçada aquela: quanto
mais a mulher gesticulava, melhor eu ajeitava o chapéu na cabeça. Ela achou,
certamente, que eu não entendia o seu recado e mais se exasperava.
Ao
meu lado, um rapaz que até então eu não conhecia, observava a tudo e me alertava
para a expressão de fúria da mulher. Quanto mais eu me fazia de desentendido,
mais a sua expressão se agravava. Quanto mais eu mexia no chapéu, mais ela
fazia a cara de quem comeu e não gostou. Eu zombando dela e ela me achando um
asno. Até que eu cansei daquela encenação e fiz-lhe um gesto obsceno. Foi aí
que tudo ficou ainda mais engraçado.
Com
receio de ferir o decoro, ou seja, de perder a compostura, a mulher se
contorcia, esperneava, soltava fumaça pelas ventas. Sempre me olhando
mortalmente. Era quase um ritual. Ela bufava por dentro enquanto eu ria baixinho.
O rapaz ao meu lado não se continha na cadeira.
Saí
antes que aquela senhora pronunciasse qualquer palavra. O rapaz me acompanhou. Apesar
disso, não nos livramos do seu olhar inquiridor, fulminante, a nos escoltar até
a saída. Na calçada eu e meu novo amigo nos entreolhamos e soltamos uma franca
e ruidosa gargalhada que ecoou pela ruazinha afora e nos acompanhou até o boteco
mais próximo.
No
dia seguinte, uma enorme coincidência enquanto eu refletia sobre tais
acontecimentos. Ao abrir aleatoriamente um livro de máximas e aforismos dou de
cara com uma sentença de Oscar Wilde, que diz o seguinte: “A melhor maneira de
começar uma amizade é com uma boa gargalhada. De terminar com ela também”.
Ao
procurar um nexo comum às duas histórias, encontrei a tolice. Foi tola a pessoa
que barrou o acesso de Marcelo Moutinho à Academia Brasileira de Letras nas
condições em que ele se encontrava, e foi igualmente tola a senhora que
insistia com seus gestos para que eu retirasse o meu chapéu dentro da Academia
de Letras de Ilhéus.
Aos
tolos, então, as gargalhadas, pois gargalhar está me parecendo o melhor
antídoto contra a tolice. Além disso, dizem os especialistas, trata-se de uma
santa terapia, a mais alquímica de todas.
quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012
Ariano Suassuna e o retrato de Camões
Décimas ante um retrato
de Camões é um dos poemas mais bem realizados de Ariano
Suassuna. Há meses o tenho lido e relido, impressionado com a exatidão de cada
palavra, cada metáfora, e com a sua musicalidade. Pesquisando, descobri que
fora inspirado por um desenho de Camões, feito por Aloísio Magalhães, artista
plástico e designer pernambucano.
O
primeiro aspecto que nos chama a atenção nesse poema é a sua forma, toda vazada
em Martelo Agalopado, que é a configuração, por excelência, dos cantadores
nordestinos. Diante do retrato de Camões, e porque não, diante de Camões, Ariano
é o desenhista da palavra a retraçar a expressão misteriosa, uma espécie de
significante de uma vida.
No
poema, Ariano privilegia certos vocábulos que, por virem grafados em letra
maiúscula, tornam-se insígnias a serem decifradas pelo leitor, como a palavra “Olhos”,
no oitavo verso da primeira estrofe, uma referência direta ao fato de Camões,
quando servindo o exército português em África, ter tido o olho direito
inutilizado. É o mesmo caso da palavra “Rei” (quarto verso da segunda estrofe),
uma provável alusão ao mitológico Dom Sebastião, a quem Os Lusíadas é dedicado.
Atentar
ainda para a teia de metáforas que compõem a parte final do poema, em que o
rosto de Camões é comparado a uma caravela, cuja fronte é cortadora proa e a barba
barroca é Quilha e madeirame. Concluindo a passagem, uma referência à
Infanta Dona Maria, filha de Dom Manuel, um dos amores do poeta, simbolizada neste
verso: E o Cedro, a Infanta, a coifa de
beirame.
A
última estrofe é quase uma oração, de um poeta a outro, um pedido para que o anjo
do poeta maior receba o seu poema numa
Páscoa de fogo e tenso Canto. O resultado é uma composição singular, em
que, com perspicácia, Ariano consegue seu intento maior, o de traçar um retrato
verbal da imagem à sua frente ao mesmo tempo em que estabelece um diálogo em
alto nível com o maior poeta da língua portuguesa.
Sem
mais delongas, vamos então, ao poema.
Décimas
ante um retrato de Camões
Ariano
Suassuna
Se, na noite de chuva,
a Tempestade
em solitários galhos
acoitados,
revivesse os Navios
naufragados
e o travoso gemer da
Soledade;
se, da grave assonância
da Vontade
entrevesse se pudesse o
sacrifício
nesse claro e cansado
Frontispício
quem, mais do que teus
Olhos, cantaria
da vida o Caso cego e a
galhardia,
a Luz flamante e o
sacro Desperdício?
Teus olhos! Mas quem
pode apaziguá-los?
Se, num, a flecha
agónica demora,
noutro há bruma,
salgueiro e Harpa sonora,
entre os passos do Rei
com seus vassalos.
O pó e o sangue,as
patas dos Cavalos
repousam nesse sulco
fatigado.
E, se o bravo Queixume
informulado
evoca os destroços
areais,
o ressonar dos Bosques
provençais
doura na Morte a mágoa
do pecado.
Pensar que foste
criança e que aspiraste
o cheiro da Madeira mal
queimada;
que, ao perseguir,
insone, a Madrugada,
a chama do Desterro
desejaste.
O Sal marinho, as
folhas que esmagaste,
e vida e nome, pássaro
e Memória.
Pois, se Fortuna e
treva derisória
urdiram tua Sorte alada
e escura,
foi que o porvir
tecera, na Espessura,
da Cadência já morta o
Canto e a glória.
Pureza e dolo. A Sombra
se amontoa
- destroço ressurrecto
e trespassado -
na prisão a quem a um
tempo foste atado,
no Barco que te chama e
te enevoa.
Debalde! A Fonte é
cortadora Proa,
barba barroca é Quilha
e madeirame.
E o Cedro, a Infanta, a
coifa de beirame,
tudo isso e tudo mais
que não se exprime
- que não se diz - e é
o que talvez redime
o atravessar das águas
e o Velame.
Assim, não mais o som
desse Acalanto,
não mais o Apelo, só,
do já passado:
que teu Anjo o receba,
dissipado,
numa Páscoa de fogo e
tenso Canto.
Pois se o Eco de sono e
louro acanto
não te pôde levar o que
pressente,
num sussurro fraterno e
Sopro ardente
chegue a ti meu Duende
extraviado
e o Sonho, anseio
extinto e renovado,
que é Pena e mudez de
meu presente.
Em: O Pasto incendiado
-1953.
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