segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Canção do meu exílio


O que me exila, me liberta,
lâmina que trago junto ao corpo,
faz vibrar as cordas de um violino
chamando os meus cães
e os atiça contra serpentes
para que eu não seja nem mais
nem menos que eu mesmo;
para que, na folha em branco,
esteja grafada com sangue
a essência do meu ser;
um campo minado com flores
que me levam ao pôr-do-sol,
um campo minado com as dores
que apertam minhas mãos.

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

E por falar em intertexto


O poema Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, escrito em julho de 1843, em Portugal, é, provavelmente, aquele que mais fora parafraseado em nossa língua, tornando-se - não apenas por isso - algo emblemático na literatura brasileira. Inúmeros escritores o tomaram como referência, como por exemplo, o Drummond em Nova Canção do Exílio, Mário Quintana em Uma Canção, ou Vinícius de Moraes no seu belíssimo Pátria Minha. Até o nosso Hino Nacional trás dois versos do poema: “Nossos bosques têm mais vida, / Nossa vida, mais amores.” Recentemente, quem utilizou Canção do Exílio como ponto de partida para um novo poema foi Ferreira Gullar, conterrâneo de Gonçalves Dias, que fez um poema, a meu ver, bem à altura do original e, como o original, todo vazado por versos em redondilha maior. Vamos a eles.


Canção do Exílio
Gonçalves Dias

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu’inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá.


Volta a São Luís
Ferreira Gullar

Mal cheguei e já te ouvi
gritar pra mim: bem te vi!
E a brisa é festa nas folhas
Ah, que saudade de mim!

O tempo eterno é presente
no teu canto, bem te vi

(vindo do fundo da vida
como no passado ouvi)

E logo os outros repetem:
bem te vi, te vi, te vi

Como outrora, como agora,
como no passado ouvi

(vindo do fundo da vida)

Meu coração diz pra si:
as aves que lá gorjeiam
não gorjeiam como aqui

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Drummond & Adélia Prado


Bagagem foi o primeiro livro publicado de Adélia Prado. Isso ocorreu em 1976, por indicação de Carlos Drummond de Andrade. Declaração da autora sobre a obra: "Meu primeiro livro foi feito num entusiasmo de fundação e descoberta nesta felicidade. Emoções para mim inseparáveis da criação, ainda que nascidas, muitas vezes, do sofrimento”. É curioso notar que nesse seu primeiro livro, o primeiro poema, Com licença poética, é um bonito diálogo intertextual com "Poema de Sete faces", também o primeiro poema do primeiro livro de Drummond. Vamos, então, aos dois poemas inaugurais de ambos.

Poema de sete faces
Carlos Drummond de Andrade

Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.

As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.

O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.

O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode.

Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus,
se sabias que eu era fraco.

Mundo mundo vasto mundo
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.

Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.


Com licença poética
Adélia Prado

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou tão feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo. Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
-- dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

Lançamento dos primeiros livros da Série Diálogos, em Itabuna, foi um grande sucesso


Assim como ocorreu em Ilhéus, o lançamento dos livros da Série Diálogos em Itabuna foi muito bem sucedido. Agradeço a dedicação de todos da FICC – Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania, bem como o público presente. Confira algumas fotografias do evento. O clique é de Thiago Pereira.
Geraldo Lavigne, Gustavo Felicíssimo, Sandra Ramalho (Pres. da FICC),
André Rosa e Daniela Galdino
André Rosa e Daniela Galdino
Bené (jornalista) Prof. Ruy Póvoas e a atriz Alba Cristina
Gustavo Felicíssimo
O jornalista Ramiro Aquino aguardando as dedicatórias

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

Lançamento da Série Diálogos em Itabuna

Após ter recebido calorosa acolhida em Ilhéus, oportunidade em que a Casa dos Artistas recebeu cerca de 250 pessoas, os livros da Série Diálogos, publicados pela Mondrongo Livros, chegam a Itabuna. O sarau de lançamento vai acontecer na sede FICC – Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania, em frente à Igreja São José, nesta quinta-feira, dia 19, a partir das 19 horas.
Como aconteceu em Ilhéus, quatro obras serão lançadas, são elas: “Inúmera”, de Daniela Galdino; “Quintais do Tempo”, de André Rosa; “À Espera do Verão”, de Geraldo Lavigne de Lemos e “Outros Silêncios”, de Gustavo Felicíssimo.
Para Sandra Ramalho, Diretora-Presidente da FICC, “esse é um momento de celebração e de retomada de ações pontuais no campo literário a fim de podermos colaborar à altura com a pujança e o vigor que sempre teve o universo da literatura grapiúna, sem dúvida, uma das mais importantes da Bahia”.
Confira algumas fotos do lançamento em Ilhéus 
Recebemos tanta gente que algumas preferiram ficar
do lado de fora da Casa dos Artistas

Silmara (Memorial Adonias Filho), Romualdo Lisboa (Casa dos Artistas),
Gustavo Felicíssimo e Piligra (foto: Mither Amorim)

Daniela Galdino e Gustavo Felicíssimo autografando
(foto: Mither Amorim)
Aqui estou com o contista e amigo Rodrigo Caetitu

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Raridade - Descoberta a primeira entrevista concedida por Clarice Lispector


A Cosac Naify publicou em seu blogue, na íntegra, a primeira entrevista concedida por Clarice Lispector, de quando ela era uma jovem universitária em 1941. Os depoimentos foram dados para a edição 71 da Revista Diretrizes. Trata-se de uma série de reportagens com vários universitários que emitiram suas opiniões sobre literatura. Entre elas, constam declarações da escritora. Ela aponta sua preferência pela leitura de livros e por autores como Graciliano Ramos e Rachel de Queiroz, e também fala sobre sua predileção pela prosa em relação à poesia. Na entrevista, Clarice também antevê que os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial poderiam influenciar a literatura com temáticas orientadas por certo ceticismo.
A entrevista atraiu os leitores e curiosos sobre a vida de Clarice e pode ser lida AQUI.

Fonte: PublishNews - 13/01/2012

Canções do Beco - Manuel Bandeira


Primeira canção do beco

Teu corpo dúbio, irresoluto
De intersexual disputadíssima,
Teu corpo, magro não, enxuto,
Lavado, esfregado, batido,
Destilado, asséptico, insípido
E perfeitamente inodoro
É o flagelo de minha vida,
Ó esquizóide! ó leptossômica!

Por ele sofro há bem dez anos
(Anos que mais parecem séculos)
Tamanhas atribulações,
Que às vezes viro lobisomem,
E estraçalhado de desejos
Divago como os cães danados
A horas mortas, por becos sórdidos!

Põe paradeiro a este tormento!
Liberta-me do atroz recalque!
Vem ao meu quarto desolado
Por estas sombras de convento,
E propicia aos meus sentidos
Atônitos, horrorizados
A folha-morta, o parafuso,
O trauma, o estupor, o decúbito!


Segunda canção do beco

Teu corpo moreno
É da cor da praia.
Deve ter o cheiro
Da areia da praia.
Deve ter o cheiro
Que tem ao mormaço
A areia da praia.

Teu corpo moreno
Deve ter o gosto
De fruta de praia.
Deve ter o travo,
Deve ter a cica
Dos cajus da praia.

Não sei, não sei, mas
Uma coisa me diz
Que o teu corpo magro
Nunca foi feliz.


Última Canção do Beco

Beco que cantei num dístico
Cheio de elipses mentais,
Beco das minhas tristezas,
Das minhas perplexidades
(Mas também dos meus amores,
Dos meus beijos, dos meus sonhos),
Adeus para nunca mais!

Vão demolir esta casa.
Mas meu quarto vai ficar,
Não como forma imperfeita
Neste mundo de aparências:
Vai ficar na eternidade,
Com seus livros, com seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!

Beco de sarças de fogo,
De paixões sem amanhãs,
Quanta luz mediterrânea
No esplendor da adolescência
Não recolheu nestas pedras
O orvalho das madrugadas,
A pureza das manhãs!

Beco das minhas tristezas.
Não me envergonhei de ti!
Foste rua de mulheres?
Todas são filhas de Deus!
Dantes foram carmelitas...
E eras só de pobres quando,
Pobre, vim morar aqui.

Lapa - Lapa do Desterro -,
Lapa que tanto pecais!
(Mas quando bate seis horas,
Na primeira voz dos sinos,
Como na voz que anunciava
A conceição de Maria,
Que graças angelicais!)

Nossa Senhora do Carmo,
De lá de cima do altar,
Pede esmolas para os pobres,
Para mulheres tão tristes,
Para mulheres tão negras,
Que vêm nas portas do templo
De noite se agasalhar.

Beco que nasceste à sombra
De paredes conventuais,
És como a vida, que é santa
Pesar de todas as quedas.
Por isso te amei constante
E canto para dizer-te
Adeus para nunca mais!

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Nhô Guimarães, nesta sexta e sábado em Ilhéus


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Nhô Guimarães é uma adaptação do romance homônimo de Aleilton Fonseca, escritor grapiúna membro da Academia de Letras da Bahia, para a linguagem teatral. O livro foi concebido em 2006, como forma de homenagear os 50 anos de publicação de Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa. O espetáculo, em forma de monólogo, transpõe para o palco a vida, as ideias e a mítica do nosso sertão, privilegiando a linguagem falada rica em neologismos, recheadas de palavras incomuns, próprias dessas regiões. Esse tratamento é mantido na encenação como forma de valorização da diversidade linguística, existente na língua portuguesa.
A estória é apresentada através dos causos contados por uma senhora octogenária a um visitante. Entre uma estória e outra, a narradora cita a presença de um amigo do falecido marido, Nhô Guimarães, senhor de jeitos elegantes, que sempre os visitava, com "seu ouvido bom de ouvir causos e seus óculos pretos de aros redondos". Uma referência direta ao escritor mineiro João Guimarães Rosa. Enquanto relata suas lembranças, a velha desenvolve ações cotidianas, como coar um café, fazer bolinho de feijão, fumar cachimbo, busca-se criar uma transposição de quem assiste para o ambiente do cotidiano interiorano.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Teatro Popular de Ilhéus é indicado ao Prêmio Shell de Teatro


Novamente sou portador de ótimas notícias sobre a arte aqui no sul dessa nossa Bahia véia de guerra e cansada. É o seguinte: o Teatro Popular de Ilhéus foi indicado ao Prêmio Especial na 24ª edição do Prêmio Shell, 2012, pela sátira em cordel “O inspetor geral – Sai o Prefeito Entra o Vice”, texto e direção de Romualdo Lisboa. Texto esse que a Mondrongo publicou em livro e está disponível para aquisição no nosso site.

O Prêmio Shell de Teatro, criado em 1989, é ponto de referência nos palcos brasileiros. Os vencedores de cada categoria recebem uma escultura em metal criada pelo artista plástico Domenico Calabroni, com a forma de uma concha dourada, inspirada na logomarca da Shell, e uma premiação individual de R$ 8 mil (oito mil reais).
A premiação é oferecida aos maiores destaques da temporada teatral no Rio de Janeiro e São Paulo, separadamente, em nove categorias: Autor, Diretor, Ator, Atriz, Cenário, Iluminação, Música, Figurino e Especial.

2012 repleto de datas redondas para a literatura


Nessa primeira postagem do ano quero lembrar que 2012 será repleto de datas redondas para a literatura. Jorge Amado e Nelson Rodrigues, se vivos estivessem, fariam 100 anos, Drummond, 110, e James Joyce, 130. Tem ainda o Umberto Eco, um dos grandes pensadores ainda vivos, que há poucos dias completou 80 anos. Seu romance mais recente, O cemitério de Praga, é um best-seller mundial e está há dez semanas na lista dos mais vendidos do PublishNews.
 Essas datas redondas são sempre recheadas de bons motivos para as editoras reavivarem a obra de seus autores. De Joyce, o selo Penguin lança, em abril, nova tradução de Ulisses. A Nova Fronteira, que edita Nelson Rodrigues, garante que publicará textos inéditos do autor, releituras de suas peças e edições populares. Drummond ressurgirá nas livrarias com nova roupagem também pela Companhia das Letras. Já a Record, em maio relançará uma obra de Eco que está esgotada. Trata-se de Diário Mínimo, uma coletânea de observações do autor sobre variados assuntos, passando por paródias literárias, fantasia e ficção científica.
É aguardar o carnaval passar e ver o que vem por aí.