terça-feira, 25 de setembro de 2012

Artesanal de ritmos e de imagens


Artesanal de ritmos e de imagens – músico da língua, falando uma linguagem da música -, eis o poeta: ser arquetípico através do qual o homem se reconhece no que há de mais estranho e mais familiar: ele mesmo. Ele mesmo que é sempre outro – aquele que vem nas lembranças. Mas as lembranças do poeta não consistem na rememoração pura e simples de fatos ocorridos em sua vida pessoal ou mesmo no curso da história conhecida do homem. Suas lembranças são lembranças de ser, que afloram misteriosa e naturalmente quando o tempo é chegado.  Algo parecido – exceto talvez pela periodicidade irregular – com as árvores, que, chegada a primavera, lembram-se de florir. No mundo poético, o tempo é esférico e a lei que o rege é a do “eterno retorno”.
Roberval Pereyr
Em: A unidade primordial da lírica moderna, p. 20.
Editoras UEFS /7Letras, Rio de Janeiro, 2012.

Blues para Marília II
      Gustavo Felicíssimo

Trago no peito o cheiro de minha terra,
o perfume do café que até hoje sangro.
Trago comigo uma cidade
que está em mim onde eu estiver.
E por trazer essa cidade tão juntinho
é que uma flauta ainda vibra em minha vida.
Essa flauta sussurra uma melodia
como se dissesse surdamente o que de fato diz.
Eu não esqueço o que me pronuncia
e a ninguém necessito revelar.
Escuto apenas, como às locomotivas
que ainda transitam em mim.
Escuto apenas, e à margem do que sou
sei exatamente o que não fui.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Saiu a relação de finalistas do Jabuti 2012


Foram divulgados nesta quinta-feira, 20, os 10 finalistas das 29 categorias do tradicional Prêmio Jabuti, um dos mais prestigiosos do mercado editorial brasileiro. Na lista, nomes consagrados como Dalton Trevisan, recém-premiado com o Camões, Lygia Fagundes Telles, Rubem Fonseca, Nuno Ramos, Ana Maria Machado e Wilson Bueno, morto em 2010 e que teve seu livro Mano, a Noite Está Velha, publicado postumamente, além de autores da nova geração, como Julián Fuks, finalista também do Prêmio São Paulo de Literatura e do Portugal Telecom, além de Luisa Geisler, que ganhou duas vezes o Prêmio Sesc de Literatura. Confira a relação completa de classificados AQUI.

Fonte: O Estado de S. Paulo - 21/09/2012

Onde há treva que o poeta leve a luz


Giorgio Agamben em O que é o contemporâneo? e outros ensaios (Argos, 2009)  diz-nos que “o poeta – o contemporâneo – deve manter fixo o olhar no tempo”. E propõe uma definição de ser contemporâneo. Qual seja: “aquele que mantém fixo o olhar no seu tempo, para nele perceber não as luzes, mas o escuro”. Imaginando, quem sabe, que do poeta deve emanar as luzes do seu tempo, Agamben vai um pouco além e ainda pronuncia que “contemporâneo é aquele que sabe ver essa obscuridade”. Afinal, é das sombras do seu tempo que o poeta retira a matéria prima para a poesia: se falta amor, falemos dele; se há autoritarismo, o denunciemos; se o tempo é pobre, demonstremos a nossa perplexidade. Parafraseando São Francisco de Assis, poderíamos dizer que a função do poeta é levar luz onde existe treva.

Reflexão
Ferreira Gullar

Está fora 
de meu alcance
o meu fim

Sei só até
onde sou

contemporâneo
de mim

O MUNDO MÁGICO DOS PREFÁCIOS


Para Galindo Luma e Rilton Primo
(parceiros de gargalhadas)

Magia, moço, é o mundo dos prefácios.
Até Bernardo escreve poesia.
Pombo no bolso, saem dos palácios
ao chá das cinco, os reis da alegoria.

Cajados mágicos de mil encantos,
carta marcada, gritos de alegria,
fardões e lenços abafando prantos
são rimas do além da bruxaria.

Jovem que enxerga em meus velhos sonetos
 versos modernos  que a alma nos sacodem
- jumentos, lambe-botas, esqueletos,

mané a cintilar olhos enormes -
tome cuidado, moço, que eles podem
tua estante rondar, enquanto dormes.

                    Bernardo Linhares

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

A POLÊMICA TOLENTINO-CAMPOS REVISITADA (COM UM ADENDO)


              Renato Suttana

Tolentino esbravejou forte
contra esse aspecto de esquimó
que misturava – estranho esporte –
risos e caras de dar dó.

Falar com o travesseiro não
convém, a não ser numa urgência,
como ante a ameaça de um tufão
ou coisa de igual pertinência.

Mas fique lá o relógio, quieto
e empoleirado sobre a porta,
e passemos ao que é concreto,
ao que de fato nos importa:

Arnaut Daniel, Corbière, Marino,
Hopkins, Gregório, Kilkerry
João Donne, John Airas, Aretino,
e até mesmo Pignatari

(forçada a rima, já bem gótica),
eu citaria, com prazer;
mas com "pessoa intersemiótica"
não saberia o que fazer;

e rimava o meu "arrebol",
que o Tolentino detestou,
com "girassol" ou "rouxinol",
(pois ele é ele, e eu, eu sou);

já "traquitânia colonial",
"emocional verborragia"
ou até "culinária verbal"
são termos que eu não usaria.

(E, embora o Campos desaprove,
darei mais uma estrofe ao poema,
pois o meu eu quero com nove,
mesmo que nada acresça ao tema:

para evitar – tenho pensado –
futuras precipitações,
proponho um abaixo-assinado
contra todas as traduções.)

ADENDO

Pena no poema não caber
a Spaghettilândia, esse espanto,
pois ao dez chego sem querer,
e haja paciência para tanto...

Conheça o ótimo site do autor AQUI.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Polêmica: Augusto de Campos x Ferreira Gullar


        O meio artístico, sobretudo o literário, nunca viveu em plena paz celestial. Vez por outra pulula aqui e ali um embate que ganha repercussão na imprensa escrita, principalmente. Quem não se lembra ou nunca ouviu falar da célebre e polêmica entrevista de Bruno Tolentino à Veja, quando critica Caetano Veloso, Chico Buarque, a crítica em geral e o ensino no Brasil, deveria procurá-la pela internet. O mesmo Bruno, polemista por natureza, implode os irmãos campos e Décio em seu impagável Os Sapos de Ontem (baixar aqui o prólogo da obra).
       Inocente é quem acredita que escritor é um ser polido. Ferreira Gullar, que nunca se esquivou de uma boa refrega, sobretudo quando essa é com Augusto de Campos, ano passado voltou à carga em artigo na Folha de S. Paulo, que prontamente foi rebatido pelo concretista que, por sua vez, não suportou a tréplica (ver aqui). Calou-se. Bob Fernandez, à época, deu publicidade ao embate no Terra Magazine.

Simplesmente imperdível (ver aqui).

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Prêmio Damário Dacruz de Poesia


Estão abertas, de 17 de setembro a 26 outubro, as inscrições para o Prêmio Damário Dacruz de Poesia. Promovido pela Fundação Pedro Calmon, há remuneração em dinheiro (que poderia ser mais atraente) para os três primeiros classificados. E como o meio literário baiano é por demais viciado, com cartas marcadíssimas, haja vista o histórico recente desse tipo de certame, cabe aqui sugestões que visam não deixar espaço para que se tente macular a imagem do concurso:

1- Não proporcionar encontros prévios entre os membros da comissão julgadora.
2- Formar comissão julgadora e guardar os nomes em sigilo, sem que os membros saibam quem são seus pares na empreitada.
3- Que a comissão julgadora conte com um mínimo de 2/3 de agentes de outros estados.

Eis AQUI o regulamento.

domingo, 16 de setembro de 2012

Um mimo para Flora


Um grande amigo, o poeta Piligra, esteve em minha casa há poucos dias e saiu daqui encantado com Florinha, minha filhota, e o resultado não poderia ser outro, um poema, em verdade um soneto inglês de boa lavra. Pensando bem, acho que esse poema é um mimo para mim. Obrigado, Piligra!

Flora

Pequena gota clara de alegria,
Olhos de luz riscando o meu soneto,
Anjo brincando livre em pleno dia
Como um mistério, lírico amuleto...

Flor de um jardim regendo a fantasia,
Rima marcando o tempo de um quarteto,
Seu nome santo guarda a poesia
Feita por Deus, simbólico arquiteto...

Olho seus olhos, plenos de vontade,
Estrelas vivas, joias preciosas,
Sento e contemplo toda eternidade
Como quem sonha em leito de mil rosas...

- Meu peito inflama, sofre, mas não implora,
Neste momento, enfim, só penso em Flora...

                  Piligra

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

Toda a saudade do mundo


O filho de Jorge Amado, João Jorge Amado, é o organizador do volume Toda a saudade do mundo - A correspondência de Jorge Amado e Zélia Gattai. Do exílio europeu à construção da casa do Rio Vermelho (Companhia das Letras, 208 pp., R$ 34,50). As cartas de Jorge a Zélia foram preservadas por ela em cinco pastas, misturadas a cartas que escreveu ao marido e a outras que recebeu. O tom das correspondências de Jorge é de um homem apaixonado, atencioso e preocupado com a mulher e a família, mas também prático, envolvido com a política e zeloso da própria obra. O livro fornece dados biográficos e permite conhecer um pouco do processo criativo, do dia a dia e da vida íntima do escritor. A edição é ilustrada com manuscritos e postais.

Fonte: PublishNews - 13/09/2012

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Jorge Amado em Portugal


Sob o título “Um jantar para Jorge Amado”, Isabel Coutinho, noticia para a Folha, Caderno Ilustríssima de 09 de setembro, um fato curiosíssimo sobre a biografia do escritor baiano quando de sua passagem por Portugal em 13 fevereiro de 53. Segunda ela, na referida data, Jorge Amado foi proibido pelo regime português de sair do aeroporto, oportunidade em que intelectuais portugueses organizaram, no aeroporto mesmo, um jantar para ele.
Uma foto desse jantar integra a mostra "Jorge Amado em Portugal", em cartaz na Biblioteca Nacional portuguesa até o dia 29. O catálogo da exposição, em e-book, está à venda a 2,50 euros. Para adquirir basta clicar AQUI.
Também está acessível o relatório que a Polícia Internacional e de Defesa do Estado fez do ocorrido. Inclui um croqui com a disposição dos lugares na mesa e a seguinte descrição: "[...] Este indivíduo, que se demorou apenas uma hora no aeroporto desta cidade, foi cumprimentado por um conhecido grupo de intelectuais portugueses, da extrema esquerda [...]. Jorge Amado conversou com todos os seus convivas, muito especialmente com os conhecidos escritores Ferreira de Castro e Maria Lamas".
Nessa primeira visita a Lisboa, Amado já não era desconhecido dos intelectuais portugueses. Em setembro de 1934, Ferreira de Castro tinha falado pela primeira vez do brasileiro no jornal português "O Diabo", onde fez "larga referência elogiosa, sendo essa, decerto, a primeira vez que o nome de Jorge Amado foi impresso na Europa". O próprio Castro conta a história em artigo na revista "Vértice", em novembro de 1951. "Há, talvez, 15 anos, recebi em Lisboa, enviado do Rio de Janeiro pelo seu autor, um livro intitulado 'Cacau'", conta, acrescentando que ficou três semanas sem pegar no romance. "No dia, porém, em que o abri, a minha surpresa foi grande: o nome completamente desconhecido que o assinava impunha-se desde as primeiras páginas".
Os dois artigos, bem como os primeiros livros de Jorge Amado que circularam em Portugal, em edições brasileiras da José Olympio e da Martins, estão na mostra. E também o parecer de Silva Pais, o último diretor da Pide, para autorizar a visita a Portugal de Amado em 1966. Ele observa que: "Aquele brasileiro está aburguesado, tendo sido afastado do PCB, e o filho dele vai casar com uma senhora portuguesa, filha de família nacionalista e abastada".

domingo, 9 de setembro de 2012

Quem não lê é um otário


Entrevista corajosa que a escritora e filósofa Márcia Tiburi concedeu ao pessoal que faz o Paiol Literário, encontro muito bacana promovido pelo jornal Rascunho, do Paraná. É só clicar AQUI.

sábado, 8 de setembro de 2012

Décima cantiga para Flora


Em todos os meses, o dia 08 é para mim especial. Trata-se do dia em que nasceu minha filhota, Flora, que hoje completa dois anos e quatro meses de vida, muita vida. Divido com todos, amigos e leitores, a alegria que vivo e o décimo poema de Cantigas para Flora, publicadas em Procura e Outros Poemas.

Décima cantiga para Flora

Por te cantar nestes poemas
eu fui mais fundo em minha lira,
e se a mim mesmo eu revelei
a ti confiro a própria vida;

nela me vejo pequenino
se o teu sorriso cristalino,

doce como a visão do mar ,
em minha face faz nascer
motivos a mais para amar

e cantar o teu nome, Flora,
Estrela que em meu ser vigora.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Um haikai para embelezar o dia


Um peixe, outro peixe,
muitos peixes pululando –
Ah! Botos-cor-de-rosa

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Recado de Primavera


Ano que vem lembraremos muito de dois gênios da literatura brasileira por conta da passagem do centenário de ambos. Falo de Rubem Braga e Vinícius de Morais, pelo menos para mim, o maior cronista e o maior poeta brasileiro, respectivamente. Vai daí que desfazendo as tralhas com livros e recortes que trouxe do Espírito Santo, encontro uma fotocópia de uma singela, intensa e sentida crônica elegíaca de Rubem para Vinícius que nos dá as cores e os tons dos laços que uniam esses dois gênios e que merece ser lida e relida sempre e sempre e mais.


Recado de Primavera
Rubem Braga

Meu caro Vinicius de Moraes:
Escrevo-lhe aqui de Ipanema para lhe dar uma notícia grave: A Primavera chegou. Você partiu antes. É a primeira Primavera, de 1913 para cá, sem a sua participação. Seu nome virou placa de rua; e nessa rua, que tem seu nome na placa, vi ontem três garotas de Ipanema que usavam minissaias. Parece que a moda voltou nesta Primavera — acho que você aprovaria. O mar anda virado; houve uma Lestada muito forte, depois veio um Sudoeste com chuva e frio. E daqui de minha casa vejo uma vaga de espuma galgar o costão sul da Ilha das Palmas. São violências primaveris.
O sinal mais humilde da chegada da Primavera vi aqui junto de minha varanda. Um tico-tico com uma folhinha seca de capim no bico. Ele está fazendo ninho numa touceira de samambaia, debaixo da pitangueira. Pouco depois vi que se aproximava, muito matreiro, um pássaro-preto, desses que chamam de chopim. Não trazia nada no bico; vinha apenas fiscalizar, saber se o outro já havia arrumado o ninho para ele pôr seus ovos.
Isto é uma história tão antiga que parece que só podia acontecer lá no fundo da roça, talvez no tempo do Império. Pois está acontecendo aqui em Ipanema, em minha casa, poeta. Acontecendo como a Primavera. Estive em Blumenau, onde há moitas de azaléias e manacás em flor; e em cada mocinha loira, uma esperança de Vera Fischer. Agora vou ao Maranhão, reino de Ferreira Gullar, cuja poesia você tanto amava, e que fez 50 anos. O tempo vai passando, poeta. Chega a Primavera nesta Ipanema, toda cheia de sua música e de seus versos. Eu ainda vou ficando um pouco por aqui — a vigiar, em seu nome, as ondas, os tico-ticos e as moças em flor. Adeus.

Setembro, 1980

Nota: Vinícius faleceu em Julho de 1980.