quinta-feira, 31 de maio de 2012

Lançamento da revista TOCAIA

clique na imagem para aumentar

Neste sábado, 02 de junho, no ABC da Noite, bodega do Cabôco Alencar, no Beco do Fuxico, em Itabuna, entre as 11 e 13 horas, será lançada TOCAIA - revista grapiúna de letras e artes, periódico cultural que tem como objetivo principal a valorização da produção literária e artística sulbaiana contemporânea.
A publicação nasce sob o peso de uma palavra: tocaia. Originário do tupi guarani, o termo designava o abrigo onde os índios se ocultavam para surpreender a caça ou inimigos. Tocaiar é estar à espreita, em um ponto de visão privilegiada, para atacar. Tocaia-se para matar um animal, uma pessoa. Tocaia-se para assustar, dar uma surra. Tocaia-se para raptar, seduzir, desnortear, tirar do caminho. Os editores George Pellegrini e Gustavo Felicíssimo resolveram tocaiar.
A edição de lançamento ainda traz Renato Prata, Adelmo Oliveira, Lamiea el Amrani, Daniel Prudente, Milena Gantois Palladino, Rita Santana, Piligra, Heitor Brasileiro, Daniela Galdino e Pedro Montalvão.

Imperdível!!!

quarta-feira, 30 de maio de 2012

Suassuna - Finalmente um Nobel para o Brasil?


Sempre que temos um brasileiro indicado ao Nobel de Literatura, nossas esperanças por ter um autor laureado no mais importante e reconhecido certame literário mundial se renovam. Isso já aconteceu quando Jorge Amado (1967), Guimarães Rosa (1966), Ferreira Gullar (2002) e João Ubaldo Ribeiro (2010) concorreram, porém nenhum brasileiro jamais foi agraciado com o prêmio. Agora a nossa torcida está com o poeta, romancista e dramaturgo Ariano Suassuna, nome inconteste das nossas letras, que vai disputar o prêmio neste ano por indicação do senador paraibano Cássio Cunha Lima à Comissão de Relações Exteriores do Senado.
Por Ariano, e pela literatura brasileira, fica aqui a nossa torcida ao mesmo tempo em que convido o leitor a reler um breve texto sobre um poema do autor, um dos mais belos em língua portuguesa, CLINCANDOAQUI.

O bom e velho rock'n'roll em livro


Há quem torça o nariz para ele, mas exites quem não vive sem. Seja para o que amam ou para os que odeiam, está nas bancas As raízes do rock (Cia. Editora Nacional) pela bagatela de R$ 49,90. O livro escrito pelo jornalista, autor, fotógrafo e viajante profissional Florent Mazzolieni, conta como surgiu o gênero musical que deu início à maior revolução cultural do século XX. O título também aborda a evolução da indústria fonográfica, passando pelo crescimento dos grandes selos independentes e o surgimento dos discos 45 rotações. A importância de Nova Orleans como base rítmica do rock'n'roll e o reinado dos grandes grupos vocais. Para ilustrar todo esse período que vai dos anos 1930 até meados dos 1950, o livro reúne mais de 300 fotos entre shows, capas de disco, recortes de jornais, selos de discos, cartazes promocionais e muito mais. Imperdivel!

Fonte: PublishNews

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Oswald por Mário de Andrade, via Luiz Roncari


Luiz Roncari, Professor de Literatura da USP, em artigo publicado no último dia 25, no jornal Valor Econômico, esmiúça uma resenha feita por Mário de Andrade sobre "Memórias Sentimentais de João Miramar", obra do seu amigo e concorrente, depois desafeto, Oswald de Andrade. Vale muito a pena dar uma conferida CLICANDO AQUI.

sábado, 26 de maio de 2012

Ladrando feito um cão


Certo! Um dia verei Deus
com esses olhos que a terra há de comer.
O que face a face me dirá, não sei,
mas lhe beijarei as mãos
e tomarei a sua benção
como outrora fiz à minha mãe.
Então mostrarei o nome do seu filho
impresso nas paredes dos prostíbulos
e nas páginas de antigos livros
que unem e separam os homens.
Mostrarei tantos clamores inauditos,
os discursos pela paz mundial
e aquele franzino Davi
montado em poderosos helicópteros
e tanques de guerra subjugando o seu irmão.
Estarei ladrando feito um cão
e ele me lembrará
que a videira é seca, suja e torta,
que esse vale é feito de lágrimas.

            Gustavo Felicíssimo

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Novo lançamento da Mondrongo foi um sucesso


Uma grande festa marcou novamente o lançamento de livros publicados pela Mondrongo, quando cerca de 250 pessoas (sem qualquer exagero), da região e da capital, estiveram na Casa dos Artistas, em Ilhéus, para prestigiar esse grande acontecimento no último sábado, dia 19.
A todos que compareceram, o nosso agradecimento e a promessa de que mais obras de qualidade estão por vir, além de muitas novidades, inclusive um catálogo de paradidáticos para o 2º semestre.
É ver as fotos do sarau, disponíveis logo abaixo, aguardar e visitar o espaço virtual em que nossos livros estão sendo comercializados CLICANDO AQUI.
houve um belo espetáculo de clown
"livros a mão cheia"

Pawlo Cidade






olha eu aí (de chapéu) com Geraldo Lavigne

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Dalton Trevisan vence o Prêmio Camões


Dalton Trevisan, consagrado mestre da narrativa curta, venceu o Prêmio Camões, após a deliberação do júri da premiação na manhã de hoje, em Lisboa. O escritor curitibano, que completará 87 anos no dia 14 de junho, foi reconhecido por sua contribuição para a arte do conto e seu trabalho com a linguagem concisa, que ele condensou ainda mais ao longo de sua obra. De acordo com Silviano Santiago, escritor brasileiro e professor emérito da Universidade Federal Fluminense que fez parte do júri do Camões, Trevisan contribuiu para o "enriquecimento de uma tradição que vem de Machado de Assis, no Brasil, de Edgar Allan Poe, nos EUA, e de Borges, na Argentina". Trevisan é dono de uma obra extensa, e sua publicação mais conhecida é O vampiro de Curitiba (1965), que conta uma série de relatos sobre Nelsinho, jovem solitário que vaga pela cidade assediando mulheres.

Fonte: PublishNews - 21/05/2012 - Por Roberta Campassi

quinta-feira, 17 de maio de 2012

Sarau na Casa dos Artistas, em Ilhéus, marca o lançamento de livros de autores sulbaianos


A literatura sulbaiana continua a dar frutos nas suas mais diversas linguagens. É o que atesta a nova leva de obras a serem apresentadas pela Mondrongo Livros em grande sarau neste sábado, dia 19, na Casa dos Artistas, em Ilhéus, a partir das 19 horas.
clique na imagem para ampliar
Dessa vez a editora apresenta ao público cinco obras de características diversas que só fazem comprovar a efervescência e o bom momento que vive a literatura da região cacaueira. São elas: “O tortuoso caminho das pedras”, romance policial de Juarez Rodrigues Oliveira; “Pedra por Pedra”, contos de Cláudio Zumaeta; “A casa de Santinha”, dramaturgia de Pawlo Cidade enfocando os momentos cruciais que antecederam a entrada de Maria Bonita (Santinha) no bando de Lampião; “Livro de Sanumá”, conto de Leo Janicsek em edição quadrilingue (português, inglês, espanhol e alemão) vencedor da primeira edição do Concurso Bahia de Todas as Letras; “A pulseira do tempo”, terceiro livro do poeta Renato de Oliveira Prata, vencedor do Prêmio Brasken de Literatura. De quebra ainda será lançado o livro “Inspiração”, de Micheline Musser Leal, advogada e professora da UNEB.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Livro inacabado de James Joyce deverá ser publicado no Brasil em junho


Li na Folha de São Paulo de hoje (15) que a editora Hedra prevê para a segunda quinzena de junho o lançamento de “Stephen Herói”, livro inacabado de James Joyce e inédito no Brasil, cujo personagem central é o alter ego de Joyce, Stephen Dedalus. Embora o autor falecido esteja impedido de qualquer manifestação de contento ou desagrado, a iniciativa é louvável, pois deve colaborar para compor o complexo mosaico Joyceano. O jornal ainda informa que após sairá uma nova edição de “Um retrato do artista quando jovem...”, onde Stephen também aparece.
          Outro jornal paulista, dessa vez O Estado de S. Paulo, na edição do dia 12, apresenta um texto de Donaldo Schüler pesando um tanto a mão ao afirmar que “os leitores de James Joyce no Brasil estão em festa” pelo aparecimento de uma nova tradução do Ulisses. É a terceira, mas não é para tanto. Dessa vez o trabalho hercúleo foi encarado por Caetano W. Galindo, Doutor em Letras e Professor da Universidade Federal do Paraná. Pior é o articulista dizer que “agora incorporamos Joyce, abrasileirado pelas traduções”, o que me parece o mesmo que dizer que Guimarães Rosa fora germanizado por Curt Meyer-clason. Parece-me que “traduzir” e “abrasileirar” são coisas bem distintas.

quinta-feira, 10 de maio de 2012

Raridade - Um poema de João Gilberto


Recentemente recebi e-mail de Fátima Santiago, grande amiga, musicista e professora competente, natural de Juazeiro, com um conteúdo que não poderia passar em branco, em que afirma ter encontrado um poema escrito “por João Gilberto quando jovem”. Tal poema teria sido publicado “em uma coletânea de poesia local”, o que me parece material extremamente relevante, sobretudo pelo seu valor histórico. Vamos, então, ao texto da minha amiga, sua breve, mas consistente análise e ao respectivo poema. Diz ela:

Remexendo em meus papeis, encontrei esse poema escrito por João Gilberto quando jovem e ainda morador de Juazeiro. Ele foi publicado em uma coletânea de poesia local. Esse livro se encontra na Biblioteca da cidade, pena que não anotei a referência, mas apenas o poema quando trabalhei nesse lugar.
Interessante observar a sensibilidade auditiva e humana da voz que fala no poema, que se dirige a um interlocutor/leitor pedindo que escute junto com ele, de dentro de casa, o movimento da chuva que inicia com o chuvisco e forma um aguaçeiro. Para quem o som é linguagem, o lamento dos "pingos molhados" desabrigados. Paradoxal, como o artista, Papa da Bossa Nova.

Pingos Molhados
João Gilberto

Olhe, ‘tá chuviscando
Virou aguaceiro e os pingos vão
se molhar, ouviu?
Preste atenção...
...os pingos estão se lamentando
Ou será ilusão?
Se verdade fosse e a linguagem deles falasse
Chamava os pingos pra dentro de casa
Até que a chuva parasse.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

Mais um ano de vida


Chego hoje (09) aos 41 anos com a sensação de que estou no auge das minhas competências e por isso me sinto bem. Respiro suavizado, pois nada há de mais gratificante que isso: compreender que a vida é um caminhar constante e que somos capazes de nos moldar da mesma maneira que faz o oleiro com o barro bruto. O oleiro sabe que a perfeição é inalcançável e mesmo assim a persegue. Não tenho tal pretensão, mas procuro consagrar meu tempo a tudo que me parece mais importante.
Nesse dia, sobretudo, o que almejo e preciso é de mais tempo. Mais tempo para a minha filha. Mais tempo para minha esposa, para a minha mãe. Mais tempo para alguns amigos. Desse modo, estou certo, estarei dedicando muito mais tempo a mim.

O poema abaixo começou a ser escrito em maio do ano passado e me parece que agora encontrou a sua versão definitiva.

Crônica dos meus 40 anos

Estás ficando velho!
Foi o que me disseram
alguns amigos
agora que cheguei
ao quarenta anos.
Isso foi ontem
e não me desanima.
Hoje fitei o sorriso
da minha filha
nos braços de minha mãe
e concluí:
a vida não é uma ilha.
Hoje aprendi
que o avesso da minha voz
         são esses versos
              singrados
por múltiplas caravelas.
Ouve,
           deles
                     vaza
o que à vida falta.

sexta-feira, 4 de maio de 2012

O amigo de Caymmi


Ele não desistiria, tenho certeza. Partiria mil vezes, regressaria outras tantas se necessário, mas não abandonaria o mar. Da sua janela podia ouvir o quebrar das ondas e as sentia intensamente, como um  beijo na areia. Podia ouvir a marujada, o porto, o ir e vir de tantas embarcações. Ouvia, e se pudesse estaria em todas elas, o sal no rosto, o sol, cuidaria do velame e do cordame como nenhum outro, marinheiro que foi desde os tempos dos saveiros. Conhecia os segredos do mar, a rota entre Ilhéus e Valença, os caminhos até Salvador, para onde levava farinha do Engenho de Santana, trazendo de volta tecidos e bugigangas para as esposas e rabos de saia dos últimos coronéis.
Achava bom escutar o mar, sobretudo quando anoitecia. O barulho das ondas ecoando como se de dentro de um búzio lhe fazia muito bem. Podia sentir a maresia e o tumulto interior em que vivia trazia de volta as lembranças mais ternas e os amigos, as viagens, os perigos, as tempestades e as amantes, especialmente Tereza Maria, segundo ele, a cabocla mais fogosa e meiga de toda Ilhéus. Era ela quem sossegava seu coração depois das longas viagens. Ele dizia que ela o esperava toda enfeitada, de vestido longo, engomado, uma flor de hibisco presa entre os longos cabelos negros e ondulados, perfume de alfazema e o corpo ardente, muito embora soubesse que homem do mar jamais será homem de alguém.
Pudesse, faria tudo novamente, correria os mesmos perigos, passaria pelas mesmas tormentas, mares revoltos, dificuldades. Teria os mesmos prazeres. Em cada porto um novo corpo, em cada corpo uma paixão passageira. Não era de arrependimentos, ainda que seus dois filhos estivessem pelo mundo. “O mar, mesmo ferindo, consola”. “Eles estão por aí, embarcados, de navio em navio, nessas águas que são de todos e não são de ninguém”. “São marinheiros como o pai e algum dia vão retornar, pois toda planta sabe em que terras estão fincadas as suas raízes”. Gostava do mar como da própria vida.
Não fosse a cegueira...
Maldita, a cegueira o impedira de navegar. Decorrida de uma lesão provocada por uma queda idiota, o problema se agravou com o diabetes. Ele foi perdendo a capacidade de identificar as cores, depois, a vista embaçada, até que um dia deixou de perceber qualquer sinal da luz.
Daí por diante, cada vez mais, estava parecido a barcos no estaleiro, a cordas que de tão usadas não sustentam a vela e ameaçam se romper. Já não mantinha o orgulho de exibir os imponentes calos nas mãos, o rosto enrugado, a pele massacrada, a magreza saudável e benfazeja, típica de quem se alimenta basicamente de peixes e frutos do mar.
Já não contava histórias...
Verdadeiras ou não, todos no cais as conheciam. A que mais impressionava era a da barracuda que pulou sobre o barco e o atacou mordendo seu braço. Sozinho e sangrando muito, contava que mesmo extremamente exausto e apavorado conseguiu sacar uma faca e matar aquele peixe de mais de um metro e oitenta, o corpo alongado e a cabeça terminando em uma boca enorme, abarrotada de dentes afiados, cravados em seu corpo. Ele trouxe o peixe consigo até a praia, como se fosse um troféu, depois desmaiou.
Quando acordou, após três dias e três noites de febre, encontrou a negra Maria das Dores ao seu lado, como se fosse a sua mãe, rezando por ele e cuidando a ferida. Ela o amava mais que tudo e não deixou ninguém se colocar no seu lugar. Embora seu amor não fosse correspondido, nunca havia perdido a fé em Nossa Senhora dos Navegantes, a quem prometera abandonar o Beco das Marafonas se aquele homem dormisse com ela uma noite. “Uma noite apenas”, dizia em voz alta para si mesma. Uma única oportunidade que tivesse e o faria se apaixonar. Mesmo desfalecido, em uma atitude tresloucada, ela aventurou sugar seu pênis, mas gostaria mesmo é que ele a domasse, como sempre fez aos barcos.
A enorme cicatriz deixada pela barracuda havia se transformado na marca da sua existência, a cegueira o seu maior castigo e o mar imenso a sua última obsessão. Vivia de frente para ele, mas voltar a navegar parecia uma realidade cada dia mais distante. Mesmo assim, jurava, ainda cego voltaria para o mar, não importava o modo, era a derradeira coisa que pretendia fazer na vida. Sempre dizia isso, principalmente quando o vento fresco invadia sua janela e lhe acertava o rosto em cheio. Era uma sensação semelhante a que sentia quando estava navegando. Ele se emocionava, chorava como qualquer um de nós.
Sei também que possuía muitos amigos: marinheiros, pescadores, inclusive gente que não era do mar. Alguns até bastante conhecidos, como o Caymmi, por exemplo. Havia na casa dele, afixado na parede branca, pintada a cal, e ocupando lugar de destaque, uma enorme fotografia dos dois abraçados na praia. O que contam no cais é que a canção “O bem do mar” foi feita inspirada nele. Se verdade eu não sei, não afirmo nem confirmo, mas por causa da cegueira, uma ideia doida o acompanhava, essa ideia tem tudo a ver com outra música de Caymmi, nela tem uma passagem que diz o seguinte:

É doce morrer no mar,
Nas ondas verdes do mar.

Quando o conheci, ele estava sentado na areia da praia, os braços envolvendo os joelhos, o tronco levemente curvado à frente, reflexivo e calmo. Ao perceber minha presença, pediu que o ajudasse a chegar à água. Peguei em sua mão e no movimento para levantar, percebi seus bolsos repletos de pedras. Perguntei, então, para que serviriam. Ele me revelou, sem cerimônia, que havia chegado à hora de cumprir a sua sina, seu grande desejo, e eu lhe faria um enorme favor, o maior que alguém poderia lhe prestar: se não podia mais navegar, ao menos se enterraria como um verdadeiro marinheiro. E como na música, me disse, iria fazer sua “cama de noivo no colo de Iemanjá”. Espantado e atônito, contra a sua vontade, o reconduzi sentado à areia. Conversamos. Foi quando me contou a sua história e falou da amargura que sentia.
Fiquei muito comovido, naturalmente. E fiz de tudo, lancei mão de todos os argumentos a fim de lhe demover daquela ideia absurda, até o convencer a voltar para a sua casa, não sem antes fazer um juramento, o de recuperar Sol Nascente, seu barquinho, que estava apodrecendo e criando mato lá no seco.
Eu poderia nunca ter voltado a procurar aquele velho. Poderia simplesmente esquecer e não cumprir o juramento, afinal, sempre trouxe comigo muitos afazeres, mulher e duas filhas para terminar de criar. Além disso, moro muito longe dali. E antes de pensarem que o conhecia, devo dizer: até então jamais havia visto aquele senhor uma única oportunidade em minha vida.
No dia seguinte voltei à sua casa com alguns apetrechos: massa corrida acrílica, formão, folhas de compensado naval, serrote, martelo, pregos, zarcão, fio para calafeto e algumas chaves de boca. Também levei um punhado de lixas e latas de esmalte sintético. Ele recomendou fossem de três cores: azul, vermelha e branca, as cores do Bahia, seu time de coração. Com a ajuda de algumas pessoas consegui colocar o barquinho em um cavalete e comecei a cumprir o prometido. Recompus primeiramente o assoalho e o calafetei, depois foi a vez dos bancos e remos. Lixei todo o madeirame, gravei o escudo do tricolor de aço nos dois lados da embarcação. Cuidei de tudo como se fosse meu. Ao final do terceiro dia, Sol Nascente parecia novinho, novinho. Dava gosto de ver.
Havia chegado o grande momento, a oportunidade de colocarmos Sol Nascente novamente no mar; dia em que aquele velho marinheiro voltaria a sentir os respingos da água salgada e a força do vento, a agitação do barquinho com o movimento das ondas, o canto das gaivotas. Eu, que também sou marinheiro, posso falar: tudo isso junto se constitui na melhor e mais perfeita sensação de liberdade que um homem pode experimentar, e seu semblante traduzia a satisfação que estava sentindo.
Eram sete horas da manhã de uma sexta-feira ensolarada. O céu estava limpo, a maré baixa e a temperatura amena. Tudo era uma calmaria só. Vestíamos branco, como manda a tradição. Eu, com o meu calção de banho e uma camisa de botões. Ele, muito bem trajado, como se fosse a alguma festa: calça e camisa de linho, óculos escuros e quepe na cabeça.  Me sentia afortunado por poder devolver um pedaço de alegria àquele velho marinheiro.
Alguns pescadores me ajudaram a colocar o barquinho na água, o fazendo deslizar sobre alguns rolos de madeira. O velho, àquela altura, era todo apreensão, mesmo estando bem acomodado dentro dele. Quando não havia mais perigo de encalhar, fiz o movimento para subir. Segurei nas bordas do Sol Nascente, que pendeu um pouco de lado, mas qual não foi a minha surpresa quando percebi o velho me atacando com um dos remos, tentando impedir minha subida.
Gritei com ele, pedindo que parasse, mas os golpes continuavam a vir de todas as direções. Eram golpes duros, me acertavam na cabeça, nos braços e nas mãos. Um deles me feriu no ombro, fazendo um corte profundo e minando de vez a minha resistência. Foi quando soltei as mãos da borda e o deixei seguir. “Deus lhe pague, meu filho. Deus lhe pague”, ouvi o velho dizer repetidas vezes enquanto se afastava, remando na direção do horizonte.
 Da areia, um tanto aturdido, eu o observava. Uma imagem fugaz aparecia e se escondia no vai-vem das águas. Algumas lágrimas começaram a brotar e um choro convulsivo tomou conta de mim. Poderosos espasmos de tristeza e alegria se misturaram fazendo meu corpo todo soluçar. Tomados pela emoção, os pescadores que me ajudaram a devolver o barquinho ao mar se juntaram a mim. Ficamos em silêncio, admirados com a perspicácia do velho. Afinal, ele estava fazendo o que pretendia desde sempre: se enterrar como um verdadeiro marinheiro.
Fiquei pouco à vontade ao perceber que estava cercado cada vez por mais gente. Por isso me afastei um pouco do tumulto e descansei meus olhos no infinito. Absorto, em minha memória apenas a voz do velho a me agradecer: “Deus lhe pague, meu filho. Deus lhe pague”.

*Conto vencedor do Prêmio Yoshio Takemoto de Literatura (SP). Selecionado para publicação pelo comitê do Prêmio Maximiniano Campos (PE).

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Passeio pelos mitos de Jorge Amado


O cineasta curitibano Marcos Jorge, realizador do premiado “Estômago”, encerrou as filmagens de “As fantásticas aventuras de um capitão”, produção de R$ 8 milhões que marca um novo mergulho do cinema brasileiro na literatura de Jorge Amado. Previsto para estrear ainda neste ano, o projeto, que coincide com as comemorações do centenário do escritor, foi fisgado do romance Os velhos marinheiros ou o capitão-de-longo-curso. Diz Jorge que “este foi o primeiro roteiro que escrevi sem parceiros. Mas a prosa de Amado se impõe com tal força que, na adaptação, a gente sente o mestre baiano do lado”. Aguardemos.

Fonte: O Globo - 28/04/2012