sexta-feira, 30 de março de 2012

Millor: Eu esculhambo, tu esculhambas...


Entrevista concedida a Laura Greenhalgh e Sérgio Augusto. Publicada no ESTADO DE S. PAULO em 14 de Agosto de 2005

E assim publicitários, políticos, homens da mala e secretárias assaltam o País e vão dando razão à máxima de Millôr: o ser humano é inviável

Enquanto a crise política continua provocando estados de comoção e desapontamento, Millôr Fernandes, 82 anos, afirma de boca cheia: "Sou indecentemente feliz". Alienado? Jamais. Está de olhos e ouvidos atentos a tudo - em particular aos tropeços e contradições dos que freqüentam as salas das CPIs ou o púlpito dos comunicados oficiais. Entre delcídios e delúbios, o "guru do Méier" se esbalda. "Lula não tem consciência da própria ignorância", analisa. "Chávez é um patife", assume sem medo de ser atrevido. "Jefferson ainda vai entrar para a História", avisa. "A esculhambação no País é geraaaal", diz expandindo a vogal, num exagero calculado.
O olhar fixo na CPI começa cedo, ou melhor, começa assim que um amigo do peito faz soar o lembrete pelo telefone: "Já começou o depoimento da Zilmar. Vai lá, liga a tevê". No ateliê em Ipanema, onde Millôr trabalha todos os dias, as questões de ordem de Brasília começam a provocar o mestre. A cada uma daquelas afirmações que não passariam pelo detector de mentiras, Millôr rebate que a canalhice é imensa, a ignorância não tem limites e o ser humano é inviável. Dispara palavrões com sua balística demolidora e confirma-se no posto de temível observador (ou seria dissecador?) da cena política nacional.
Por que se sente "indecentemente feliz"? "Porque não vivo para comprar iate e tenho dinheiro para pagar minhas contas", explica o jornalista, escritor, dramaturgo, ilustrador e requintado tradutor dos clássicos, que não gosta de ser chamado de erudito. "Sou um oligofrênico topográfico. Me perco até em porta giratória", caçoa. Ateu confesso, carrega na alma amuletos contra o politicamente correto. Odeia certinhos ("e o ACM Neto com aquelas roupinhas, hein?") e amaldiçoa a publicidade ("ela vende mentiras"). Entre os cacoetes que cultiva, sente um prazer incomensurável de dizer que "Hitler era viado". Tiradas assim recheiam a coletânea Todo Homem é Minha Caça, que a editora Record acaba de relançar. É livro de 1981, que não perdeu nem o viço nem a verve do autor.

Nesta entrevista exclusiva para o Aliás, Millôr pede que seus palavrões não sejam substituídos pelo "eufemismo dos três pontinhos". E a primeira pergunta, leitores, é do entrevistado: "Vamos começar a entrevista assim: Freud era um gênio ou um bobalhão?".

Tudo bem, Millôr, podemos começar por aí. Gênio ou bobalhão?
Nem uma coisa nem outra. Lembra as brigas que Freud tinha com o Jung? No fundo, era briga de duas bichas-loucas. Uma historiadora italiana conta uma passagem ótima com o neto do Freud. O neto pergunta: "Vovô, mulher tem perna?". Faz sentido. Freud nunca viu perna de mulher e fez sua obra girar em torno do sexo. Na época dele, as pessoas iam para a cama e nem tiravam a roupa, a relação era um extra. Em compensação hoje chegamos a um ponto que, se você quiser viver um pouco mais calmo, tem de evitar o sexo, porque a transa é fácil, é imediata.
Quando Freud foi para os Estados Unidos com Jung, o reitor de uma universidade quis homenageá-lo, afinal, os americanos se curvavam à psicanálise como ciência. Como sempre, Freud "medrou" e não foi à cerimônia. Jung foi. O reitor fez as apresentações e no final errou. Pediu uma salva de palmas para o doutor Sigmund Freud. É assim que se faz: as pessoas jogam sua crença numa coisa científica e depois votam no Lula.

Pronto, entramos na política. Você tem acompanhado as CPIs?
Acompanho tudo. E alguém consegue deixar de ver? Que país maravilhoso é esse Brasil, que acontece essa esculhambação homérica e até agora não tem ninguém preso... Os contestados, os ameaçados, todos falam de dedo em riste!

Tempos atrás você teria dito que o Brasil é ingovernável. É mesmo?
Não disse que o Brasil é ingovernável. Não diria isso até porque o problema não é o Brasil. Veja o que aconteceu na Espanha pós-Franco. Era uma roubalheira desenfreada com o González. Aquela gente roubava dinheiro em parceria com o ETA! Era dinheiro para dar armas, dinheiro para tirar armas... Na Inglaterra, o filho da senhora Thatcher meteu a mão. O filho do Kofi Annan também, e o pai se faz de distraído.

Ou seja, roubalheira não é coisa nossa?
O que eu acho é que roubalheira, no Brasil, é algo desumano. A corrupção na época de Henrique VIII era briga de foice. O papado, aquela coisa sórdida de tirar dinheiro de todo mundo. Você tinha os pecadores, os pecaminosos e os puros. O negócio das indulgências prosperou porque as pessoas queriam morrer em pureza. Acabaram por descobrir a pureza absoluta, que é a do Cristo, e assim inauguraram o Banco Central das indulgências. O sujeito era considerado louco, tísico ou leproso se não desse a grana. Já no século 18, quando a burocracia foi criada, aí despejaram veneno no mundo. O burocrata é o fim de linha. É o cara que fica na ante-sala e não deixa você falar com quem decide.

A mala é o símbolo dessa crise. Mala para caixa dois, para recolher dízimo dos fiéis, para empréstimo... Reedita-se a antiga figura do "homem da mala", o sujeito que paga tudo, que arca com as despesas...
Um momento. Quando eu vi a mala com que os agentes da Abin grampearam aquele cara, não acreditei. Eles compraram aquela coisa de um contrabandista do Paraguai, só pode ser. Hoje você filma o sujeito com uma microcâmera instalada no relógio de pulso, e a imagem é digital, o som, perfeito... O que era aquela mala da Abin?!

Pois o presidente jura que não tem nada a ver com isso tudo.
As pessoas não gostam quando falo isso, mas 95% da humanidade é absolutamente idiota, e os outros 5% são discutíveis. O Lula veio de baixo, é um homem de origem humilde, mas o partido dele tem 25 anos. Se não foi no primeiro, no segundo ou no terceiro ano, em algum momento ele passou a receber dinheiro, até como forma de salário do PT. Ora, Lula tem 59 anos. Há 25 anos, tinha 34. Com essa idade ainda se pode ir para o colégio.
Passei mais fome do que ele, a diferença é que eu era carioca. Meu pai morreu quando eu tinha 1 ano, minha mãe, quando eu tinha 10, nós descemos de classe média para proletariado e depois para lumpesinato. Não havia literalmente o que comer, e nem por isso fiquei me queixando. Quando passei de 100 para 300 réis de salário, ia para o curso do Liceu de Artes e Ofícios e pagava para estudar. Não fiquei esperando o Estado bancar.

Você acha que o presidente tem essa mágoa não resolvida, a mágoa da miséria?
Hitler também veio de baixo. Era um filho da puta no meio daquela Áustria cheia de milionários. Agora fica essa conversa de que a elite não engole o Lula. Acabei de escrever uma nota para a Veja com a relação de lucros dos seis ou sete maiores bancos do País. A lista da elite. O que menos lucrou declarou ganhos da ordem de R$ 1,5 bilhão! Daí escrevi: enquanto isso, um bando de vagabundos vai ao Banco Central de Fortaleza e rouba R$ 160 milhões. Mas já se disse: "O que é um assalto ao banco diante de um banco?".

Não há mesmo jeito de acabar com a corrupção?
Corrupção é câncer que não se extirpa. O pessoal se recolhe por um tempo, mas depois volta a meter a mão. Tenho uma idéia: o Brasil deveria instituir o voto contra. Não tem o voto a favor? Então, quero votar contra o Maluf, por exemplo. Duvido que o Garotinho se eleja para alguma coisa.

O que você diz das promessas de faxina ética, das manifestações populares, das convocações pela internet? Vem aí uma onda patriótica?
Tem esse movimento pedindo paz, que coisa linda, e os caras lá do morro vendo tudo e dando risada. Conhece aquela frase? "O patriotismo é o último refúgio do canalha." E eu acrescentaria: no Brasil, é o primeiro. Agora tem a denúncia de que pagaram despesas do presidente no valor de R$ 29 mil. Não é nada na escala da roubalheira. Mas, como o salário mínimo é R$ 300, R$ 29 mil equivalem a oito anos de trabalho de uma pessoa que vive com essa mixaria!

Você teve problemas com o ex-ministro Aldo Rebelo?
Escrevi alguma coisa quando ele fez a tal lei proibindo estrangeirismos. Ora, quando os portugueses chegaram a este país trouxeram a língua deles, e pronto. Se não, até hoje estaríamos falando nhangatu, na base do "nós não sabe falar português".

Mas de onde veio a bronca do ministro?
Ele baixou a tal lei e eu escrevi que aquilo era idioletice (sistema lingüístico de um indivíduo). O homem se sentiu ofendido e me processou. As pessoas não têm obrigação de saber o que é idioletice, mas o ministro tem. Ele pediu uma indenização de R$ 30.200, já quantificando o que queria receber! Não disse que ele é um idiota, mas pergunto: no politicamente correto não se pode dizer que um sujeito é idiota? Esse pessoal do governo não sabe que existe poesia, prosa e língua falada. Você escreve poesia. Você escreve prosa. Mas você fala a língua. Fala e vai modificando a língua.

O ministro foi mexer justo com você, um tremendo frasista.
Gosto da precisão da frase. Sartre diz: "O inferno são os outros". Certo, mas eu completo: "E o céu também". Há o dito popular: "Cão que ladra não morde". Eu acrescento: "Enquanto ladra". A igreja prega que "o dinheiro não é tudo". Não é mesmo, dinheiro não compra a juventude, o vigor físico, a inteligência, a felicidade, etc., etc. Então eu diria assim: "Tudo é a falta de dinheiro".

Como ficou o processo?
Respondi com um arrazoado para o ministro, queria ver advogado fazer algo parecido. Mostrei o que é idioletice, fiz um histórico da palavra em várias línguas, fui chamando o sujeito de ignorante de alto a baixo. Entreguei o arrazoado para o departamento jurídico do jornal e esqueci o caso. Mas veja a truculência do método: se eu escrevi um artigo e fui processado, o que dizer da imprensa? Ela pode ser intimidada por esses caras. Eles não sabem que sou uma pessoa honesta por imposição do mercado.

Como assim?
Toda vez que me disponho a ser corrompido, não chegam no meu preço. Quando me dão 5 mil, pode ter certeza que eu tinha pensado em 10 mil. Daí vem um sujeito e me oferece 20 mil, eu que não estou acostumado já vou logo perguntando: o que é que você está pensando de mim?! Vou contar uma piada. O camarada embarca num avião e vai para Nova York com uma mulher linda na poltrona ao lado. Viaja horas entusiasmado, louco para puxar conversa com aquele mulherão. Faltando uma hora para terminar o vôo, toma coragem e diz: "Olha, estamos chegando, você é linda, maravilhosa, se eu lhe oferecer US$ 100 mil, você passa uma noite comigo?".
A mulher olha para ele, pensa e acaba aceitando, afinal, são US$ 100 mil. Passa meia hora e o sujeito abre o jogo: "Estou perdido de encanto por você, mas na verdade eu só posso oferecer US$ 10 mil". A mulher pensa, pensa, vá lá, está bem. Quase na hora da chegada, o sujeito diz que está em dificuldades financeiras, que pode apenas oferecer US$ 1.000 dólares pela noite. A mulher reage: "O quê?! Está pensando que eu sou uma prostituta?". Ao que o sujeito responde: "Isso ficou estabelecido na primeira conversa. Agora estamos apenas discutindo o preço".

Millôr, você que é tradutor de mão cheia, que tem interesse pelas palavras, como se sente assistindo às CPIs? A língua tem sido maltratada?
Completamente. Não só pelos depoentes como pelos interrogadores. Eles não batem "lé" com "cré", não há preposição no lugar certo, não tem plural, não tem verbo no tempo adequado... Sabe o que escrevi sobre essa turma? "Estão convencidos de que a regência acabou com a proclamação da República". Este país é incrível... Daí vêm os gays e começam a bancar apostas para saber quem é o mais gostosão da CPI. Parece que o Delcídio está ganhando, com algo em torno de 53% dos votos, contra Antonio Carlos Magalhães Neto, que teria 38%. Ah, o ACM Neto, com aquelas roupinhas... Deve estar furioso.

O que você acha das metáforas do presidente?
Futebolísticas. Antes mesmo que ele chegasse ao poder supremo, eu disse do Lula: "A ignorância subiu-lhe à cabeça". Isso não é piada! O homem popular é "endeusável" enquanto está no popular. Quando está, por exemplo, no botequim. Mas não se deve tirá-lo do botequim para discutir na Academia Brasileira de Letras, porque um mínimo de coisas esse sujeito tem de saber. Tem de saber que houve gregos, romanos, a Renascença. Tem de saber!

O que é cultura, Millôr?
Vou lhe dizer. Estou lendo o novo livro do Stephen Hawking, aquele cientista todo aleijadinho. Só um idiota vai achar que se pode ler esse livro de ponta a ponta. Então leio cinco páginas hoje, dez amanhã e, quando terminar, se tiver compreendido 20%, será muito. Cultura é isso: entender a extensão da própria ignorância. Lula não tem consciência da sua ignorância.

Seria o "endeusamento" do homem popular?
É o que estou dizendo. Quando ele começou a falar para platéias estrangeiras percebendo que não precisaria saber inglês, francês ou alemão, porque contava com a tradução simultânea, quando se deu conta de que Bush só fala bushismos e que o Chirac só está a fim de falar francês, daí relaxou. Sentiu-se bem entre os monoglotas do poder. O que o Lula não sabe é que todo império é monoglota - sempre. Os portugueses chegaram dominando pela língua. Lula é fronteiriço.

O que é ser fronteiriço?
Quando está no meio dele, usando metáforas futebolísticas, ele se sai bem. Quando o meio é outro, ele se perturba. Pelos discursos que faz, o que se nota é a falta de coerência. Por exemplo: o caso do filho dele, acusado de ter montado uma empresa com favorecimentos. Numa hora, Lula discursa e diz que é preciso apurar tudo. Meia hora depois, reaparece dizendo que a família está sendo atacada. E fala, fala, ininterruptamente! É fronteiriço, não sabe o que está lhe acontecendo.

Como uma derrocada do Lula vai bater no povão? O self-made man à brasileira é um projeto que não deu certo?
Espera aí, self-made man é outra coisa, não é o sujeito que chega no topo de qualquer maneira. Você pode me dizer: Millôr, você é um preconceituoso. Não sou. A vida é normativa, como a própria Presidência. Por exemplo, o sujeito não pode ser presidente com menos de 35 anos. Isso é um critério. Você não operaria seu cérebro com um médico sem diploma. Nem voaria num avião conduzido por um sujeito que não é piloto. Imagina só: o piloto não aparece e a companhia aérea recruta um faxineiro do PT que estava ali, dando sopa. Você embarcaria? O povão tem o direito de eleger quem quiser e pode fazer burrada. No caso do Lula, não foi só o povão, não. Fomos todos nós.

Você está dizendo que o "povão" vota mal?
Vota por questões sensoriais. Não é só aqui. Na Alemanha de hoje, um candidato neonazista pode não ganhar, mas vai ter uma boa votação. O cara não precisa nem ter aquele bigodinho, aquele cabelinho de viado que o Hitler tinha. Aliás, abre parêntese: Berlim tem 3 milhões de habitantes. Sabe quantos são os gays confessos? Uns 300 mil, fora os que estão no armário, os que não saíram do bunker. Hoje, em certas partes da Europa, como já não se estigmatiza ninguém, o sujeito deve declarar sua opção preferencial ao ocupar um cargo público. Pergunto: se o camarada diz que é, mas não é, seria falsidade ideológica? Fecha parêntese.

A crise política pode dar margem ao aparecimento de um novo Collor?
Não tem dúvida. Aqui no Brasil, quando se passa por um período de esculhambação generalizada, a sociedade cobra lei e ordem. Daí pode pintar um tipo desses, sim. É o perigo. Até hoje na Itália fala-se com saudade que, na época do Mussolini, os trens chegavam na hora. A verdade é que o mundo sempre fez acordo com a hipocrisia e a canalhice é imensa. Se não tivessem tirado o pão da boca do Pedro Collor, ele não teria falado. E o Roberto Jefferson? Quando percebeu que a bomba ia explodir em cima dele, resolveu falar. E se converteu numa figura histórica.

Você acredita que Jefferson passará para a História?
Claro, ele derrubou a República e acabou com o PT!

O que você achou do pronunciamento que o presidente fez à Nação, na sexta-feira?
Resultado da ignorância dele e dos "intelectuais" que o assessoram. Como é que ele fala no "partido que eu fiz"? Isso não se diz assim, na primeira pessoa. O uso do "nós"é um aprendizado cultural que Lula não teve. E aquele grupo de ministros que assistia ao pronunciamento? Lamentável. Eu até fiz uns versinhos. Chama-se "Poema em ão". É assim: Se ele sabe do mensalão/é charlatão./Se ele não sabe/é um boçalão. Eu me senti ofendido com o pronunciamento.

Por que ofendido?
Porque é muita ignorância. Não adianta, livro é livro e essa gente não leu nada, não escreveu nada. Até a bicha-louca do Hitler escreveu um livro na cadeia, que, convenhamos, até fez certo sucesso. "Vão ter de me engolir", diz Lula parodiando Zagallo, que não é lá o meu filósofo predileto. Daí avisei: ele agora vai aprofundar mais e citar o Chacrinha. Prefiro ficar com a minha filósofa, Dercy Gonçalves, que aos 98 anos anda dizendo o seguinte: "Hoje puta é status". Fernanda Karina, a secretária, acusou e já foi se preparando para sair nua na Playboy. Ao que parece, o material não foi aprovado. Uma coisa que humilha a gente é ouvir "não quero posar nua, quero ser reconhecida pelo meu trabalho". Eu não quero ser reconhecido pelo meu talento, quero sair nu na Playboy!!

Certa vez Paulo Francis atribuiu a seguinte frase a você: "Se o Lula for eleito, o Brasil vai virar uma Romênia". Você de fato disse isso?
Não me recordo. Disse alguma coisa parecida em relação ao João Amazonas, o velho comunista. Escrevi o seguinte: "Revelado. João Amazonas tem uma conta na Albânia". E vou adiante. "José Dirceu tem uma conta em Cuba. Marcos Valério tem uma conta em Las Vegas." E o jantar que o Lula teve com o Chávez, sem avisar o Itamaraty? É ou não é a prova de que é fronteiriço? Este Chávez, que é um patife um pouco mais esperto, vem aqui para tirar uma castanha qualquer da brasa. A esculhambação geral vai dar num ridículo atroz.

É o fim do sonho socialista?
Olha aqui, a idéia do socialismo é maravilhosa. Como a idéia do cristianismo. Mas, na minha vida toda, eu nunca encontrei um cristão e um comunista de verdade. Sou um humanista ateu. No entanto, sou mais comunista e mais cristão que muita gente. Eu me responsabilizo pelas empregadas que me atendem. Não vou abandoná-las jamais. A idéia do socialismo é incrível, mas está fadada a não dar certo. Porque o ser humano não é isso. Ele é capitalista na essência. Quando desabou a União Soviética, fiquei surpreso com o tamanho do rombo econômico, mas a máfia já estava lá. Já tinha milionário, já tinha carrão na porta do restaurante. Tudo bem, sempre se pode colocar todas as contas na internet, fazer pressão, protestar na rua, mas, quando o "partido da pureza" chega ao poder imitando o modelo mexicano, daí não dá! Olha aqui, não vejo como o mundo possa se salvar.

Hoje dois publicitários estão no epicentro do escândalo - Marcos Valério e Duda Mendonça.
Não é por acaso. O jornalismo é uma profissão cujo objetivo "filosófico" é trazer à tona certas coisas que as pessoas não sabem. Tem um compromisso com a verdade. Agora, qual é o objetivo "filosófico" da publicidade? A mentira. É mentir sobre o sabonete, a maionese, a margarina, o político. Fazer anúncio sobre seguro médico é uma ofensa. Fico envergonhado ao ver que os bancos estão tomando dinheiro dos velhinhos e os atores da Globo anunciam isso. Os velhinhos pegam o dinheiro e pagam juro antecipado! É uma indecência. E por que o Estado tem de fazer publicidade? O que o Ministério da Saúde precisa é divulgar o calendário das vacinas, coisas assim. Não tenho respeito pela publicidade. Os caras ficam aí se gabando de que sabem fazer slogans e passam anos para criar coisas como "Coca-cola. É isso aí". De quantos slogans precisam? Faço dez agora.

Você poderia fazer algumas das suas "definições apertadinhas"?
Vamos lá. Deixa pegar meus óculos. Não sei fazer definição sem eles.

Cueca.
Banco de dados. Afinal, todo o dinheiro que o sujeito levava era dado.

Mensalão.
Estupro econômico-social que não ousa dizer seu nome.

Repilo.
Poderia ser marca de repelente.

Campo Majoritário.
Maracanã.

Sujeito vertical.
Indivíduo que se curva ao menor vento contrário.

Opportunity.
A melhor tradução seria: Daniel Dantas.

Banco Rural.
Como diz a publicidade, nem parece um banco.

Lobista.
Praga para matar com "repilente".

Salário mínimo.
Salário máximo pago a um pobre diabo.

Comissão de Ética.
Ética que já vem com preço.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Millôr Fernandes deixa o Brasil enlutado


Neste fatídico dia 27 de março faleceu o mestre Millôr Fernandes, aos 87 anos de idade, em sua casa. Uma pena! Um AVC no início de 2011 já havia sido o motivo de sua internação no CTI do Hospital São Vicente, no Rio de Janeiro. Na oportunidade ele também teve complicações renais e fora submetido a diálise.
Segundo o jornalista da Band Ricardo Boechat, que conversou com o filho de Millôr, Ivan Fernandes, o corpo do escritor será velado nesta quinta-feira, dia 29, a partir das 10h, no cemitério Memorial do Carmo, no Caju, zona portuária do Rio. Em seguida, às 15 h, o corpo será cremado.
A presença de Millôr Fernandes no meu imaginário está muito ligada às suas traduções que fez de Shakespeare e ao haikai. A ele se deve muito do desenvolvimento dessa forma poética no Brasil, sempre a partir das suas tiradas humorísticas nas revistas O Cruzeiro, primeiramente, e depois na Veja. Millôr deu um ar descontraído ao haikai, o aproximando do poema-piada, tratando sempre de questões unicamente humanas, em tom irônico ou satírico.
Em seu livro Hai kais, em breve introdução à obra, Millôr afirma ver o haikai como uma forma fundamentalmente popular e, inúmeras vezes, humorística. E assim compôs e publicou os seus sempre acompanhados por ilustração que acentua o sentido cômico dos seus versos.

Alguns haikais de Millôr Fernandes

Viva o Brasil
Onde o ano inteiro
É primeiro de abril

***

O velho pinho
Não dá mais pinha;
Só passarinho

***

Velho de dar dó.
Se for espanado
Volta ao pó.

***

Escritores:
Pensador é o que cita
Pensadores!

***

Esquece os preitos.
No banheiro só existem
Teus defeitos

segunda-feira, 26 de março de 2012

Embarque em Stockwell Station


Roger Waters, líder da lendária banda Pink Floyd, está no Brasil em turnê com um show dedicado a Jean Charles de Azevedo - imigrante brasileiro, confundido com um homem-bomba e morto no metrô de Londres com tiros à queima-roupa por forças da unidade armada da Scotland Yard, em 2005 - e sua família, segundo ele, “pela luta pela verdade e justiça e a todas as vítimas do terrorismo de Estado”. O baixista criticou a própria Inglaterra, seu país natal, que cometeu "um terrorismo de Estado" ao assassinar o brasileiro.
A retomada do tema me fez lembrar um poema do baiano Renato Prata, Embarque em Stockwell Station, publicado em seu segundo livro, “A quinta estação”, de 2007, em que o autor reflete sobre a questão, demonstrando estar em harmonia e sintonia com os dramas e dissimulações de seu tempo.

Embarque em Stockwell Station

Não desistirei de ganhar o pão
E corro para o trabalho
Aqui desterrado não serei um cidadão do mundo
Talvez me ignorem
Talvez estranhem o meu tipo
Lá um dia saberão o que tiver de ser
Terá meu visto expirado?
Sei o agora
O trabalho é meu destino
Desço para o metrô
Eis que o vagão me espera
Sento em algum lugar
É quando o destino se antecipa
Sou alvejado no ombro
Sete balas me coroam.

domingo, 25 de março de 2012

Obrigado Chico Anysio!!!


         Já que está todo mundo homenageando Chico Anysio, eu também vou entrar nessa, afinal, sou daqueles que cresceram assistindo-o. Só que, ao contrário da maioria das pessoas, o que mais me chama a atenção em sua obra são seus textos, muitos deles com forte carga emocional, como, por exemplo, Mundo Moderno, tido para muitos como clássico. Esse texto é simbólico, sobretudo por ter sido composto basicamente com substantivos, verbos e alguns adjetivos, primando assim pela ausência de preposições, artigos, pronomes. Ainda há esse toque charmoso, as palavras todas iniciadas com a letra “M”, fator que dificulta a criação, limitando sobremaneira o léxico, exigindo do autor toda a sua capacidade criativa. Eu não diria jamais se tratar de um poema, como se afirma por aí, mas de uma crônica singular.
Não deixem de acompanhar, após a leitura do texto, a récita feita por Chico Anysio no Programa do Jô. Uma beleza! Ele termina imitando Louis Armstrong em “What a Wonderful World”. Um show à parte. 
Obrigado Chico Anysio! Você sempre foi um show!!!

Mundo Moderno
Chico Anysio

Mundo moderno, marco malévolo, mesclando mentiras, modificando maneiras, mascarando maracutaias, majestoso manicômio. Meu monólogo mostra mentiras, mazelas, misérias, massacres, miscigenação, morticínio – maior maldade mundial.

Madrugada, matuto magro, macrocéfalo, mastiga média morna. Monta matungo malhado munindo machado, martelo, mochila murcha, margeia mata maior. Manhãzinha, move moinho, moendo macaxeira, mandioca. Meio-dia mata marreco, manjar melhorzinho. Meia-noite, mima mulherzinha mimosa, Maria morena, momento maravilha, motivação mútua, mas monocórdia mesmice. Muitos migram, macilentos, maltrapilhos. Morarão modestamente, malocas metropolitanas, mocambos miseráveis. Menos moral, menos mantimentos, mais menosprezo. Metade morre.

Mundo maligno, misturando mendigos maltratados, menores metralhados, militares mandões, meretrizes, maratonas, mocinhas, meras meninas, mariposas mortificando-se moralmente, modestas moças maculadas, mercenárias mulheres marcadas. Mundo medíocre. Milionários montam mansões magníficas: melhor mármore, mobília mirabolante, máxima megalomania, mordomo, Mercedes, motorista, mãos… Magnatas manobrando milhões, mas maioria morre minguando. Moradia meia-água, menos, marquise.

Mundo maluco, máquina mortífera. Mundo moderno, melhore. Melhore mais, melhore muito, melhore mesmo. Merecemos. Maldito mundo moderno, mundinho merda. 

quarta-feira, 21 de março de 2012

O retrato de um poeta oprimido pela rudeza do real


O jornalista e escritor José Castello, traçou há poucos dias, no Valor Econômico, um perfil de como vive atualmente o poeta Manoel de Barros, aos 95 anos, depois de perder, há quatro, o filho do meio, João, e que “agora vigia à cabeceira de seu filho mais velho, Pedro, que sofreu um AVC”. O retrato é o de um homem entristecido e esgotado, ou como diz Castello, “oprimido pela rudeza do real”.
Trata-se de uma das melhores e mais singelas matérias publicadas recentemente na imprensa brasileira, um misto de crônica e relato, perpassados por uma breve entrevista com esse poeta que a maioria de nós aprendeu a gostar e admirar.
Sugiro que o texto seja lido em momento de calma e paz interior, pois é tocante. Para acessar basta CLICAR AQUI.

terça-feira, 20 de março de 2012

Música não se faz com a bunda

Ando cansado de ouvir dizerem que a música contemporânea da Bahia é o lixo do lixo do lixo. Trata-se de uma meia verdade, pois aqui, como em qualquer outro rincão do país, do mundo, há, evidentemente, o que se aproveite e o que se descarte. Portanto, música de gosto duvidoso não é um fenômeno unicamente baiano. É provável até que na Bahia de hoje, como durante muito tempo, o que se produza de melhor em relação à cultura seja mesmo música, mas não aquela, feita apenas com e para a bunda, cujos intérpretes mais parecem adestradores de macacos (sai do chão, sai do chão).
Por isso pego uma ponga no texto de Henrique Wagner para lhes apresentar Luciano Calazans, músico, compositor e arranjador, um contrabaixista maravilhoso, “que vem honrando, na contramão da cultura baiana de hoje, ou seja, fazendo sua contracultura, muito pessoal, com um baixo e uma banda de metais”. Segundo Wagner, Luciano Calazans “já foi considerado por vários críticos um virtuose do contrabaixo e gravou um delicioso Cd instrumental de canções suas, chamado Contra baixo astral”.
Para se comprovar o que afirmamos, vejam e ouçam a música do vídeo, gravado num show no Teatro Eva Herz, em Salvador.


Ouça, clicando aqui, outras canções do Luciano em seu site, onde também se poderá adquirir seus Cd e conhecer um pouco melhor o artista.

O menino e o mar


Ontem estive com minha filha na praia. Por ser uma segunda-feira tudo estava muito tranquilo. Não havia muita gente, tampouco música alta, o que mais me irrita em ambientes públicos. O mar estava calmo, uma beleza. Flora corria para lá e para cá, se divertindo com a nossa cachorrinha, a Bruna. Eu e sua mãe no seu encalço. De repente Florinha segura em minha mão e ficamos juntos, de frente para o mar. Nesse momento me foi inevitável lembrar um dos mais belos poemas de Cyro de Mattos.

O menino e o mar
Cyro de Mattos

Era a primeira vez
Que tinha ido ver o mar.
Todo alegre, de calção,
Peito nu e pé no chão.

Quando viu tanta água
Fazendo barulho
Sem parar, disse:

– Pai, me dê sua mão.

Para saber mais sobre o poeta clique AQUI.

quinta-feira, 15 de março de 2012

Zico para Presidente da CBF


Pausa – mas nem tanto – da poesia pra falarmos de futebol

Com a saída de Ricardo Teixeira do comando da CBF, muita gente está de olho grande no cargo máximo da entidade que administra o esporte que é a maior paixão do povo brasileiro. Alguns deles, por exemplo, são: Marco Polo Del Nero (Presidente da Federação Paulista de Futebol) e Andrés Sanches (ex-presidente do Corinthians e atual coordenador de seleções da CBF). Até o João Havelange fala em voltar. Porém, para a infelicidade desses aí, um outro nome vem ganhando força entre a população, é o de Arthur Antunes Coimbra, ou simplesmente, Zico.
No bares, nas ruas, nas praças, nos estádios, só se fala em Zico na CBF. Imagino o Galinho sendo ovacionado por todos, repetindo a cena de Platini e Beckenbauer, ao ser anunciado no estádio, na abertura da Copa do Mundo, como presidente da confederação de futebol do seu país. Qualquer dirigente brasileiro morreria de dor de cotovelo. E isso é bem possível, sobretudo por ser um ídolo, mas também por ser – até que provem o contrário – um homem íntegro e de caráter indiscutível, conhecedor do futebol dentro e fora das quatro linhas.
Uma campanha poderosa foi lançada ontem à noite com o nome do craque para presidir a CBF. O movimento vem ganhando força e provocando uma reação em cadeia que já atinge proporções continentais. Zico até já estaria viajando do Iraque, onde é técnico da seleção daquele país, para o Brasil.
 Tudo começou após uma articulação inédita entre esportistas da Bahia, Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. As lideranças afirmam que o movimento é apartidário, embora muitos políticos já tenham revelado apoiar, como é o caso do Romário, por exemplo, se posicionando favoravelmente.
Em Quintino, a expectativa é grande e há vigília desde a madrugada na porta da casa onde Zico nasceu. Zeca Pagodinho, Ronaldo (o gordo), Ronaldinho, Kaká e Martinho da Vila também já manifestaram apoio. Mesmo Sócrates, pouco antes de falecer, já havia proposto que Zico fosse o presidente da CBF. Na porta do seu prédio, no Rio de Janeiro, uma pequena multidão de jornalistas e curiosos já se aglomeram em busca de mais informações.
O movimento agora se espalha como um vírus pelas redes sociais e os analistas já consideram inevitável a presença de Zico na presidência da CBF. Até a presidente Dilma Roussef deve fazer um pronunciamento sobre o fato em algumas horas...
Abaixo, o manifesto que foi construído colaborativamente no facebook por amantes de futebol:

“Queremos Zico de novo, nos braços do povo. Não queremos nenhum peso morto. Queremos a CBF mais autônoma e menos panaca, mais audaciosa e menos medrosa. Queremos, principalmente, uma CBF parceira dos nossos clubes e mais democrática. Queremos de volta o futebol perdido e as torcidas nos estádios. Abaixo à ditadura no futebol! Queremos Zico na CBF!”

Isso tudo me lembrou um poema que fiz pro Zico há algum tempo, quando da passagem do seu 56º aniversário:

Pois é, Zico

De pé em pé corre a pelota
com seu destino mal traçado,
até que encontra no caminho
quem vai tratar-lhe com cuidado;

toda a platéia se levanta
e o galinho se agiganta

e segue em frente, passo forte,
dribla um zagueiro, depois outro,
no pobre arqueiro dá um corte,

balança a rede sem afã:
festejos no maracanã!

O Presente


Alberto da Cunha Melo

O que hoje recebes
e não podes pegar, guardar
em panos e papéis laminados,
é imperecível,
presente onipresente.
Estás com ele na chuva
e não temes que se desfaça.
Estás com ele na multidão
e não o escondes dos mutilados.
O que não existe para os homens
deles estará protegido,
o que os homens não vêem
não poderão espedaçar.
Eis o que não te denuncia
porque não tem face
nem volume para ser jogado no mar.
Eis o que é jovem a cada lembrança
porque não tem data
e série, para envelhecer.
O que hoje recebes
não pode ser devolvido.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Louvação a Castro Alves


Hoje, 14 de março, é o dia nacional da poesia, instituído em memória e celebração do nascimento de Castro Alves no ano de 1847, na Fazenda Cabaceiras, próximo a Nossa Senhora de Conceição de Curralinho, localidade que atualmente leva seu nome, aqui na Bahia.

Castro Alves queria ser um grande poeta, sobretudo um poeta político, que contribuísse para mudar o estado de opressão em que viviam os escravos, pois via a poesia como um meio, não como um fim em si. Segundo Alberto da Costa e Silva, no perfil que fez para a Companhia das Letras sobre o poeta maior do Brasil, “foi disso que nos quis avisar, ao pôr como epígrafe de A Cachoeira de Paulo Afonso dois parágrafos de Heine”. O primeiro diz tudo: “Não sei se mereço que algum dia se deponha uma coroa de louros sobre o meu túmulo. A poesia, apesar de todo o meu amor por ela, não foi para mim senão um meio, consagrado a uma finalidade santa”. No segundo confessando que tudo o que desejou foi ser “um bravo soldado na guerra para a libertação da humanidade”.
Em que pesem tais considerações, devemos observar que mesmo tendo pronto o livro “Os Escravos”, Castro Alves empenhou todos os esforços para publicar primeiramente “Espumas Flutuantes”, obra que não deixa dúvidas sobre o domínio estético e a versatilidade que possuía. Mas foi como o Poeta dos Escravos que Castro Alves perpetuou-se na literatura.
Faleceu em 6 de julho de 1871, aos 24 anos, tendo deixado em tão pouco tempo de vida uma obra monumental, capaz de colocá-lo no panteão da poesia universal graças, sobretudo, ao se olhar para o povo oprimido e versos como os de Bandido Negro, considerados como de incitação ao crime, por louvar os grupos de africanos que, armas em punho, atacavam as fazendas e deviam, sem dúvida alguma, enfurecer os escravocratas.

Bandido Negro (excertos)
Castro Alves

Trema a terra de susto aterrada...
Minha égua veloz, desgrenhada,
negra, escura nas lapas voou.
Trema o céu... ó ruína! ó desgraça!
Porque o negro bandido é quem passa,
porque o negro bandido bradou:

Cai orvalho de sangue do escravo,
cai, orvalho, na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha,
cresce, cresce, vingança feroz.
(...)
E o senhor que na festa descanta
pare o braço que a taça alevanta,
coroada de flores azuis.
E murmure, julgando-se em sonhos:
"Que demônios são estes medonhos,
que lá passam famintos e nus"?
(...)
Somos nós, meu senhor, mas não tremas,
nós quebramos as nossas algemas
para pedir-te as esposas e mães.
Este é o filho do ancião que mataste.
Este - irmão da mulher que manchaste...
Oh! não tremas, senhor, são teus cães.
(...)
São teus cães, que tem frios e tem fome,
que há dez séculos a sede consome...
Quero um vasto banquete feroz...
Venha o manto que os ombros nos cubra.
Para vós fez-se a púrpura rubra.
Fez-se o manto de sangue para nós.
(...)
Meus leões africanos, alerta!
Vela a noite... a campina é deserta.
Quando a lua esconder seu clarão
seja o bramo da vida arrancado
no banquete da morte lançado
junto ao corvo, seu lúgubre irmão.
(...)
Trema o vale, o rochedo escarpado,
trema o céu de trovoes carregado,
ao passar da rajada de heróis,
que nas éguas fatais desgrenhadas
vão brandindo essas brancas espadas,
que se amolam nas campas de avós.

Cai orvalho de sangue do escravo,
cai, orvalho, na face do algoz.
Cresce, cresce, seara vermelha,
cresce, cresce, vingança feroz.