terça-feira, 23 de agosto de 2011

Um soneto de Ferreira Gullar

Reli o belo soneto, publicado abaixo, pela milionésima oportunidade, e dessa vez no vôo sem pouso, blog do meu amigo João Filho. Trata-se do poema nº 5 da série Sete poemas portugueses, inseridos em A luta corporal, segundo livro de Ferreira Gullar.

5.
Prometi-me possuí-la muito embora
ela me redimisse ou me cegasse.
Busquei-a na catástrofe da aurora,
e na fonte e no muro onde sua face,

entre a alucinação e a paz sonora
da água e do musgo, solitária nasce.
Mas sempre que me acerco vai-se embora
como se me temesse ou me odiasse.

Assim persigo-a, lúcido e demente.
Se por detrás da tarde transparente
seus pés vislumbro, logo nos desvãos

das nuvens fogem, luminosos e ágeis!
Vocabulário e corpo — deuses frágeis —
eu colho a ausência que me queima as mãos.

Um comentário:

Poeta Silvério Duque disse...

Gustavo,

Eis uma outra virtude de Ferreira Gullar: Capaz de criar sonetos perfeitos com recursos sofisticados cultos, de rimas de todo matiz, criando uma linguagem e um ritmo falante com a respiração de um verso livre... prosaico, mas sempre belíssimo.

Silvério Duque