terça-feira, 30 de novembro de 2010

Pitada de Pitacos do Carlos Verçosa I I


Pitada de pitacos
para a receita de Gustavo Felicissimo:“Dendê no haikai – Aspectos do Haikai na Bahia”,
tese em andamento aumentativo
[Tomo II]
Carlos Verçosa


Sempre é o espírito que acerta,
o espírito que mata. Pontaria
é um talento todo na ideia."
GUIMARÃES ROSA (1908-1967)
[in Grande Sertão: Veredas]

“As fontes da poesia são:
espontaneidade, intuição
e aperfeiçoamento espiritual.
Elas se alcançam pela visão direta
e não na projeção do ego
num bom hokku.”
MATSUO BASHÔ (1644-1694)


Uns e Outros

Naturalmente, na Bahia, os primeiros nomes importantes a serem lembrados para a viagem que você fará nesta quase centenária estrada do haikai são os de Oldegar Vieira (1915-2006) e Abel Pereira (1908-2006­), além do pioneiríssimo Afrânio Peixoto (1876-1947).
Aqueles pelo elevado grau alcançado em sua arte haikai, e, este, pelas entradas e bandeiras do haikai no Brasil e nas Américas, demonstrando sua visão aguçada e avançada para o seu tempo.
    Mas claro que vale documentar, também, a existência de todos os demais autores que se dedicaram ou que se dedicam ao haikai por aqui, ainda que esporadicamente.
     Trata-se, naturalmente, de uma lista incompleta, pois muitos são os apontamentos e registros existentes, tanto de haikaistas confessos como daqueles que o praticam sem sabê-lo ou que se aproximam do espírito haikai.
     Daí, que irei citar, inicialmente, os primeiros nomes que me ocorrem, prometendo enviar-lhe novas dicas sempre que as tiver da baianada.

     Por isso incluo, nesta lista, alguns exemplos dos haikais (e de ‘quase haikais’) selecionados, entre uns e outros:
     *  uns bons haikais, outros, tentativa de haikai;
     *  uns usando título, outros como deve ser o haikai, sem título;
     *  uns com o uso de rimas e até com o uso de rimas internas e externas, outros com versos livres;
     *  uns ainda com métrica rigorosa e absoluta, outros com versos sem compromisso de régua e compasso;
     *  uns com kigô, outros sem kigô;
     *  uns concretos, outros abstratos;
     *  uns com três versos, outros com dois, quatro e até um uma linha;
     *  uns em maiúsculas, outros em minúsculas;
     *  uns alinhados à esquerda, outros centralizados ou à direita;
     *  uns formais na fôrma rigorosa dos três versos, outros na forma livre de espacialização poética;
     *  uns riso, outros lágrima;
     *  uns haikai, outros haicai.

Uns assim, outros assado. Não importa. O importante não é apenas a seta no centro do alvo. Às vezes o tiro irregular do arqueiro é mais importante por preservar a mosca.
[Na arte cavalheiresca do arqueiro das palavras precisas e certeiras que vêm das minas gerais – e das veredas: grande sertão – a lição de boa pontaria se justificava porque ali as flechas de chumbo eram atiradas com o espírito.] 
Vale o repeteco da sabedoria da epígrafe:

Sempre é o espírito que acerta, o espírito que mata. Pontaria é um talento todo na ideia."

Outra flecha nonada do nosso maior escritor:

"O silêncio, é a gente mesmo muito."


O nome da rosa dessa boa pontaria é teoria que só se consegue na prática, na muita prática. Assim, também com o haikai.
    [Aliás, acho que vale a pena lembrar: Guimarães Rosa foi também haikaista. E dos bons. Só não entrou na primeira edição de “Oku – Viajando com Bashô” porque não obtive autorização para tal.]
Explico. À época, 1995, tentei descolar uma cópia do primeiro livro de Rosa, “Magma” (premiado no concurso da Academia Brasileira de Letras em 1936).
    Existiam, confirmados, apenas três exemplares datilografados pelo autor – um deles em mãos do escritor e bibliófilo carioca Plinio Doyle (1906-2000).

     [Era aquele que promovia os famosos Sabadoyles, reunindo escritores na sua casa todo sábado – entre doces e salgados – para molhar as palavras e jogar conversa fora junto às boas vibrações dos quase 30 mil livros, fascículos e raridades da sua biblioteca.]
     Plinio Doyle me confirmou, para minha alegria, que havia, realmente, uma seção específica de haikais no primeiro livro de Rosa – “Magma” – que, apesar de premiado pela ABL em 1936, sua existência e ineditismo – lendário e mal justificado – eram um mistério até então.
     Porém – há sempre um porém – Doyle alegou que, por decisão dos familiares de Guimarães Rosa, enquanto persistisse uma pendenga judicial entre a eles e a editora (que pretendia incluir “Magma” na obra roseana completa), nada do seu conteúdo poderia ser revelado.

Plínio Doyle me leu, por telefone, alguns desses haikais (claramente assim identificados pelo autor e todos eles com título), sob a condição de que eu deveria respeitar a vontade dos Rosa e o seu pedido.
    Curiosidade saciada, pesquisa que deu frutos, dica confirmada, mas, como deixar Rosa fora do livro?
Cheguei mesmo a pensar em publicar haikais que eu havia ‘pescado’ na sua obra (ele passou efetivamente a inseri-los no contexto da sua prosa poética já no estouro da boiada das palavras de “Sagarana”), mas desisti.
    Resultado: “Oku” saiu sem a necessária presença de Guimarães Rosa entre os escritores brasileiros identificados como haikaistas e, um ano depois (1997), pendenga judicial acordada, eis “Magma”, finalmente nas livrarias de todo o país.
     O livro da poesia de estreia de Guimarães Rosa (publicado tardiamente, 41 anos depois, em 1967) trazia todos os haikais que eu tinha escutado de Plinio Doyle pelo telefone e alguns mais.
Fiquei de bem com ele, que gostou e escreveu palavras carinhosas sobre meu livro, mas de mal com os leitores de “Oku” pela omissão dessa informação importante. E, principalmente, de mal comigo mesmo pela vacilada de não ter incluído pelo menos os haikais roseanos identificados e dispersos nos seus demais livros.
     [“Magma” foi, portanto, nas minhas contas, o terceiro livro de haikais escrito no Brasil, considerando a obra antecipatória de Afrânio Peixoto, in “O ‘haikái’ japonês ou epigrama lírico – Ensaio de naturalização” (revista Exselsior, jan. 1928), reproduzida no livro “Missangas” (1931) e a publicação do livro “Haikais” (1933), do escritor paulista Waldomiro Siqueira Jr.]
     Olha aí alguns haikais retirados das páginas magmas deste haikaista brasileiro pioneiro, que foi o grande Guimarães Rosa:


Turismo sentimental

Viajei toda a Ásia
ao alisar o dorso
da minha gata angorá...


Imensidão

Cheiro salgado
de um cavalo suado.
Quem galopa no mar?…


Romance - I

No cinzeiro cheio
de cigarros fumados,
os restos de uma carta…


Turbulência

O vento experimenta
o que irá fazer
com sua liberdade…

    
Mundo pequeno

O albatroz prepara
breve passeio
de Pólo a Pólo…

Como quem procura acha, basta mergulhar de cabeça na obra roseana, pois que há muitas sacadas, aqui e ali, onde haikais nacarados estão incrustados na concha dos textos, esperando só serem sacados para brilharem. Exemplos:
 

é num minuto de segundo
que a paineira branca
se enfolha

*
    
um vaga-lume
lanterneiro que riscou
um psiu de luz

*

Deitado no chão, fofo de tantas chuvas
Acompanho as pontas de cipó que oscilam,
O respirar das folhas…

*
    
entre as folhas
de um livro-de-reza
um amor perfeito cai

Isso aí. Como ensina esta rosa do Rosa:

“Atirei. Atiravam. Isso não é isto?
Nonada. A aragem.”

Resumindo. O poeta traça o (caminho) do haikai pelas sendas que fazem o cotidiano e busca a poesia na esperança de que seja simples, sensível, iluminada.
Mas, errante navegante, o poeta erra. Erra mais e mais, muito mais, do que acerta. Há sempre uma pedra no meio do caminho do poeta.
Por isso, desconfiado das palavras que escreve – que não conseguem transportar fielmente nem a natureza e nem própria sensibilidade entre as pedras de sua trilha – ao poeta resta apenas continuar praticando, continuar aprendendo. Experimentando sempre.
Vale a tentativa. A procura da jóia do trigo em meio ao joio.
Algumas vezes, poucas vezes, brota um bom haikai no terreno árido dessa longa estrada.
Mas o poeta não se apega a ele: sai logo em busca de outro. De uns e outros. 

//////  C’EST FINI LE TOME II  //////


segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Sugestão de leitura

Convido a todos para acessarem o blog dedicado à 2ª edição de Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna, obra que lançaremos no próximo dia 11 de dezembro, na Academia de Letras de Ilhéus. Na oportunidade teremos a presença de Jorge de Souza Araujo (prefaciador da obra) e Aleilton Fonseca (membro da Academia de Letras da Bahia).


Conheçam, divulguem!

Convite para o lançamento da Tradução de "Mahâbhârata", nova obra de Edson Cruz


clique na imagem para vê-la maior
Mahâbhârata, épico da literatura indiana, originalmente escrito em sânscrito, é uma obra imensa, que foi condensada pelo poeta Edson Cruz, como mais um título da Coleção Clássicos do Mundo, da Editora Paulinas. Livro reverenciado pelos indianos, nele estão os fundamentos filosóficos do hinduísmo. Texto precioso que trata de sentimentos e verdades universais e aponta, por meio de suas metáforas, o caminho para se viver uma vida iluminada.

Na versão de Cruz, Ganesha, o senhor dos obstáculos, é quem toma a pena e ‘molha as palavras’ para narrar o conflito entre Pândavas e Káuravas, cerne do enredo de Mahâbhârata (que significa a grande história dos Bhârata), em que duas famílias, se enfrentam em uma guerra cruel pela disputa do reino da Índia. O momento culminante da narrativa acontece quando o príncipe Arjuna, em um momento de hesitação e de tocante reflexão, confidencia ao avatar Krishna o desejo de abandonar o campo de batalha para evitar mortes de amigos e familiares. Krishna, que há muito tempo previra a queda dos Káuravas, convence Arjuna de que aquela guerra fazia parte do ‘destino’ do reino e não poderia ser evitada: “Não se pode escapar de praticar um ato que deva ser praticado e essa ação, com certeza, deixará sua marca latente.”

Intrigas, enganos, política, romances tudo se condensa em Mahâbhârata: os grandes descendentes de Bhârata, um livro em que reis, deuses, homens de boa e de má fé se encontram no palco da guerra que não apenas reivindica o poder, mas da guerra que lança luz à consciência daqueles que ainda se encontram na sombra.

Anasor, estudiosa e admiradora do livro sagrado indiano, por meio de suas ricas imagens rompendo em cores, apresenta uma leitura lúdica da narrativa, onde o palco da guerra é o picadeiro do circo, uma maneira sábia de observar as peripécias e aprendizados da vida.

Informações do autor e da ilustradora:

Edson Cruz, nascido em Ilhéus (BA), é poeta, editor e revisor. Desgraduou-se em muitas coisas e, atualmente, faz o curso de Letras na USP. Foi fundador e editor do site de literatura Cronópios e da revista literária Mnemozine. Lançou, em 2007, Sortilégio (poesias) e, como organizador, O que é poesia?. Participou de inúmeras antologias (entre elas Diálogos - Panorama da Nova Poesia Grapiúna) e escreve com frequência no blog http://sambaquis.blogspot.com

Anasor ed Searom é o pseudônimo de Rosana de Moraes, artista plástica paulistana, autodidata, que teve sua formação em museus e ateliês, em São Paulo. Suas obras estão presentes em coleções públicas e particulares de diversos países; suas pinturas ilustraram publicações de arte e poesia.

domingo, 28 de novembro de 2010

Aforismos sobre o amor - Hilton Valeriano


Nunca amamos o suficiente quando amamos o que desejamos.

*

No amor elevamos e rebaixamos o que desejamos.

*

Nunca amamos o suficiente para não precisarmos odiar.

*

Também destruímos ao amar.

*

No amor pagamos tributo de nossos defeitos assim como de nossos melhores intentos.

Conheça o blog do Hilton Valeriano:

sábado, 27 de novembro de 2010

Provérbios do inferno - William Blake


William Blake por Thomas Phillips Cropped

A Prudência é uma velha solteirona, rica e feia, cortejada pela incapacidade.

*

O tolo não vê a mesma árvore que o sábio

*

As horas da tolice são medidas por ponteiros, mas as da sabedoria, não há relógio que as meça.

*

Um morto não revida injúrias.

*

A cisterna contém, a fonte transborda.

*

Nunca a águia perdeu tanto tempo, como quando quis aprender com o corvo.

*

Escuta a crítica dos imbecis. É um nobre elogio.

*

Seríamos tolos, se outros já não fossem.

Extraído de:
O casamento do céu e do inferno & outros escritos (L&PM)