quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Vozes femininas da poesia na América do Sul - Gabriela Mistral

Quando pensamos em poetas chilenos o primeiro nome que nos vem à mente é o de Pablo Neruda, pois sua popularidade, favorecida em partes pela propaganda comunista, colocou sob cortinas o de Gabriela Mistral, a responsável pelo primeiro Nobel de Literatura da América Latina, em 1945.
Seu nome verdadeiro era Lucila Godoy Alcayaga. Adotou o nome de Gabriela em homenagem ao poeta italiano Gabriele D’Annunzio e, Mistral, como forma de expressar sua admiração pelo poeta provençal Frederic Mistral.
Em 1907, um fato trágico marcaria sua vida e obra para sempre. Seu noivo se suicidou e Gabriela nunca se casou, findando por dedicar sua vida ao trabalho, educação e causas femininas. Entre outras funções, foi Consulesa do Chile em diversos países, inclusive no Brasil durante o ano de 1940, sendo mais tarde designada como Consulesa geral em nosso país.
Em 1914, venceu seu primeiro concurso literário no Chile com os famosos “Sonetos de la Muerte”. Em 1922 publica seu primeiro livro de poemas, “Desolación”; este contém o poema “Dolor”, no qual fala da perda do amado. Após, seguem-se outros, entre eles destacamos “Ternura”, de 1924, “Tala”, de 1938 e “Lagar”, de 1954. Recentemente o coletivo teatral chileno El Signo montou a peça teatral Las Huellas de Gabriela (As pegadas de Gabriela), montagem baseada em sua vida e obra.

Chama-nos atenção em sua obra a construção de imagens singulares, expressas com intensidade inconfundível, onde se amalgamam sentimentos antagônicos que se equilibram muito bem: a ardência e a quietude, o amor e a solidão, a vida e a morte.

Sonetos da morte

Do nicho gelado em que os homens te puseram,
abaixarei-te à terra humilde e ensolarada.
Que hei de dormir-me nela os homens não souberam,
que havemos de sonhar sobre o mesmo travesseiro.

Deitarei-te na terra ensolarada com uma
doçura de mãe para o filho dormido,
e a terra há de fazer-se suave como berço
ao receber teu corpo de criança dolorido.

Logo irei polvilhando terra e pó de rosas,
e na azulada e leve poeira da lua,
os despojos levianos irão ficando presos.

Afastarei-me cantando minhas vinganças formosas,
porque a essa profundidade oculta a mão de nenhum
abaixará a disputar-me teu punhado de ossos!

II

Este longo cansaço se fará maior um dia,
e a alma dirá ao corpo que não quer seguir
arrastando sua massa pela rosada via,
por onde vão os homens, contentes de viver...

Sentirás que a teu lado cavam briosamente,
que outra dormida chega a quieta cidade.
Esperarei que me hajam coberto totalmente...
E depois falaremos por uma eternidade!

Só então saberás o porque não madura
para as profundas ossadas tua carne ainda.
Tiveste que abaixar, sem fadiga, a dormir.

Fará-se luz na zona das sinas, escura:
saberão que em nossa aliança, signo de astros havia
e, quebrado o pacto enorme, tinhas que morrer...

III

Más mãos tomaram tua vida desde o dia
em que, a um sinal de astros, deixara seu viveiro
nevado de açucenas. Em gozo florescia.
Más mãos entraram tragicamente nele...

E eu disse ao Senhor: - "Pelas sendas mortais
levam-lhe. Sombra amada que não sabem guiar!
Arrancá-lo, Senhor, a essas mãos fatais
ou lhe afundas no longo sonho que sabes dar!

Não lhe posso gritar, não lhe posso seguir!
Sua barca empurra, um negro vento de tempestade.
Retorná-lo a meus braços ou lhe ceifas em flor ".

Deteve-se a barca rosa de seu viver...
Que não sei do amor, que não tive piedade?
Tu, que vais a julgar-me, o compreendes, Senhor!

Para saber mais:
http://www.gabrielamistral.uchile.cl/