quinta-feira, 29 de abril de 2010

Língua e Linguagem, por Ildásio Tavares

Trechos de um texto ainda inédito

O grande criador esmera-se por sua obra. O criador pequeno esmera-se pela sua pessoa; pela sua vaidade; pelo seu reconhecimento.
Com exceções. Sabedores da sua fragilidade, os criadores pequenos se juntam, em clubes, associações, academias, sociedades, ao lado até de grandes criadores. Conquistam o poder artístico e passam a exercer a tirania seletiva do compadrio e do tráfico de referência, da corriola do elogio mútuo, discriminando quem não os bajula, mesmo que tenham mais talento do que eles; discriminando mais esses aí que lhes são perigosos e os podem desmascarar. Sua obra é breve e de pouco fôlego.

A literatura se perfaz de textos, não de comendas, prêmios, honrarias. Ao redor de todos grandes criadores sempre houve uma caterva de medíocres sugando seu axé, adjetivos aparecendo à custa do substantivo de outrem. Querem enfatizar o subjetivo da arte até um conceito para ocultar a fragilidade de seus textos; valorizar a fachada.

Alberto da Cunha Melo, sempre

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terça-feira, 27 de abril de 2010

O mariliense grapiúna: a poesia viva de Felicíssimo

Entrevista concedida ao jornalista e escritor Ramon Barbosa Franco e publicada neste último domingo, 25, no Caderno 2 do Jornal da Manhã, de Marília, minha cidade natal.

Seu nome é Gustavo. Seu sobrenome Felicíssimo. Ele nasceu na rua Rio Claro, no bairro Cascata. Estudou no antigo colégio Tomás Antônio Gonzaga. Tomás Antônio Gonzaga não foi poeta? Não é o autor da época de Tiradentes, e assim como tal, inconfidente? Não escreveu ‘Marília de Dirceu’? Sim, Tomás era poeta e autor do poema que deu nome ao município de Marília, cidade natal de Gustavo Felicíssimo. Hoje ele anda feliz em outras terras, nas mesmas terras de cacau, de suor e da prosa de Jorge Amado: nas terras grapiúnas da Bahia, terras de todas as letras, poesia e romance.
Sua paixão pela leitura, pelos livros e pela poesia o levou a ser uma referência, uma mão-de-obra altamente qualificada para o mercado editorial e assim ele segue, trabalhando, estudando e escrevendo entre Ilhéus e Itabuna, percorrendo os locais que vivem nas obras de Amado, imortalizado pelas letras, pelo cinema e pela televisão.
“Admiro a riqueza cultural dessa terra e à ela estou totalmente amalgamado. A Bahia legou ao Brasil grandes prosadores como Herberto Sales e Osório Alves de Castro, mas foi Jorge Amado aquele que alcançou maior sucesso. Amado alterou o discurso romanesco com ‘O País do Carnaval’, fundando a escola neo-realista no Brasil, atendendo, segundo o ensaísta Jorge Araújo, os novos motivos geracionais de se encarar a realidade brasileira, conflagrada por instâncias históricas, políticas, sociais. Com isso Amado fez nascer a literatura do Cacau, e com ele afloraram nomes como os de Adonias Filho e Jorge Medauar, outros dois monstros sagrados da literatura brasileira”, comentou Felicíssimo em entrevista que nasceu a partir de um homem cuja trajetória ligou Bahia e Marília: Osório Alves de Castro (1901-1978). Osório fez a migração Bahia-Marília, Gustavo Felicíssimo percorreu o inverso Marília-Bahia.
Ao deixar Marília, o poeta não deixou sua alma literária. Além de ser batizada por um poema, a cidade é um dos berços da imigração japonesa no país e um dos redutos do haikai. Não é à toda que bem no jardim da Prefeitura Municipal, além da estátua do dito benemérito Bento de Abreu, há um momento em homenagem aos imigrantes japoneses com o poema haikai de Tenson, um poeta imigrante de talento reconhecido no Japão. O poeta mariliense grapiúna vem ampliando a interpretação brasileira sobre o haikai, tudo graças aos seus estudos e textos sobre este micropoema japonês. Ainda neste ano Felicíssimo publicará ‘Dendê no Haikai’, ensaio sobre a evolução do haikai na Bahia. Outros projetos literários consistem na realização da Festa Literária de Ilhéus e o resgate da obra completa do alfaiate e romancista Osório. O projeto, encampado pela editora Via Litterarum, pretende publicar além das três obras do baiano que entre as décadas de 40 e 60 viveu em Marília (‘Porto Calendário’, ‘Maria Fecha Porta Prau Boi Não te Pegar’ e ‘Bahiano Tietê’), outras duas inéditas (‘Nhonhô Pedreira’ e ‘A cidade do velho’). Os manuscritos estão com a família e deverão ser cedidos para a editora.

Entrevista

1) Gustavo Felicíssimo, você é nascido em Marília e vive na Bahia. Conte um pouco da sua trajetória de vida na cidade e quando você passou a se interessar pela literatura?
GF
– Nasci na Rua Rio Claro, no bairro Cascata, onde passei toda a infância e adolescência. Estudei no Tomaz Antônio Gonzaga e fui interno do Educandário Bento de Abreu. Ali passei anos maravilhosos, dali trouxe para a vida princípios que são a base de todo ser humano e os utilizei quando me encontrava em risco social. Minha infância foi das mais ricas: empinava pipa, rodava pião, jogava bilboquê, tomava banho na represa da Fazenda Cascata, espantava bois e vivia como doido atrás de uma bola. Esse período sobrevive impresso na minha memória, por consequência, na minha poesia.
Meu interesse pela leitura vem dessa época, quando li obras como O menino do dedo verde, O sítio do pica-pau amarelo, O escaravelho do diabo. Entretanto, nada de poesia. Foi na Bahia que a descobri. Aqui minhas leituras foram ficando mais sofisticadas e mesmo sem nunca ter lido um único livro de poesia começava a rabiscar alguns versos, garatujas, como só assim poderiam ser naquele momento. Foi quando uma namorada presenteou-me um caderninho amarelo, de capa dura, que tenho até hoje guardado, sugerindo que ali anotasse meus escritos, pois desse modo, afirmava com razão, poderíamos perceber se haveria alguma evolução ao longo do tempo. Foi o que fiz. Depois daquele caderninho vieram outros, uns dez, todos conservados até hoje. No primeiro deles, nostalgicamente, leio os seguintes versos, inocentes versos, mas que dão conta exata da dimensão que a poesia assumiria em minha existência: “Pedaços da minha vida/ Parte do meu caminho/ Meu mundo/ Páginas onde sofro/ Páginas onde sonho.”

2) A produção literária brasileira contemporânea sofre com a pressão dos meios digitais e das novas mídias. Qual é o reflexo disso na concepção de projetos editoriais?
GF
– Não percebo as coisas dessa forma. Antes ela interage. Com a tecnologia, inúmeras editoras estão se especializando em livros com pequenas tiragens, e isso é muito bom para o autor. Veja o boom dos blogues, é estimulante, pois neles há muita coisa boa. Pipocam publicações digitais de obras que fazem parte do domínio público e que podemos baixar pela internet sem pagarmos um só centavo. Mesmo com isso, edições de obras como Espumas Flutuantes ou Dom Casmurro continuam sendo vendidas e cada vez mais lidas.
Quanto aos projetos editoriais, sem uma editora que encampe um projeto, o que nos resta é a busca pelo financiamento público ou privado. E olha, nunca houve tanto dinheiro para o financiamento do fazer literário e para publicação do livro no país. O que falta são pessoas melhor preparadas para irem buscar esses recursos.

3) Para quem admira a literatura brasileira Ilhéus e toda a produção grapiúna são associadas ao escritor Jorge Amado. Como é atualmente absorvida em Ilhéus a obra de Amado? E quais outros expoentes da prosa baiana representam Ilhéus na literatura brasileira?
GF
– Moro aqui na Bahia desde 1993. Primeiramente em Salvador, e a partir de 2007 entre Ilhéus e Itabuna. Admiro a riqueza cultural dessa terra e à ela estou totalmente amalgamado. A Bahia legou ao Brasil grandes prosadores como Herberto Sales e Osório Alves de Castro, mas foi Jorge Amado aquele que alcançou maior sucesso. Amado alterou o discurso romanesco com “O País do Carnaval”, fundando a escola neo-realista no Brasil, atendendo, segundo o ensaísta Jorge Araújo, os novos motivos geracionais de se encarar a realidade brasileira, conflagrada por instâncias históricas, políticas, sociais. Com isso Amado fez nascer a literatura do Cacau, e com ele afloraram nomes como os de Adonias Filho e Jorge Medauar, outros dois monstros sagrados da literatura brasileira.
Costumo dizer que na literatura baiana, tanto na prosa como na poesia, o Século XX foi dos autores grapiúnas.

4) A atividade cultural brasileira carece de profissionalismo? Fale um pouco dos projetos culturais que você desenvolve na Bahia...
GF
– Carece sim, e está mais evidente pelo interior do Brasil. O Ministério da Cultura está fazendo um esforço para diminuir esse problema, mas a dificuldade ainda é grande. Entretanto, a pessoa que pretende viver daquilo que produz, em qualquer segmento, precisa ser profissional e empreendedor. Isso não difere no âmbito da cultura.
Quanto aos projetos culturais que desenvolvo aqui na Bahia, o que posso te dizer é que já fiz algumas coisas e continuo trabalhando. Fundei em Salvador e fui editor do tablóide literário SOPA. Promovi um encontro literário semanal, Soltando o Verbo, onde escritores palestraram sobre suas obras e questões fundamentais ligadas ao fazer literário. Também fui o editor da revista Poesia & Afins. Após essa fase comecei a escrever para sites e publicações especializadas em literatura. Recentemente promovi em Ilhéus o Rock & Poesia onde, durante quatro semanas consecutivas, um poeta se apresentou acompanhado por uma banda. Foi tão bom e inusitado que vamos reeditar por mais oito semanas entre os meses de Julho e Agosto.
Estudo a poesia feita por autores baianos no Século XX e o haikai na Bahia. Tenho o apoio da editora da nossa universidade e de uma editora privada aqui da região, a Via Litterarum, que costumam se envolver nos projetos que desenvolvo. Desse modo ajudei na recuperação e publicação da obra de diversos poetas que precisavam ser revistos e fiz publicar Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna. Atualmente sou um dos diretores da Fundação Cultural de Ilhéus.

5) Comente o seu processo criativo, por que você optou pela poesia e não pela prosa?
GF
– Não creio que uma pessoa opte por ser poeta. Nasce-se poeta. Além de estudar a obra de grandes teóricos, ainda fiz oficinas de versificação e estética com alguns mestres. Isso facilitou meu entendimento e prática. Hoje me dedico tanto à poesia dita universal, quando à Literatura de Cordel, pela qual sou totalmente apaixonado. Parece algo fora de lugar, mas em 2009, além de vencer o Prêmio Bahia de Todas as Letras na categoria Poesia, também venci na de Cordel. Minha prosa é o ensaio e o botequim.

6) Como você avalia o comportamento do poeta contemporâneo? Te incomoda o excesso de expressões de outros idiomas em versos de brasileiros?
GF
– Essa tal de pós-modernidade é uma coisa com a qual devemos ter cuidado. Na literatura, seus indícios mais violentos são as reverberações do modernismo, um movimento, a meu ver, fundamentalista. Os néscios falam da contribuição do modernismo, apontam o sentido de brasilidade, o verso livre e a linguagem coloquial. Eis uma grande falácia, um golpe apoiado pelas universidades, também repleta de néscios em suas cadeiras. Em verdade, essas mudanças já vinham sendo percebidas na literatura brasileira, na obra, por exemplo, de Manuel Bandeira, bem antes de 22. Aqui na Bahia desde a primeira década do século passado os poetas da revista Nova Cruzada já utilizavam tais elementos em seus poemas. Mas os modernistas, me parece, desconheciam esse fato. Esse processo veio da França, via Baudelaire, Rimbaud e Verlaine, já havia acontecido nos Estados Unidos a partir da obra de Walt Whitman, e em Portugal com Fernando Pessoa. Como disse, tais elementos já vinham sendo incorporados pelos poetas brasileiros. Grassar o todo seria uma questão de tempo, mas teria que ser feito com responsabilidade e de maneira gradual. 22 prestou um desserviço à poesia brasileira que, à partir da “liberdade”, muitas vezes caiu no vulgarismo e na permissividade.

7) Você é um amante da literatura de cordel. Em São Paulo, pelo menos na região de Marília, quase não há cordelistas. Onde está o foco principal da produção de cordel no país, no Nordeste? Fale um pouco sobre esta modalidade textual.
GF
– O Cordel é oriundo da península ibérica, chegou ao Brasil via Portugal, juntamente com a colonização. No Brasil se desenvolveu mais claramente aqui no nordeste, mas há focos por todo país.
O nome “cordel” está ligado à forma de comercialização dos folhetos, originalmente pendurados em cordões. Inicialmente, eles também continham peças de teatro, como as de Gil Vicente, por exemplo. Hoje, inúmeros dramaturgos nordestinos escrevem nesse formato. Os temas incluem desde fatos do cotidiano, causos, lendas, religião, entre outros. A vida e as lendas sobre Lampião é o tema mais recorrente. Em verdade, todo e qualquer assunto pode virar cordel nas mãos de um poeta competente.
Particularmente, tenho a honra de ser amigo e discípulo de grandes cordelistas baianos, a exemplo de Franklin Maxado Nordestino e Jotacê Freitas. Tenho inúmeros folhetos escritos, mas ainda não publiquei nenhum. Um deles escrevi juntamente com um grande amigo, o poeta Lourival Pereira Júnior, o Piligra, trata-se de A Peleja Virtual Entre Dois Vates Arretados. Foi esse folheto que venceu o Prêmio Bahia de Todas as Letras.

8) O Estado brasileiro, de uma certa forma, vem incentivando a literatura, seja através de edital de fomento, seja através da compra direta de grandes quantidades de livro, uma vez que, segundo a Câmara Brasileira do Livro, o governo brasileiro é o principal cliente de livros do mundo. Como você vê este antagonismo: um Estado que compra uma enorme quantidade de livros, mas uma população que reconhece que não gosta de ler?
GF
– Não gosta de ler porque não há incentivo familiar. Quem nunca ouviu dizer que educação vem do berço? O gosto pela leitura também deve vir. E de que outro modo poderia ser? O pior é que a imensa maioria dos professores não possui o hábito da leitura. Tempo pobre, escola pobre, homem pobre de reais valores... Não é à toa que no poema Casa Vazia, o formidável Alberto da Cunha Melo grafou: escrevemos cada vez mais/ para um mundo cada vez menos.

9) Gustavo, fale um pouco sobre seus projetos para 2010, incluindo o projeto que pretende resgatar a obra de Osório Alves de Castro.
GF
– Pela Fundação Cultural meu maior desafio é a realização em Agosto da Festa Literária de Ilhéus. No campo pessoal pretendo publicar Dendê no Haikai, um ensaio que escrevi sobre o haikai na Bahia. Também estou cuidando da publicação de um livro de poemas de minha autoria. Pretendo levar ambas as obras para Marília no segundo semestre. Já a Coleção Osório Alves de Castro é uma realidade. Mas esse não é um projeto meu, senão de um coletivo de apaixonados pela obra do “home”, entre eles você, meu caro Ramon. Aliás, se não fosse você o projeto não decolaria. Meu papel foi o de convencer uma editora a entrar no projeto. O processo está adiantado, acredito que em 2011 nosso anseio será alcançado.


BLUES PARA MARÍLIA


Penso todos os dias em Marília.
Sobretudo penso em tudo que deixei por lá:
os companheiros de infância, minha mãe,
o pão caseiro feito pela Tia Vilder,
as férias em Panorama.
Penso principalmente no cheiro do café;
café bom das lavras da Fazenda Cascata.
Marília são flashes na memória:
os passeios pela Praça São Bento,
as visitas ao Paço Municipal.
Por isso esse velho Blues,
esse reverso n’alma,
o silêncio que revolve a voz
e o olhar demorado para as coisas sem sentido.

Marília é tudo que ainda sangra.

Ilhéus
2009. X

domingo, 25 de abril de 2010

Meu poema "Radiografia", por Ivan Maia

No poema “Radiografia”, muito mais por dentro do que aconteceu de significativo na história, o poeta ainda não estava no mundo e, no entanto, hoje habita a consciência histórica de seu tempo munido das informações mais relevantes ao seu pensamento crítico.
Os feitos de grandes personagens, ainda que às vezes mantidos sob olhar neutralizador de suas influências, tornam-se matéria de uma poesia que se apropria dos acontecimentos para extrair-lhes um questionamento decisivo para nossas vidas: onde estávamos enquanto grandes feitos eram realizados, o que fazíamos de nossas vidas então?
A repercussão das grandes realizações depende daqueles que são responsáveis pela difusão de notícias e informações tanto quanto dos que a recebem e têm a função de digeri-las. E é desse modo que temos acesso à mensagem de Gustavo Felicíssimo nesse poema, que se destina, por um lado, às gerações mais novas, que ainda não estavam aqui quando muita coisa importante aconteceu e aos quais cabe apropriarem-se de tais acontecimentos através do interesse pela história dos seres que marcaram a vida de nossa gente. Por outro lado, essa mensagem paradoxal (não meramente contraditória, ou ambígua) também se dirige às gerações mais velhas que já estavam “aqui”, mas que em muitos casos não “estava nem aí” para o que ocorria de importante. E poderíamos, do mesmo modo, considerar ainda um terceiro sentido presente nos dois últimos versos, nos quais o poeta aponta para uma liberação necessária em relação ao sentido histórico, que pode ser útil à vida em seu movimento de auto-superação, mas do qual precisamos nos desprender para não ficarmos sobrecarregados por ele. Isso é o que permite uma leveza de espírito isenta de ingenuidade, pois possibilita incorporar o que do passado foi e é importante para o presente enquanto se prepara o porvir, ou seja, ir além de seu tempo.


RADIOGRAFIA

É para você que escrevo, hipócrita
Ana Cristina César

Eu não vi Chico Landi correr
nem o homem pisar na lua
Candeia sambou em cadeira de roda
mas isso eu também não vi
Eu não vi os socos no ar de Pelé
nem o vôo de Castilho
Lupicínio cantar Vingança, eu não vi
nem João desafinando
Eu não vi os POETAS NA PRAÇA
ou Geraldo Maia recitando Geração de Março
Charles Chaplin no Grande Ditador eu não vi
Nem Glauber, Deus e o Diabo
Eu não estava aqui
Eu não estava nem aí...

Ivan Maia
é poeta e Mestre em filosofia.

sábado, 24 de abril de 2010

Três haikais para São Jorge

ontem, 23, foi o seu dia
Meia-noite em ponto,
O foguetório no morro -
Salve, Jorge!

Cláudio Pestana


dia de São Jorge -
choro e aplausos para
o santo guerreiro

Carlos Viegas


Oxóssi ou São Jorge?
não visto branco ou vou à missa,
mas tenho respeito.

Gustavo Felicíssimo

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Os Haikais de Jorge Araújo

Jorge Araújo (1947) é baiano de Baixa Grande e Ilheense por adoção. Mestre e Doutor em Literatura Brasileira pela UFRJ é ensaísta premiado diversas vezes e possui vários livros publicados, principalmente na área do ensaio, como o recente “Floração de Imaginários: O romance baiano no Século XX[1]”, e na poesia, com “Os Becos do Homem[2]”, seu livro de estréia, onde transita com versatilidade por várias formas poéticas, inclusive o haikai, ao qual dedica um capítulo inteiro, Munição & Víveres, composto por trinta haikais alinhados ao modelo utilizado pelos poetas da contracultura, como só assim poderia ser, pois esse livro foi gestado durante todo um período de ditadura no Brasil (desde o início dos anos 1970) e publicado em 1982, onde o poeta nos oferece haikais densos e reflexivos:

pra quem confia
a espera
é vera luz do dia

Como afirma Antônio Houaiss no prefácio do livro, Os Becos do Homem “se funda em duas direções políticas, a da inutilidade de certa ordem e a da incapacidade dos homens dessa ordem”. É o que nos revela o seguinte haikai:

tempo, espaço, memória
o homem
será isca da história?

Jorge Araújo possui um dos instrumentos essenciais para o poeta na modernidade: dizer densamente aquilo que pretende trafegando pelo indizível, mas sabendo sempre o que dizer. E diz colocando o homem no centro do seu discurso:

A fome
antes do nome
é o homem

E diz mais:

o ponto final
do sonho final
é o sono final?

Fulgurante, seu verso é valioso, quase inesgotável, e convida o leitor a voltar inúmeras vezes, pois é feito de inquietação; poesia que consegue estabelecer uma ligação orgânica de suas vivências e crenças pessoais com os anseios coletivos de grande complexidade. Por isso não se pode pensá-la como destinada a ser lida apenas em silêncio. Os poemas de “Os Becos do Homem” foram feitos para serem ditos em voz alta, nas praças, a plenos pulmões, inclusive os haikais, para que todos possam conhecer uma obra que vai fundo no sentimento humano, pois como diz José Maurício Gomes de Almeida em um artigo publicado no jornal O GLOBO[3], a poesia de Jorge Araújo “assume integralmente esta marca suja da vida”:

cega esta certeza
que desarma o olho
da cama e da mesa

o sussurro
próximo do grito
arde na língua

E lá se vão quase 30 anos do fim da ditadura, durante esse tempo, Jorge Araújo acabou se tornando um ensaísta e crítico dos mais premiados do país, entretanto, “Os Becos do Homem”, por sua vez, não perde o frescor, pois se durante o tempo em que tal obra foi escrita, o poeta tinha, além das questões existencialistas, um inimigo em particular, declarado, hoje este inimigo está em toda parte, porém oculto; domina o capital, os grandes conglomerados empresariais e a informação, manipulando-a de acordo com as suas conveniências.
Mas o poeta não é apenas um escritor engajado, ele ri da hipocrisia reinante:

ai ai caralho
como viver
dá trabalho

Ele é irrequieto:

não desvenda, nem deslinda
o poeta
inquieta-se ainda

Jorge Araújo pensa a própria poesia a partir dos instrumentos que possui e através do haikai questiona a condição ontológica do ser em um espaço que privilegia cada vez mais o valor utilitário das coisas. “Os Becos do Homem” é um livro para se guardar e para voltar a ele com certa regularidade.

OBS:
1) Esse texto é um excerto de um ensaio a ser publicado em “Dendê no Haikai”, conjunto de ensaios que escrevi sobre o haikai na Bahia, obra a ser lançada em breve pela Via Litterarum.

2) Os Becos do Homem pode ser adquirido pelo site da Via Litterarum: http://www.vleditora.com.br/

[1] Via Litterarum, 2008. Prêmio Nacional O Romance Baiano no Século XX, promovido pela Academia de Letras da Bahia em parceria com a Braskem
[2] Via Litterarum, 2006, 2ª Edição.
[3] Edição de 24/10/1982, pág. 5, Domingo.

quarta-feira, 21 de abril de 2010

Haikais de Mario Benedetti

Retornando de Sevilha um amigo presenteou-me com um livro de haikais do escritor uruguaio Mario Benedetti. Trata-se de “Nuevo rincón de haikus”, contendo 300 poemas, uma edição ampliada de “Rincón de kaikus” que, editado no ano 2000, trazia 224 deles.
O presente me causou grande surpresa, pois não imaginava que Benedetti, assim como Borges, também havia penetrado nos mistérios e fazeres haikaísticos. Rapidamente me pus a ler a obra e a perceber o que havia sob a sua tessitura.
Percebi um poeta pouco comprometido com o haikai tradicional, embora perseguindo a métrica, e, por outro lado, inocultavelmente inclinado a um modelo mais livre quanto ao tema, não perseguindo a captação de um instante da natureza ou qualquer ideia semelhante, como neste que segue e que possui caráter eminentemente existencialista:

cada crepúsculo
es tan solo um ensayo
del sueño eterno

Ainda percebemos nos haikais de Benedetti um toque de humor:

el caracol
es el especialista
de la paciencia

em outras oportunidades a ironia:

em carnaval
todos nos disfrazamos
de lo que somos

Outras não poderiam ser as inclinações do poeta, pois como ele mesmo diz: “com o perdão de Bashô, Busson, Issa e Shikki, considero o haikai com uma roupagem própria, mesmo que meu conteúdo seja latinoamericano".
Essas são apenas as minhas primeiras impressões sobre a obra. Em breve trarei a público um artigo mais completo, que ofereça um maior delineamento dos haikais de Benedetti. Não obstante deixo aqui outros dois desse bom poeta uruguaio que faleceu recentemente causando grande sentimento de perda na comunidade literária mundial.

los personajes
se evaden de mis libros
y me interrogan

la más cercana
de todas las fronteras
es con mi prójimo

terça-feira, 20 de abril de 2010

Prêmio OFF FLIP de Literatura

A inscrições para a quinta edição do Prêmio OFF FLIP de Literatura estarão abertas até 31 de maio. Criado em 2006 como parte da programação literária da OFF FLIP, o Prêmio oferecerá aos vencedores R$ 10 mil no total, além de estadia em Paraty e ingressos para mesas de debate da FLIP. Há também outras formas de premiação, como cota de livros de editoras parceiras e passeio de escuna pela baía de Paraty.
Os textos serão avaliados por escritores de expressão no cenário literário brasileiro e os 30 finalistas serão publicados em uma coletânea.
A premiação será durante a OFF FLIP, que acontecerá entre 4 e 8 de agosto paralelamente à Festa Literária Internacional de Paraty.
O regulamento pode ser lido no site do Prêmio: www.premio-offflip.net

segunda-feira, 19 de abril de 2010

A POESIA VIVA DE JORGE MEDAUAR

Caríssimos, o pessoal do Cronópios vai fazer um curta sobre Jorge Medauar e estão utilizando uma resenha que fiz sobre sua obra como uma das suas fontes, o que muito nos alegra. Por isso convido-os a conhecerem o texto que vai publicado naquele ótimo portal da nossa literatura. Nele digo que a poesia de Jorge Medauar traz uma carga existencialista bastante ampla, onde reflete com vigor sobre a condição humana, o vazio, o absurdo do mundo em paralelo às temáticas sobre o silêncio e a solidão, vida e morte, oferecendo-nos uma lírica revestida por uma roupagem de extrato verdadeiro, invulgar (...)

Eis o link:
http://www.cronopios.com.br/site/ensaios.asp?id=4512

domingo, 18 de abril de 2010

Breve resenha sobre Medeia, de Eurípedes

Medeia, ao nosso ver, é uma das personagens mais terríveis e fascinantes da mitologia grega, pois envolve sentimentos contraditórios e profundamente cruéis, sendo que o mais evidente é a paixão. No cerne dessa tragédia encontramos uma séria preocupação com o destino do homem, sua fragilidade e virtude, não apenas com os seus malogros no amor, nem com seus padecimentos por justiça, mas suas relações com a totalidade da conjuntura que o envolve, sua posição no meio em que se encontra.
Levando-se em consideração que na época as mulheres não eram tidas como membros da sociedade, parece-nos que em Medeia, Eurípedes, o último dos três grandes autores trágicos da Atenas clássica, questiona o lugar de um “negado” dentro de uma sociedade machista e conservadora, concedendo à personagem o poder de ter o destino de outras vidas em suas mãos. Nisso, é consenso geral, ele se diferencia dos seus predecessores, Ésquilo e Sófocles, que produziam tragédias mais harmônicas.
Para castigar a infidelidade do marido, Jasão, um argonauta, Medeia planeja matar os filhos, a nova esposa e matar-se também. Entretanto, o ato criminoso é o culminar de uma obra que se desenvolve dentro de um processo de extrema violência desde o princípio. E assim a psicologia trágica da personagem domina o drama desde que entra em cena, no primeiro episódio, após abandonada e traída pelo homem a quem tudo fez, até as últimas cenas quando obtém sucesso em seu plano de vingança, passando pelos monólogos em que sua alma nos aparece dilacerada, despedaçada, entre a vingança e o amor maternal, onde, embora convicta e certa de sua ação, demonstra remorso.
Mas o que entendemos por tragicidade, na obra é um sentimento de posse capaz de levar o ser às últimas consequências, talvez um sentimento quase patológico, em que a personagem se realiza com o mal que causa, potencialmente evidenciado em uma singular passagem, quando após admirar e tocar os filhos, envia-os ao encontro da amante, Creúsa, filha do rei Creonte com um presente mortal, e diz: “mais potente do que a minha vontade, é a paixão, que é a causa dos maiores males para os mortais”.
Embora no entendimento atual, as paixões não sejam boas ou más em si mesmas, sendo boas quando contribuem para a elevação humana; e más, no caso contrário, elas podem ser assumidas, guiadas e ordenadas pelas virtudes ou pervertidas e desorientadas pelos vícios ou pelo desequilíbrio do ser, como é o caso evidenciado em Medeia, de Eurípedes.

Ilustração:
Medeia, de Eugène Delacroix

sábado, 17 de abril de 2010

BECO DO FUXICO

Ao modo de Manuel Bandeira

Vou agora lá pro Beco,
aquele é o meu lugar!
Lá tem batidas do Cabôco
e moça bonita pra gente olhar.
Lá tem muita gente boa.
Tem comunista e carlista se abraçando
feito antigos aliados;
tem pescadores, caçadores e mentirosos
pra tudo quanto é lado.
O Beco é feito de lendas
e gente comum,
é feito de poetas, jornalistas
e outros calhordas.
O Beco é feito de magia!
Vou agora lá pro Beco,
dito Beco do Fuxico.
Vou beber o meu café no Manuel,
depois fazer a barba no Seo Jonas;
se o tempo esfriar
eu tomo uma no Whiskytório;
lá tem batatinha e cebolinha na conserva.
Lá tem a bodega do Eduardo,
onde não falta cerveja gelada
e uma turma disposta a prosear.
Vou agora lá pro Beco,
não vou a qualquer lugar.

NOTA:
O Beco do Fuxico é um ponto tradicional da boemia na cidade de Itabuna. Alguém vem comigo?

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Novo site da Via Litterarum

Pessoal, já está no ar o site da Via Litterarum, uma das principais editoras aqui da Bahia. O site estréia em um momento de efervescência, com o lançamento de diversas obras de relevo, como o ensaio de Jorge Araújo sobre a crítica de Machado de Assis. Chamo a atenção para o fato de que, finalmente, quem quiser adquirir o nosso “Diálogos – Panorama da Nova Poesia Grapiúna”, não precisará mais recorrer a este autor, pois a obra, juntamente com outras, agora está disponível para venda on line.
Confiram: http://www.vleditora.com.br/

DIÁLOGOS - PANORAMA DA NOVA POESIA GRAPIÚNA

Editora: Via Litterarum
Autor: Gustavo Felicissimo (Org.)
Ano: 2009
Páginas: 106
Formato: 14x21cm
ISBN: 978-85-98493-53-4
Preço: R$ 20,00

Link para aquisição da obra:
http://www.vleditora.com.br/livrodetalhes-livroID_58.html

terça-feira, 13 de abril de 2010

A BAHIA DE EUCLIDES DA CUNHA

Novo documentário de Carlos Pronzato

Nesta quarta feira, 14, às 17 horas, no Centro Cultural da Câmara Municipal de Salvador, que fica ao lado do elevador Lacerda, acontece o lançamento do documentário “A Bahia de Euclides da Cunha”, dirigido por Carlos Pronzato.
As entrevistas para o documentário foram feitas com estudiosos da obra de Euclides da Cunha e conduzidas pelo escritor Oleone Coelho Fontes, autor do livro “Euclides da Cunha e a Bahia”.
O vídeo oferece um panorama dos passos de Euclides da Cunha na Bahia, quando aqui esteve em 1897 durante a Guerra de Canudos, imortalizada no seu livro “Os Sertões”.

A entrada é gratuita.

Veja também: micro-entrevista que fiz com Pronzato em 2009.
Eis o link: http://sopadepoesia.blogspot.com/2009/07/micro-entrevista-com-carlos-pronzato.html

Pausa na Poesia

Agora é a hora e a vez da cidadania

O Brasil está gerando um movimento pela Internet sem precedentes pela Lei “Ficha Limpa”. Esta é uma luta histórica e a pressão pública está funcionando. Os oponentes da Lei Ficha Limpa estão tentando ganhar tempo adiando a votação, pois o projeto, que foi colocado em pauta para discussão na noite de quarta-feira, teve a votação adiada para o mês de maio.
Eles acham que a nossa mobilização massiva vai dispersar. Vamos mostrar que eles estão errados, conseguindo muito mais que a meta de 2 milhões de assinaturas!

Assine para acabar com a corrupção:
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domingo, 11 de abril de 2010

Manuel Bandeira explica um de seus formidáveis poemas

“Vou-me embora pra Pasárgada” foi o poema de mais longa gestação em toda minha obra. Vi pela primeira vez esse nome de Pasárgada quando tinha os meus dezesseis anos e foi num autor grego. [...] Esse nome de Pasárgada, que significa “campo dos persas”, suscitou na minha imaginação uma paisagem fabulosa, um país de delícias [...]. Mais de vinte anos depois, quando eu morava só na minha casa da Rua do Curvelo, num momento de fundo desânimo, da mais aguda doença, saltou-me de súbito do subconsciente esse grito estapafúrdio: “Vou-me embora pra Pasárgada!”. Senti na redondilha a primeira célula de um poema [...]

Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada

Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca da Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive

E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d`água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada

Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar

E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
-Lá sou amigo do rei-
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada.

(Estrela da vida inteira, cit., p. 127-8.)

sexta-feira, 9 de abril de 2010

Poemas & Filhos

Eu, que até o momento não sabia como era ser pai, agora me alegro e experimento um turbilhão de sensações de natureza diversa com a chegada prevista para o final deste mês da minha pequena Flora. E como não poderia deixar de ser, ela já começa a ter poemas escritos em sua homenagem. O poema abaixo é apenas o primeiro de uma série que no momento tomam corpo e que divido com todos os amigos leitores.

1º POEMA PARA FLORA

Eu já fui o que sou agora,
poema posto em desalinho,
o cenho franzido, o espelho
e o saber não ser tão sozinho;

o curso da vida nas mãos
são quais as ondas que se vão;

e mais: uma filha a caminho
traz o dom de sermos imensos
e frágeis feito flor e espinho:

aos braços plenos de pecado
o amor virá purificado.

quinta-feira, 8 de abril de 2010

Lançamento de Escritos sobre Cinema

Trilogia de um tempo crítico, do Mestre André Setaro

clique na imagem para vê-la em tamanho maior

No Volume I encontramos os escritos sobre filmes, atores e diretores
que marcaram a história do cinema e também depoimentos e artigos com inclinações autobiográficas. Além das impressões do crítico sobre Orson Welles, Kurosawa, Fellini, Godard, Bergman, entre outros ícones, fica-se também conhecendo a trajetória e paixão de Setaro pelo seu objeto de desejo e estudo.

O Volume II é dedicado integralmente ao cinema baiano que este ano completa 100 anos. Nas resenhas críticas, o autor fala sobre as obras e cineastas pioneiros na Bahia (a exemplo de Roberto Pires e Glauber Rocha) e também reflete sobre os homens e as circunstâncias que permitiram o surgimento e a efervescência do cinema na província. Setaro rende homenagens ao mestre Walter da Silveira e ao lendário Clube de Cinema da Bahia, assim como reconhece o valor de empreendedores, a exemplo de Guido Araújo e sua longeva Jornada de Cinema. Fala sobre o boom superoitista e recorda com ternura dos cinemas de rua de Salvador, como o Guarany, Excelsior, Liceu, Tamoio, Bahia, Pax, Aliança, Jandaia.

No Volume III Setaro trata especificamente da linguagem cinematográfica: Embrenha-se pelos caminhos teóricos, destaca as escolas, os autores, mas nunca perde de vista aquilo que o crítico Inácio Araújo, autor do prefácio da sua trilogia, definiu como “uma prazerosa proposta civilizatória”.

Este farto material estava praticamente destinado ao esquecimento, já que André Setaro, apesar do incentivo que sempre recebeu dos colegas e alunos, recusava a ideia de transformar tudo em livro: “Amigos sempre me falaram para escrever um livro, mas eu nunca quis”, relata, destacando que foi convencido da viabilidade do projeto pelo jornalista e escritor Carlos Ribeiro, que há mais de 15 anos insistia na publicação destes textos. Foi assim que, a partir de 2005, Carlos Ribeiro juntou-se a Carlos Pereira, André França, Marcos Pierry e alguns outros ex-alunos de Setaro e decidiram, de forma voluntária, realizar o trabalho de pesquisa e seleção da obra: “O enorme esforço dos professores que realizaram o trabalho foi, em si, um reconhecimento à contribuição de André Setaro ao cinema da Bahia e do Brasil. É um material valiosíssimo, que necessitava ser preservado.”, destaca Carlos Ribeiro, organizador dos três volumes. "Escritos sobre Cinema: Trilogia de um tempo crítico" em breve estará nas principais livrarias do país.

terça-feira, 6 de abril de 2010

Sá, Rodrix & Guarabyra, em Amanhã

Está chegando às lojas o disco “Amanhã”, do formidável trio Sá, Rodrix & Guarabyra. Ao contrário do que imaginávamos, o lançamento em 2002 do CD e DVD ao vivo “Outra Vez na Estrada” não serviu apenas de simples revival do trio, mas o ponto de partida para o reinício de uma carreira a três desfeita vinte e seis anos antes, com a saída solo de Rodrix.
Ao contrário do disco anterior, que apesar de lançar cinco músicas novas baseava-se principalmente em regravações de grandes sucessos, “Amanhã” traz doze músicas completamente inéditas, o que talvez vá na contramão do mercado, mas reafirma o sentido autoral da carreira deles.
O trio, que forçosamente foi desfeito com a morte de Zé Rodrix em maio de 2009, continuará vivo com Sá & Guarabira, mas, sobretudo, eternizado nos amantes da boa música e do rock rural.
O Zé Rodrix, que fora um intelectual respeitável, concedeu-me em 20 de Novembro de 2008, para o projeto Micro-entrevistas, aquela que pode ter sido sua última entrevista por escrito, que reproduzo agora, em homenagem ao novo disco do trio Sá, Rodrix e Guarabira.

Entrevista com Zé Rodrix

Gustavo Felicíssimo – Zé, em que momento você acredita que suas atividades como compositor, publicitário e romancista se amalgamam?
Zé Rodrix
– O tempo todo. Não vejo nenhuma diferença essencial entre nenhum processo de criação, porque a criação é um ambiente contínuo no qual eu me movo de modos diferentes, adequando minhas ferramentas criativas para o objetivo desejado. A meu ver, nenhuma atividade criativa pode ser considerada mais elevada ou menos importante que a outra, por mais que exista preconceito de quem as observa, na maior parte das vezes sem saber do que se trata. Estar em pleno exercício criativo é a minha regularidade diária, sem a qual eu não seria eu mesmo: criar como forma de sobrevivência do corpo, da mente e do espírito, evoluindo, crescendo e me modificando a cada instante, tornando-me finalmente o objeto que surge da minha própria criação, através daquilo que eu realizo. Meus romances, minhas canções e meus jingles são facetas diversas de minha própria capacidade criativa, assim como meus desenhos, pinturas, peças teatrais e até poemas, cada um ocupando o seu espaço específico no mundo real, mas todos partindo de uma mesma fonte original, eu mesmo.

GF – Há quem diga que a música popular foi quem tomou o espaço já diminuto da poesia. O que você acha dessa afirmação?
ZR
– O equívoco, a meu ver, é dos poetas, que de maneira geral têm tido inveja do aparente sucesso popular dos músicos, e se dispuseram a enfiar a sua poesia de maneira artificial na seara musical, prejudicando tanto a poesia quanto a música. Não creio que exista nenhuma semelhança entre poesia e letras de música, por exemplo: são objetos artísticos perfeitamente diversos e diferentes, apesar de partilharem algumas semelhanças no uso da língua e dos truques criativos. A partir de determinado momento, quando letristas passaram a ser chamados de poetas, (equivocadamente, a meu ver) os poetas se sentiram à vontade para se transformarem em roqueiros, usando a música popular como veículo para sua poesia que, de maneira geral, funciona muito mal quando cantada, mas seria excelente se permanecesse nos limites reais da poesia escrita. Agora, vai ser preciso muita coragem da parte dos poetas para romper este vício da popularidade e retomarem seu processo poético original, de forma a recuperar o verdadeiro valor da poesia, pois, como disse Fernando Pessoa, “a popularidade é um plebeísmo”. Insuportável para a tão necessária verdade e permanência poética.

GF – Você acredita em um processo de alienação das massas provocado por uma possível e anunciada “ditadura midiática”? Essas questões chegam a te incomodar?
ZR
– De forma geral, esta “ditadura midiática” é papo muito velho, herdado do Manifesto do CPC da UNE em 1962, que já era cópia quase fiel do Manifesto por Um Realismo Socialista, de Jdanov, escrito na URSS em 1947. Nela se estabelecem como inimigos todos os processos de abrangência comercial da arte tanto burguesa quanto popular, descartando tanto a “arte burguesa’ quando a “arte popular” com sendo veículos de alienação, e pregando a necessidade de uma “arte popular revolucionária”, que nunca existiu realmente, a não ser como as experiências artificialíssimas da MPB, seguindo os passos de uma “brasilidade” estabelecida pela outra ditadura, a de Getúlio Vargas.
A tentativa de estabelecer um “padrão popular” de música feita no Brasil, por exemplo, já tinha sido intentada por Lourival Fontes, diretor do DIP durante o Estado Novo, e este padrão de “brasilidade” é uma barreira que permanece ainda vigente como parâmetro dos artistas nacionais, porque foi assumido como sendo “real” pelo manifesto da UNE, que preferiu a ditadura de Vargas à Ditadura Militar, pretendendo que a primeira fosse melhor que a segunda, no que se equivocaram profundamente.
O sistema de comunicação midiática mundial já pretendeu ser dono das vontades de todos, menos de quem o critica, ainda que quem o critique também esteja sob a égide de uma mídia específica e tão daninha quanto a que verbera. Acusar a mídia por todas as mazelas do mundo, menos as próprias, indica apenas um desconhecimento profundo das possibilidades humanas de livre-arbítrio, escolha, e capacidade de decisão. Tudo está, a meu ver, nos limites da consciência e responsabilidade pessoais, e para entender isto seria preciso estudar com atenção o momento em que Sartre, tendo durante algum tempo proposto como ideal a figura do “artista engajado”, a substituiu pela do “artista consciente”, já no fim de sua vida.
A Arte não está sob o controle de nenhuma mídia, se verdadeiramente for Arte, e nem os usuários desta mídia se tornam escravos dela, principalmente agora que a revolução tecnológica permite a livre expressão das individualidades através da escolha pessoal. Há inúmeros artistas que, filiando-se a esta ou aquela escola, se consideram mais artistas que outros de outras escolas, ao mesmo tempo em que partilham de práticas e usos que condenam em seus desafetos, aplaudindo-os em si mesmos como “exemplo de pragmatismo ideológico”. Dois pesos, duas medidas, infelizmente valorizados e divulgados como sendo ideais pelos que chamo de Perpetuadores dos Dogmas e Defensores dos Mitos, estes que, sendo parte da mídia, se especializaram em expor seu gosto pessoal ou filiação ideológica como sendo a Única Verdade, tornando-se divulgadores de seu próprio e equivocado Evangelho, tentando convencer a quem os ouve de que a Arte de que gostam nos foi doada diretamente por Deus e que todas as outras são imitações diabólicas desta.
Os seres humanos, atualmente, e a cada dia mais, têm infinitas formas de fazerem suas próprias escolhas, através das liberdades individuais, deixando-se envolver por aquilo que os agrada e rejeitando aquilo que os desagrada, por mais que as teorias vigentes ainda insistam em nos impor o gosto por aquilo de que não gostamos, como necessidade de sobrevivência da “kultura”. Neste sentido, as classes populares são muito mais livres, porque em seu território possível, selecionam e elegem como sendo SUAS as formas de Arte que lhes tocam mais de perto, em vez de seguirem, obedientemente, os parâmetros que algum evangelista lhes imponha como sendo os únicos possíveis, da maneira como a classe média tem feito.

sábado, 3 de abril de 2010

Carlos Falck, exímio e sofrido poeta

Segundo Henrique Wagner, Falck não teve educação formal, mas se submeteu a uma prova para entrar à Escola de Teatro da Bahia e passou, inteligente, culto e perfeccionista que era. E mesmo sem concluir os cursos preparatórios acabou ingressando no nível superior para tornar-se um dos mais incissivos críticos de teatro, assinando uma coluna muito lida, no extinto Jornal da Bahia.
Sua produção poética estende-se por dez anos, de 1954 a 1964, quando comete o suicídio. Seus sonetos, segundo Ildásio, são lapidares e suas redondilhas revestem de inovação a medida medieval construindo versos com um grande sabor de atualidade, mesmo quarenta anos após ter feito seu último poema.
Sua poesia, basicamente existencialista, possui certa obscuridade que nos faz lembrar muitas vezes de Fernando Pessoa. Percebam o segundo poema, trata-se de uma carta suicida deste que foi um exímio e sofrido poeta.

Cântico da Noite Triste
A todas as mães

Pelos versos noturnos que componho
Há passos vagarosos de mulheres
Nas estradas do vício – malmequeres
Feitos de sombra e luz, de choro e sonho...

Na convulsão de ilícitos misteres
Em que falece a vida, eu me envergonho
Das palavras de Amor que tu proferes
E a resistência da moral transponho,

E o lupanar de pompas tumultuário
Toma a lição macabra de um Calvário,
E cada leito a forma de uma cruz,

Em cujos braços, plenos de pecados
Vejo o Direito e a Fé crucificados
Como o corpo sangrento de Jesus!

Sexta-feira Santa de 1956.


Bilhete à Ilha

Mudarei meu silêncio em ventania
E meu andar para o norte em ir ao cais;
Não me perguntarei se vou ou vais
ao mesmo ponto que antes nos unia.

Apenas caminharei e nesse andar
descobrirei se me segues ou te sigo.
Não me importo lembrar (se não te digo)
o que lembro se avisto cais ou mar.

Pois vou ao porto como se não fosse.
Desligado do sonho e dos sentidos
descubro que não tenho mais amigos
e que o verde do mar jamais foi doce.

E mais descobrirei quando bem frio,
meu corpo navegar no mar vazio.
Nota:
Poemas retirados do livro Ofício de Cancioneiro e Outros Poemas, organizado por Ildásio Tavares e publicado pela Imago dentro da coleção Bahia: Prosa & Poesia.

Outros poemas do autor em:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/cfrank.html

sexta-feira, 2 de abril de 2010

A Semana Santa de Outrora

Ildásio Tavares

Quando eu era menino em Salvador, a Semana Santa tinha um outro cariz, era mesmo um período solene, de contrição, de recolhimento. As atividades lúdicas eram suspensas, as rádios tiravam seus programas do ar e no lugar botavam música clássica. Em tudo havia uma atmosfera de religiosidade compulsiva e até do receio do pecado por um gesto desabrido ou uma palavra pesada. A gente falava por sussurros e evitava quaisquer conversas que pudessem ter uma interpretação pecaminosa. Conversa de sexo, imagine, nem pensar.
O comércio fechava na quinta. Até as prostitutas fechavam o balaio, como se dizia. Havia uma atmosfera geral de solenidade e respeito, a religião pesava sobre todos, a cidade aguardava em suas ilhargas silenciosas que viesse o estrépito do sábado de aleluia, com todo seu entusiasmo profano, a queima de Judas que até hoje há, mas com características diferentes da época. Ficávamos aguardando a hora que era no sábado mesmo e aí a garotada aproveitava pra desabafar fazendo barulho, batendo em latas, descontando a pasmaceira forçada dos dias anteriores.
Lembro-me bem que havia umas meninas sapecas numa casa vizinha que tiravam esses dias pra me provocar. Mulher é bicho do cão, eu pensava e procurava me afastar delas que não me davam bola, mas nesse dias ficavam no maior frete. Tudo quieto. Não se ouvia um barulho. As famílias recolhidas, rezando. Era mesmo uma semana de devoção, de fé até a catarse do Sábado de Aleluia. Até os cinemas só passavam a vida de Cristo. O prazer era proibido.
Uma coisa perdura daquele tempo, muito mais pelo espírito hedonista do baiano do que por sua fé – a ceia da Semana Santa.
Na quinta já se tinha mesa farta e vinho. Havia quem tomasse vinho branco na quinta e vinho tinto na sexta em alusão ao sangue de Cristo. Mas todos, todos de todas as classes não passavam a Semana Santa sem uma mesa farta em iguarias do cardápio afro-baiano, seu vatapá, seu caruru, seu efó, sua moqueca de peixe e de bacalhau, xinxim de galinha, fritada de marisco, feijão de leite e por aí lá vai. A paixão de Cristo servindo de pretexto pra se comer bem.
Isto é uma profanização do sagrado que está bem na raiz do barroco. Num momento em que a Igreja recomenda jejum, ou ao menos abstinência de carne vermelha, o baiano aproveita pra beber vinho e se empanturrar de todo tipo de carne branca ao tempero requintado da culinária de santo, outro paradoxo. É com comida de orixá que se reverencia a memória do sacrifício de Jesus Cristo.
Mais nada quase permanece da unção da Semana Santa do passado. O comércio abre direto. As rádios tocam toda música, principalmente de carnaval. As pessoas se agitam, vão ao cinema, ao teatro, às boates, aos barzinhos, aos motéis. As prostitutas trabalham regularmente. Dentro do quadro geral de decadência de valores em nossa sociedade, vemos uma Semana Santa leiga, reduzida a uma efeméride turística - mais uma semana de carnaval – com todo respeito e veneração, é claro. Sem trio elétrico.

quinta-feira, 1 de abril de 2010

O ceramista Osmundo Teixeira

Por Jorge Amado
Há algum tempo venho acalentando a vontade de mostrar neste blog alguns valores imensuráveis da arte da minha região, o litoral sul da Bahia. Além de Jorge Amado, essa região, que chamamos de Grapiúna ou Cacaueira, possui muitos outros valores. São poetas, que por aqui veem sendo publicados com alguma constância, mas são também cordelistas, contistas, atores, músicos, artistas plásticos e ceramistas, todos eles fazem dessa região uma das mais fortes expressões artísticas do estado. Um desses exemplos é Osmundo Teixeira, ceramista, santeiro, uma jóia de raro valor, sobre o qual conversava ainda há pouco com alguns amigos: o antiquarista Carlos Oliveira e o artista plástico Zebay, que foi quem me falou desse texto de Jorge Amado sobre a obra de Osmundo, que segue abaixo, e que foi publicado originalmente na revista Ventura em 2001.

Diz Jorge Amado: Maribeau Sampaio, escultor de Cristos e Madonas, pintor de santos, importante artista da grande geração que renovou a arte baiana, Carlos Bastos, Carybé, Jenner, Mário Cravo, Genaro de Carvalho, reuniu, no correr de muitos anos, uma das maiores e melhores coleções de imaginária do país. Acima de quinhentas peças, cada qual mais valiosa.
Envaidecia-se de possuir algumas peças de Frei Agostinho da Piedade, sendo que uma delas assinada: uma das quatro únicas assinadas pelo grande santeiro do século XVII.
Divertia-se colocando ao lado das imagens originais de Frei Agostinho, santos modelados por um ceramista contemporâneo, Osmundo Teixeira. Desejava que viéssemos e sentíssemos a herança transmitida pelo monge beneditino ao moço grapiúna. Não é que as peças se assemelhassem. Mais do que isso, elas tinham a mesma força de beleza e transmitiam idêntica emoção: as santas do século XVII e as de hoje possuem uma graça, uma ternura, uma condição brasileira, que lhes dão singularidade própria, que as diferenciam de todas as demais.
Frei Osmundo de Tabocas, assim Mirabeau denominava o santeiro itabunense, pois Tabocas foi o nome primitivo da cidade. Quem primeiro me falou desse artista que é meu conterrâneo, pois eu também sou nascido em Itabuna, não foi, como se poderia pensar, nem o colecionador Moysés Alves, tampouco Raymundo Sá Barreto que sabe tudo sobre letras e as artes grapiúnas, foi o jornalista português, doutor Nuno Lima de Carvalho, que seleciona os artistas que expõem na galeria do Cassino Estoril, uma das mais categorizadas de Portugal. Íntimo, ele também, da melhor imaginária, deixou-se seduzir pela arte de Osmundo e a fez conhecida do público europeu.
Em verdade, antes de ser um nome admirado e respeitado no Brasil, o moço de Itabuna mereceu os aplausos da melhor crítica da Península Ibérica.

Site oficial do artista:
http://www.osmundoteixeira.com.br/

Os zumbis de Maria Mandu

Novo filme de Gabriel Lopes Pontes

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