sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

Dendê no Haikai: mais uma ótima notícia em 2010


O ano 2010 termina com uma grande notícia para mim, pois o Márcio Meirelles, Secretário de Cultura aqui da Bahia, deferiu a viabilização do projeto Dendê no Haikai, de minha autoria. Trata-se de um estudo crítico e historiográfico que fiz sobre o haikai no estado, de onde saíram alguns dos precursores do haikai no Brasil. Sim, os pioneiros do haikai no Brasil são baianos! E não poderia deixar de ser, pois como diz a canção do Gil: Deus inventou de dar a primazia/ pro bem/ pro mal/ primeira vez na Bahia.
Esse é um projeto apoiado pelo edital de Edição de Coleção de livros de Autores Baianos e a publicação no Diário Oficial do Estado saiu em 20 de dezembro, coroando um ano formidável. De quebra, além do meu ensaio, ainda levo para publicação um livro inédito, de haikais infantis, do mestre Carlos Verçosa e o livro As quatro estações, do Piligra.

Como se não bastasse, Silêncios, meu livro de estreia, está com a 2ª edição esgotada e uma 3ª a caminho para lançamento em São Paulo e Rio de Janeiro. Além disso, uma edição bilingue está sendo preparada por uma editora da Argentina.

É isso aí! Vamos quebrando as barreiras com conhecimento, algum talento, sem grupelhos, empurrões, compadrio e, sobretudo, sem aplaudir qualquer tipo de mediocridade.

           Que venha 2011!!!

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Haicais de Wandi Doratiotto


Integrante do grupo musical paulistano Premeditando o Breque estreia em haicais.
Com informações de Caqui – Revista Brasileira de Haicai

Do texto da orelha: “Geminiano, penso que todas as manifestações artísticas podem andar juntas. Não acredito em especialização (talvez por não ser muito bom em nada). Em 1976, na Escola de Comunicações e Artes da USP, nasceu o grupo Premeditando o Breque, o Premê, que, entre outros sucessos, gravou: Fim de semana (Domingão), Marcha da Kombi e São Paulo São Paulo. No cinema, participei de Sábado, longa-metragem de Ugo Giorgetti; Ed Mort, de Alain Fresnot; e Sob o signo da cidade, de Bruna Lombardi e Cados Alberto Riccelli. ‘Não é assim uma Brastemp’ foi meu comercial de maior sucesso. Há 15 anos apresento o programa Bem Brasil na TV Cultura. E … resolvi escrever haicais porque gosto de acender fósforos”.

Amostras:

Digo e não sofismo:
até pra morte dá-se um jeito
depois do espiritismo.

***

No meio do terreiro,
belo e imponente,
o grande abacateiro.

***

A modelo aconteceu.
Sempre emagrecendo,
desapareceu.           

***

O celular
abriu a tampa
do particular.

Obs: Coletânea contendo 143 haicais. Projeto gráfico e ilustrações de Guto Lacaz. Editora Papagaio, São Paulo, 2006. 160 páginas.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Entre os gaviões


A manhã está azul e entremeada por nuvens. O vento leste irrompe rio adentro e por um momento estremece os galhos das árvores mais altas.
Sigo na direção do vento e a todo o momento gaviões me acompanham sem preocupações fatais ou medo. Eu os contemplo e fraternalmente admiro a liberdade que possuem.
Do modo como se oferecem, talvez pressintam que passa um poeta. Emudecido, paro para admirá-los, como tantas vezes fiz durante o ocaso. Um deles pousa a poucos metros de mim.

sobre meu haikai
a sombra de um gavião –
velho samurai
gavião, também conhecido como carcará

sábado, 25 de dezembro de 2010

Desmantelo verde


                 Para Carlos Pena Filho

É verde a cor dos vales que de verde vai pintando as encostas que se transmutam em verde onírico em seu desmantelo. Verdes sobreposições e mutações misteriosas que fazem brilhar o verde que pelo horizonte se alastra.
O verde vai e vem. Minha alegria, a poesia das primeiras descobertas quando percebi que os cacauais, como o arroio cortando a planície, continuam cumprindo seu verde papel, dando abrigo aos pássaros cantores, feito a flor verdadeira, esperança que prevalece necessária.

do rio à montanha
serpenteia uma estradinha –
solitário esplendor

***

cavalos mordiscam
o capim que o vale oferta –
seguimos ao sul
tons e entretons verdes abundam na paisagem belmontina

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Pôr-do-sol em Belmonte

O sol agora dança no infinito para essa pobre alma enquanto lágrimas escorrem tal qual chuva torrencial. Meus olhos não abarcam todo o céu, mas isso não importa, como não importa o vento soprando e os golpes das ondinas no cais.
            A natureza flui e o poente une leste e oeste. Entretons de azul e laranja firmam o ocaso que outro poeta chamou de a magnificência da tarde[i]. Com vinho tinto brindo a cálida torrente que brota em meu coração e faz desvanecer tudo mais.

displicentemente
lanço alguns versos ao léu –
replica um sabiá

[i] Sosígenes Costa, Obra Poética. Rio de Janeiro, 1959. Leitura, Pág. 15. 

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

À beira do Jequitinhonha

Me encontro só nesta manhã, enquanto observo as águas do Jequitinhonha correrem para o mar. Do outro lado, a mata nativa e o intenso manguezal, de onde surgem barquinhos lutando contra a corrente.
As garças golpeiam suas asas contra o céu. Os pássaros se rivalizam no desfrute da liberdade. Nesta imensidão, intimamente absorto, faço uma pergunta ao infinito: quem controla a natureza?

longa foi a noite –
agora cantam os pássaros
e eu vou me deitar
amanhecer em Belmonte, às margens do Jequitinhonha

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

Sendas de Belmonte


Céu claro, brancas nuvens se esvaem no ar como se quisessem nos acompanhar até Belmonte para a contemplação do ocaso. Estava na companhia de outro poeta, Cyro de Mattos.
            Atravessamos as quase quatro horas de viagem como se em instantes, seguindo nosso curso, feito as águas dos rios e arroios.
Admirado com a sabedoria do velho vate, ousei fazer-lhe uma pergunta que não se faz. Interroguei-o sobre a natureza da poesia e a resposta veio cifrada em uma só palavra: Mistério.

as horas passando
como o fluir da existência –
enigma divino
Pôr-do-sol em Belmonte

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Centenário de Lezama Lima


Belíssimo texto de Carlos Granés para o caderno Sabático, do Estadão, sobre Paradiso, obra magma do poeta cubano Lezama Lima, cujo centenário correu neste domingo. Nessa obra de estética barroca o autor cria um mundo onde o que importa são apenas as imagens poéticas.

Para Granés, o esforço titânico de Lezama Lima resultou num dos romances mais pessoais e audaciosos da literatura hispano-americana, onde o centro do mundo é Cuba e toda a história e a cultura universal se convertem num ornamento para transformar a existência em poesia


segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Pitada de Pitacos do Carlos Verçosa - Tomo III


***
Pitada de pitacos
para a receita de Gustavo Felicissimo:
Dendê no haikai
 (Aspectos do Haikai na Bahia)
tese em andamento aumentativo
 [Tomo III]
Carlos Verçosa


“O haikai é um gênero difícil, não pela forma em si, mas por exigir um pouco daquele milagre da gota de água, que é o de, em sua exiguidade, refletir todo o universo.”
MANUEL BANDEIRA (1886-1968)

   
Vivo sozinho e escrevo 
para a minha alegria.


MATSUO BASHÔ (1644-1694),
diário de viagem “Saga Nikki”, 
epígrafe em “Folhas de Chá” (1940), 
de Oldegar Vieira (1915-2006)
  

Oldegar Vieira – I







O velho haijin Oldegar Vieira (1915-2006) curtindo a natureza inspiradora



          O jovem baiano Oldegar Vieira escreveu, ainda na juventude, dos 18 aos 22 anos, o quarto livro de haikai no Brasil (“Folhas de Chá”, concluído em 1937, mas que só veio a lume em 1940).
    Sua iniciação no haikai, juntamente com o colega de estudos ginasianos Gil Nunesmaia (1913-1993), deveu-se à leitura dos haikais de Afrânio Peixoto, publicados na Revista Exselsior (jan. 1928), mais tarde reeditados no livro “Missangas” (1931).
    [Estes mesmos haikais motivariam e inspirariam também outro ginasiano, paulista, Waldomiro Siqueira Jr., autor do segundo livro brasileiro de haikais, justamente assim denominado: “Haikais” (1933). Voltaremos a essa história em tomo adiante.]


No seu ensaio com um livro embutido, o bandeirante intelectual baiano Afrânio Peixoto buscava incentivar a produção brasileira de haikais:
“E não são alguns japões que os fazem, senão todos, com mais ou menos facilidade.”

“O haikai é uma sensação lírica que todos sentem e podem exprimir. Por isso do homem do povo mais humilde ao letrado mais culto, todos têm as suas trovas, ingênuas, sutis, simples ou profundas”, escrevia Afrânio Peixoto.
   E complementava, numa menção recorrente ao eufemismo “epigrama lírico”, que usara desde o ensaio pioneiro de 1919 ("O haikai japonês ou epigrama lírico"):

“Mas todos os que são poetas - e poeta é apenas, e é tudo, sentir intimamente e exprimir sinceramente. Todo o mundo, em suma, será capaz de epigramas líricos."

Ora, tais palavras incentivadoras logo motivariam os primeiros haikaistas brasileiros a meterem mãos à obra. 
A partir daquela leitura inicial provocadora, os jovens Oldegar Vieira e Gil Nunesmaia, estimulados também pelo latinista e professor de Português, Deraldo Dias de Moraes, do Instituto Bahiano de Ensino, começaram a escrever seus primeiros haikais.
Passaram a publicá-los no jornal A Tarde (a partir de 27 de outubro de 1932), denominando-os, ainda timidamente, como fora sugerido por Afrânio: “epigramas líricos”.

[Vale registrar: A Tarde, ao longo da sua história, ora teve suplementos literários, ora não; mas sempre procurou incentivar, em suas páginas, a literatura baiana e o surgimento de novos valores. Esse é um diferencial bacana desse jornal quase centenário.]

   Bem, nomes em letra impressa de jornal e a repercussão positiva daquelas primeiras publicações deram visibilidade e motivaram os dois ginasianos a continuarem produzindo haikais.
  O próprio Oldegar Vieira, em depoimento para o ensaio “Presença do haikai na poesia brasileira” (in “Oku”, p. 323-487; gravação em 28 de julho de 1995), contou-me como foi essa iniciação no haikai. Revelou que o professor Deraldo Dias entusiasmou-se ao ler os cada vez mais inspirados haikais dos dois alunos e propôs:

“Ah! muito bem, muito bem. Me dêem isso que eu vou mandar para o Afrânio Peixoto.”

    Na hora, Oldegar ficou meio preocupado:

“Ah, professor, espera aí: isso não é coisa para se mandar para o Afrânio [já célebre, àquela época, médico e escritor, membro da Academia Brasileira de Letras].

    Mas o professor Deraldo foi categórico:

“Não se preocupem, tenham paciência, que eu vou mandar pra ele. E mandou, com nossos endereços”, lembra Oldegar.

   E qual não foi a surpresa, tamanha, pois, dias depois, recebia uma carta com o timbre da Academia Brasileira de Letras, de Afrânio Peixoto.
   
    O baiano famoso não apenas tinha se iluminado d’immenso com os haikais dos jovens poetas conterrâneos, mas ainda destacava aqueles que mais lhe impressionaram.

“Gostei da sua ousadia. Você o disse. Gostei ainda mais dos seus versos. Têm poesia,    o que é raro. Alguns são admiráveis”, escreveu Afrânio Peixoto.
“Você, num punhado de versinhos tem toda uma primavera!” prosseguia,
e, a seguir, transcrevia um haikai de Oldegar que muito o impressionara:

Apita o comboio:

um lenço vai se agitando

como uma asa cativa…

    Bashô ou Kikaku ficariam contentes de ter feito este. Eu, este e os outros”, complementava.

   Ao reler aquela carta, passados mais de 60 anos, Oldegar Vieira ainda se emocionava:


"Imagine você: um homem que já era célebre, figuraz, estrelar, no meio social e literário do Brasil, escrevendo a dois garotos. Nós ficamos abafados!”

     Mas o escritor ainda trazia um recado no final da carta:

“Escrevam mais, e vão mandando.”

    Aí, pronto: mãos à obra. Mandaram logo novos haikais escritos para Afrânio Peixoto.

    Novo estímulo:

   “Muito bem, muito bem! Olha, vocês continuem fazendo haikais e, quem sabe, daí não vai sair um livro?”, dizia já na segunda carta.

    Na terceira carta, Afrânio Peixoto propõe:

    “Olha, eu tive uma idéia: publicar os haikais de vocês na revista da Academia Brasileira de Letras. Eu ponho um prefaciozinho, se vocês permitirem...”

    Oldegar ri quando se lembra da expressão final que ele usou:

    “Imaginem, vocês jovens na velha revista dos velhos...”

    E prossegue:

   “Foi motivo de deslumbramento para nós. Diante disso, é claro, tivemos que concordar, né? Não podíamos discordar, seria uma falta de gentileza e até uma falta de vaidade, que não se podia permitir num jovem. Então, selecionamos os haikais que nos pareceram os melhores e logo mandamos.”

   Dito e feito. Na edição de maio de 1933 lá estavam os dois jovens poetas baianos, acontecendo nas páginas prestigiadas da Revista da ABL.

    “Foi um escândalo!” – me resumiu Oldegar Vieira. “Para nós, meninos que nem 20 anos tínhamos, era uma coisa espantosa.”

    Ele conta também que houve uma pequena confusão na paginação da revista:

    "Saíram uns haikais meus como sendo de Gil Nunesmaia, mas tudo bem. Nos jornais daqui saiu corrigido.”

    Aconteceu, porém, que o jornal A Tarde ‘furou’ a Revista da Academia, publicando antes os haikais e a carta. Oldegar conta como foi essa história:

    “Quando nós começamos a receber a correspondência do Afrânio, nós já estávamos publicando os haikais na página literária do jornal A Tarde, que era muito apreciada.

   "Então, quando recebemos aquele convite para publicar também na Revista, resolvemos mostrar para o jornalista Florêncio Santos, que era o editor.”

     Ele se entusiasmou e disse logo:

     “Ah, então vamos fazer um escândalo com esse negócio!”

    E assim, A Tarde saiu na frente, “publicando a notícia e transcrevendo a carta do Afrânio antes da Academia”, revela Oldegar Vieira.

   Ele comenta ainda o quanto ficaram “provincianamente orgulhosos” com aqueles acontecimentos:

    “Nós ficamos numa notoriedade fabulosa aqui na Bahia. Éramos tolos, né? Dois jovens publicados pela Revista da Academia e pelo jornal A Tarde...”

    A partir daí, ele passou a se interessar cada vez mais pelo haikai e pela literatura japonesa:

   “Depois disso, passei a importar livros estrangeiros e a ler tudo sobre o Japão”, conta. Passou também a publicar cada vez mais novos haikais, que - num total de 191 - iriam compor o seu primeiro livro, concluído em 1937.

     Foi baseado justamente numa frase de Afrânio Peixoto, em que ele comentava que os poemas japoneses eram “tão curtos que poderiam ser pintados numa folha de chá?” (talvez a considerar, acertadamente, que o japonês pinta, ao invés de escrever), que Oldegar Vieira se inspirou para dar nome ao seu livro.

    Mas o perfume das suas “Folhas de Chá” só foi realmente percebido a partir de 1940, quando finalmente o livro veio a lume numa edição caprichada dos Cadernos da Hora Presente.

Boa acolhida da crítica e muitas manifestações de apreço passaram a ser colecionadas pelo autor, mas nenhuma delas o sensibilizou tanto quanto o cartão que recebeu de Afrânio Peixoto.

“Emoldurei e tenho comigo até hoje esse cartão que o Afrânio me mandou depois da publicação do livro. Ele vinha com um ramo florido e folhas de chá coladas nele. Uma beleza de gesto!”, recorda Oldegar Vieira.

O cartão foi enviado de Petrópolis [30 jan. 1941], com esta dedicatória de Afrânio Peixoto:

“Caro conterrâneo e amigo. Saibará você que isso incluso são flor e folhas de chá. Tenho vários pés aqui na chácara, plantados pelo Visconde de Mauá, de quem foi a casa. São efêmeras. As suas Folhas de Chá durarão.”

     Tinha razão na sua profecia. O livro permanece referência até hoje na história do haikai no Brasil.

/// THE CHAPTER IS OVER ///