sábado, 31 de outubro de 2009

lançou sua rede
como quem lança a si mesmo –
nobre pescador.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Do que será que ele não gostou?

Caríssimos, o poeta Edson Cruz, baiano de Ilhéus, mas radicado em São Paulo, fez uma entrevista comigo para um projeto seu, e como não a publicou, faço eu mesmo as vezes. Do que será que ele não gostou?

O que é poesia para você?
O conceito de poesia é muito amplo, o que se transformou em um problema, justamente pela falta de valores dos seres no tempo atual. Parodiando Pessoa eu poderia dizer que há poesia bastante no pôr-do-sol em Itapuã, da mesma forma que em um assassinato. Vejam “Morte do leiteiro”, do Drummond. Agora, transformar essas matérias em um poema é que são elas...

O que um iniciante no fazer poético deve perseguir e de que maneira?
Eu acredito, como Mário de Andrade, que o poeta é um ser fatalizado. Ou seja: nasce-se poeta. E por mais que se leia, caso o leitor não seja um poeta, jamais chegará a sê-lo. No máximo ele poderá ser um grande leitor e, se insistir, um poeta irregular, como a maioria, aliás. Ao poeta, aquele que diz a si mesmo e acredita não poder viver sem poesia, como sugere Rilke, cabe ler de maneira atenta os grandes artesãos do verso de todos os tempos, escolas e nacionalidades. Também ao poeta se pede estudo e dedicação, conhecimento formal, inclusive de versificação. Isso vale, também, àqueles que se dizem vanguardistas ou iconoclastas, pois não se pode desconstruir o que não se sabe construir. Aos admiradores do modernismo paulista eu diria que o verso é livre, mas nunca fora frouxo.

Cite-nos 3 poetas e 3 textos referenciais para seu trabalho poético. Por que destas escolhas?
Os poetas que mais gosto e admiro são: o pernambucano Alberto da Cunha Melo, sobre o qual já produzi diversos ensaios. Toda a sua obra é importante para mim, mas se tiver que escolher algum poema dele eu escolheria “Casa Vazia”, onde diz: “Poema nenhum, nunca mais,/ será um acontecimento:/ escrevemos cada vez mais/ para um mundo cada vez menos”. Que porrada, hein! Outro poeta de minha admiração é o baiano Ildásio Tavares. Ildásio, além de excelente poeta, possui uma obra vastíssima e é um grande mestre. Muitos poetas aqui da Bahia marcham nos finais de semana para sua casa a fim de se instrumentalizarem. O “home” sabe muito e eu tenho o privilégio da sua amizade. Também escrevi sobre sua obra e de sua lavra eu destaco o poema “Canto do Homem Cotidiano”, do qual trago aqui um excerto: “(...) Por isso eu canto a luta sem memória/ Desse homem que perde, e não se ufana/ De no rosário de derrotas várias/ E de omissões, e condições precárias/ Poder contar com uma só vitória/ Que não se exprime nas mentiras tantas/ Espirradas sem medo das gargantas/ Mas sim no que ele vence sem saber/ E não se orgulha, campeão na história/ Da eterna luta de sobreviver.”
E o que dizer de Bruno Tolentino? Um fora de série total, como poeta e como intelectual. Seu poema que mais me agrada é “Nihil Obstat”, que corre assim:

É preciso que a música aparente
no vaso harmonizado pelo oleiro
seja perfeitamente consistente
com o gesto interior, seu companheiro
e fazedor. O vaso encerra o cheiro
e os ritmos da terra e da semente
porque antes de ser forma foi primeiro
humildade de barro paciente.
Deus, que concebe o cântaro e o separa
da argila lentamente, foi fazendo
do meu aprendizado o Seu compêndio
de opacidades cada vez mais claras,
e com silêncios sempre mais esplêndidos
foi limando, aguçando o que escutara.

Como sou chegado à exegese, também leio alguns críticos, pelos mais variados motivos. Um livro fundamental para se prevenir contra a falta de valores que se alastra pela nossa poesia é “Gênios”, de Harold Bloom. Outro texto imperdível é ”A Arte de Escrever”, do Schopenhauer (a L&PM o lançou em versão de bolso). Também presto muita atenção no que diz Affonso Romano de Sant’Anna. Acho que é o bastante.

domingo, 25 de outubro de 2009

Dez anos sem João cabral de Melo Neto

Villa-Lobos x Eurico Alves

Ontem à tardinha, por uma dessas grandes coincidências, ouvia “Bachianas brasileiras”, do Villa-Lobos, ao passo em que lia confortavelmente um livro de Eurico Alves, baiano de Feira de Santana, brasileiríssimo, quando, ao começar a leitura de um poema intitulado “Asa Negra”, a toccata “O trenzinho caipira” me faz parar a leitura e mergulhar no mar das minhas lembranças, quando ia de Marília para Panorama, sempre de trem, passar parte das minhas férias, na casa de minha Tia Preta. Ao retomar a leitura, voltando os olhos para o livro, qual não foi meu espanto, ao perceber que o poema também versa sobre o mesmo tema do nosso grande músico erudito. Espanto!
Saudade, reminiscências... Tudo isso me fez preparar essa postagem. Espero que gostem, que ouçam o poema, que leiam a música...

ASA NEGRA
Eurico Alves

No côncavo azul da tarde morna,
um sopro cansado, cansado...

E a preguiça sem fim dos lustrosos trilhos luminosos,
flabelando luzentes e lentamente lambendo , lânguidos,
a limpa língua longa da larga lista de limosa lama...

Sob o crespo céu onduloso, a locomotiva que arfa,
que arfa e arfa, suflando e ruflando fogosa o
(fôlego de fogo da fornalha
furiosa, aflando fanhosa e fina...

Rodam rascantes rodas raivosas roendo ruidosamente a terra...
E, depois,
velozes, velozes,
vertiginosas, vertiginosas, vertiginosas,
como largo vôo negro de um pedaço da noite
(que tivesse baixado...

Ah! os meus sentidos mordidos de volúpia!
E os meus nervos e os meus gestos bêbedos, bêbedos de infinito!...

Estas rodas que giravolteiam, estas alavancas
(velocíssimas que alucinam,
são pedaços dos meus músculos, dos meus nervos!...
este vôo doido, um grito de fogo do meu cérebro cantando
e esta vertigem e esta loucura e esta alegria, o ardor
(do meu sangue,
do meu pensamento!

Rolam flácidos fumos fugazes flamulando fartamente
(pelo ar escampo
– estrelas negras, sonoras, imponderáveis –
coroando o misticismo e a melancolia desta tarde minha,
neste fecundo êxtase do meu delíirio, dos meus sentidos, do meu sonho!

E essa grinalda morena de chispas histéricas, no ar,
que desce para a glória moça da minha fronte jovem,
para o tormento super-humano da alucinação
(de não poder voar!...

Como sinto nos meus nervos e nos meus sentidos
(o sonho desta máquina!

Como sinto no meu cérebro a volúpia deste vôo!
(Contorce-se toda no mórbido espasmo metálico desta vertigem
(esta máquina humanizada.)

E, no côncavo roxo da tarde que entorpece,
morre no horizonte broslado de sangue e fogo,
esta volúpia metálica de locomotiva divinamente imensa!

Ligação externa: Artigo do poeta e ensaísta Silvério Duque sobre a obra de Eurico Alves: http://poetasilverioduque.blogspot.com/2009/07/centenario-de-eurico-alves-boaventura.html


Convite para leitura

Convido a todos (as) para conhecerem um artigo de nossa autoria sobre o novo livro do poeta João de Moraes Filho, publicado recentemento na revista eletrônica de cultura e literatura, Verbo 21. Eis o endereço: http://www.verbo21.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=588&Itemid=178

sábado, 24 de outubro de 2009

O Enigma da Poesia (Trecho)

do livro "Esse Ofício do Verso”, de Jorge Luis Borges

Penso que a primeira leitura de um poema é a verdadeira, e depois disso que nos iludimos acreditando que a sensação, a impressão, se repete. Mas, como disse, pode ser mera fidelidade, mero truque da memória, mera confusão entre nossa paixão e a paixão que sentimos uma vez. Portanto, pode-se dizer que a poesia é uma experiência nova a cada vez. Cada vez que leio um poema, a experiência acaba ocorrendo. E isso é poesia. (...) Uma vez escrito, esse verso não me serve mais, porque, como já disse, esse verso me veio do Espírito Santo, do subconsciente, ou talvez de algum outro escritor. Muitas vezes descubro que estou apenas citando algo que li tempos atrás, e isto se torna uma redescoberta. Melhor seria, talvez, que os poetas fossem anônimos. (...) Para concluir, trago uma citação de Santo Agostinho que, a meu ver, vem bem a calhar. Disse ele; “O que é o tempo? Se não me perguntam o que é o tempo, eu sei. Se me perguntam o que é, então não sei”. Sinto o mesmo em relação à poesia.

segunda-feira, 19 de outubro de 2009

Oficina de Cordel

Caríssimos, meu amigo e poeta, cordelista, Jotacê Freitas está com uma iniciativa muito bacana, ele montou um blog sobre a Literatura de Cordel na Bahia. Sugiro a todos que deem uma olhadela e conheçam, pois Jotacê é talentosíssimo, autor de quase uma centena de folhetos e ainda ministra palestras e oficinas de criação.
Prestigiem: http://oficinadecordel.blogspot.com/

domingo, 18 de outubro de 2009

Histórias da Guerra, de Charles Bernstein

Texto de: Diego Braga Norte
Hoje, a poesia não encontra mais ressonância entre leitores. Essa frase e inúmeras variantes similares tornaram-se lugar comum. Raramente [nunca?] vemos livros de poesias figurando nas listas de mais vendidos. Não os vemos nas vitrines de livrarias, nem entre as indicações de leitura. Nos cadernos culturais, há resenhas de livros de culinária, mas não de poesias. Até nas listas de “livros para o vestibular” a poesia está se esvaindo. Por onde ela anda? Quem a lê? Quem as escreve?
Charles Bernstein, americano nascido em Nova York há 58 anos, é um dos autores que lê, escreve e pensa a poesia. “Poetas não fazem parte da cultura de massa e, portanto, não têm a platéia de um filme, de um programa de TV ou de um músico pop. Esta é a natureza do gênero de poesia em nosso tempo: é uma pequena escala, da não-cultura de massa. E talvez esta é a grande vantagem da poesia.”, disse Bernstein em entrevista.
E o caminho trilhado por Bernstein é repleto de inventividade e provocação. Histórias da Guerra (Martins Editora) é o primeiro título do autor no Brasil. A obra é uma compilação de poemas originalmente publicados nos EUA, extraídos dos livros Parsing [Asylum's Press, 1976], The Sophist [Sun & Moon Press, 1987], With Strings [University of Chicago Press, 2001] e, sobretudo, Girly Man [University of Chicago Press, 2006]. O título traz ainda três ensaios de Bernstein, uma breve biografia do autor e uma excelente entrevista concedida, em 2002, para a revista Sibila.
A edição bilíngüe, além de privilegiar os leitores com fluência em inglês, desnuda o processo de tradução do também poeta Régis Bonvicino, responsável pela seleção dos poemas e pelo prefácio da obra.
Apesar do título, a poesia de Bernstein, não é feita de panfletagem política ou proselitismo doutrinário. Seus poemas são instigantes, desafiadores, extremamente articulados com as tendências estéticas modernas da literatura americana do pós-guerra. Desde a preocupação com a forma à escolha meticulosa das palavras, suas construções são cerebrais, mas não perdem o charme. Carregam um lirismo ora truncado, ora escondido, disfarçado em camadas, como uma flor aparentemente bruta que se revela cada vez mais bela e delicada quando apreciada com cautela.
Mesmo que a aparente aspereza de versos em alguns poemas possa denotar formas cifradas e econômicas, o autor refuta o rótulo de hermético. “Eles [os poemas] não possuem significados ocultos ou segredos que você precise decifrá-los. Eu diria que as outras camadas não são tão ‘escondidas’. É como se estivéssemos em um passeio na floresta, se formos devagar, percebemos mais coisas. Eu tento criar poemas que restaurem na linguagem algo dessa selvageria, dessa imensidão. O processo de leitura pode se tornar tanto uma descoberta como um ato de transmissão de conteúdos. Creio que os poemas incentivem – talvez até provoquem – a criação mais do que apenas o consumo imediato. É mais pensamento ativo, em vez de recepção passiva. Pelo menos assim espero”.
Além de poeta, Bernstein é ensaísta e estudioso do assunto. Hoje é professor na Universidade da Pensilvânia, na Filadélfia, mas já lecionou poesia e literatura em outras instituições norte-americana. Em 1978, Bernstein e Bruce Andrews lançaram a revista e o movimento L=A=N=G=U=A=G=E, que se propunha a discutir e disseminar novas estéticas e formas de poesia. Para o autor, tanto a cena mainstream como a cena alternativa estavam carentes de discussões e reflexões.
Como poeta e professor, Bernstein conhece e admira outras vertentes da poesia americana, [aqui no sentido continental da palavra]. Considera o movimento concretista brasileiro como uma influência e paradigma para aqueles interessados na inovação da poesia do século 20. Constatação que, dita por um norte-americano, surpreende. Da mesma maneira que nos surpreendemos ao depararmos, logo no início do livro, com uma tradução de Bernstein para o poema “No meio do caminho”, de Carlos Drummond de Andrade. Para quem não conhecia o instigante trabalho de Bernstein, saber que ele lê, estuda e traduz poesia brasileira é reconfortante – nada há de mais prepotente que um gringo escrevendo do alto de uma torre, ignorando a tudo abaixo da linha do equador.
E ao ler a orelha do livro Histórias da Guerra, notamos que a prepotência pode ser coisa nossa, tão tupiniquim quanto uma jabuticaba. “A poesia de Bernstein acaba por ser vítima, aqui, da resistência ideológica que há contra os ‘ianques’, embora, por ser inovadora, acrescente e abra perspectivas para a poesia brasileira contemporânea”.

quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Meira Delmar: a lírica feminina da Colômbia

Dentre os valores mais substanciosos da lírica feminina colombiana encontramos os versos de Meira Delmar, poetisa do amor e da morte, sempre orientada por um ponto de vista feminino sobre estes temas, imprimindo em seus versos certo aspecto nostálgico, algo que não pode ser. Diz Meira Delmar que o amor em sua poesia possui tons medidos, que não é um amor que grita ou exige, antes é um amor que está sempre indo, em busca.
A poetisa colombiana, grande amiga de Garcia Marquez, confessa que desde muito jovem foi leitora de outras autoras Sulamericanas como Mistral, Storni e Augustini, e que elas podem ter lhe influenciado. Entretanto, percebemos mesmo, que sua lírica possui um acento reconhecidamente próprio, alcançado em silêncio, no próprio fazer poético, que tonifica e modula a sua voz, sem que esta seja devedora a nenhuma outra.
No Brasil, ao que nos parece, apenas o livro “Mundo Mágico: Colômbia”, Edições Bagaço, Pernambuco, 2007, uma antologia da lírica daquele país, organizado e prefaciado por Lucila Nogueira e Floriano Martins, possui poemas de Meira Delmar, o que é extremamente lamentável e prova a quase completa ignorância brasileira sobre a obra de poetas e poetisas da América do Sul.

Morte minha
Tradução de Gustavo Felicíssimo

A morte não é ficar
com as mãos ancoradas
como barcos inúteis
em minhas próprias margens,
nem ter nos olhos,
a sombra da pálpebra
a última paisagem
naufragada em si mesmo.

A morte não é sentir-me
filha na terra obscura
enquanto move a noite
seu gomo de luzeiros,
e move o mar profundo
as naus e os peixes,
e o vento move estios,
outonos e primaveras.

Outra coisa é a morte!

Dizer teu nome uma
e outra vez entre a neblina
sem que tornes o rosto
a meu rosto, é a morte.
E estar de ti distante
quando dizes “A tarde
volta sobre as rosas
como uma asa de ouro”.

A morte é ir apagando
caminhos de regresso
e chegar com minhas lágrimas
a um país sem nós
e é saber que pergunta
meu coração em vão
por tua melancolia.

Outra coisa é a morte.


Muerte mía

La muerte no es quedarme
con las manos ancladas
como barcos inútiles
a mis propias orillas,
ni tener en los ojos,
tras la sombra del párpado
el último paisaje
hundiéndose en sí mismo.

La muerte no es sentirme
fija en la tierra oscura
mientras mueve la noche
su gajo de luceros,
y mueve el mar profundo
las naves y los peces,
y el viento mueve estíos,
otoños, primaveras.

¡Otra cosa es la muerte!

Decir tu nombre una
y otra vez en la niebla
sin que tornes el rostro
a mi rostro, es la muerte.
Y estar de ti lejana
cuando dices "La tarde
vuela sobre las rosas
como un ala de oro".

La muerte es ir borrando
caminos de regreso
y llegar con mis lágrimas
a un país sin nosotros
y es saber qué pregunta
mi corazón en vano
por tu melancolía

Otra cosa es la muerte.

Relação externa: aqui encontra-se uma breve colçetânea da poesia de Meira Delmar
http://www.los-poetas.com/f/delmar1.htm

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Delmira Agustini, a voz feminina do Uruguai

Delmira Agustini (24.10.1886 – 06.07. 1914), nasceu em Montevidéu. Filha de Italianos imigrantes, Agustini foi uma criança precoce. Consta em sua biografia que além de começar a escrever poemas quando ainda tinha 10 anos, estudou francês, música e pintura. Apesar de ter falecido muito cedo, assassinada sobre sua própria cama, com apenas 28 anos, ainda é considerada como uma das maiores poetas latino-americanos do sexo feminino. Faz parte da geração de 1900, juntamente com Julio Herrera y Reissig, Leopoldo Lugones e o grande Rubén Darío, a quem ela considerava seu professor. Naquele período, Darío, referindo-se à Agustini, afirma ter sido ela a única escritora mulher, desde Santa Teresa D’avila, a expressar-se como uma mulher, o que era mesmo um grande diferencial devido toda uma conjuntura machista existente.
Ela se especializou no tema da sexualidade feminina em uma época em que o mundo literário era dominado pelos homens. Seu estilo de escrita é considerado o melhor da primeira fase modernita, com temas baseados em fantasia e exotismos.
Eros, deus do amor, simboliza o erotismo e é a inspiração para os poemas Agustinianos sobre prazeres carnais. Ele é o protagonista de muitas das suas obras literárias. Seu terceiro livro, “Los Calices Vacíos” (Cálices vazios), em 1913, foi aclamado como a sua entrada para um novo movimento literário, "La Vanguardia" (A Vanguarda).
Agustini tinha olhos azuis, pele clara e uma figura esguia. Alguns amigos testemunharam que ela parecia um anjo inocente.
O amor incondicional e arrogante levou-a a temas de submissão e de charme, assim como imagens eróticas altamente espiritualizadas.

Delmira Agustini publicou as seguintes obras: El Libro Blanco (1907), Cantos de la Mañana (1910), Los Cálices Vacíos (1913), El Rosario de Eros (1913), Los Astros del Abismo (1924). No Brasil tem publicado “Líricas”, edição bilíngüe, Desterro, SC, Edições Nephelibata, 2005. Tradução de Gleiton Lentz


O INTRUSO
Traduzido por Anderson Braga Horta

Amor, naquela noite trágica e soluçante
Cantou tua chave de ouro em minha fechadura;
E logo, a porta aberta sobre a sombra arrepiante,
Te vi como uma mancha de luz e de brancura.

Tudo me iluminaram teus olhos de diamante;
Beberam-me na taça teus lábios de frescura,
Na almofada pousaste-me a cabeça fragrante;
Amei-te o atrevimento e adorei-te a loucura.

E hoje rio se ris e canto se tu cantas;
Se dormes, durmo como um cão a tuas plantas!
Na própria sombra levo a tua recendente

Primavera; e, se a mão tocas na fechadura,
Tremo e bendigo a noite que -soluçante e escura-
Floriu na minha vida tua boca amanhecente.


EL INTRUSO

Amor, la noche estaba trágica y sollozante
Cuando tu llave de oro cantó en mi cerradura;
Luego, la puerta abierta sobre la sombra helante,
Tu forma fue una mancha de luz y de blancura.

Todo aquí lo alumbraron tus ojos de diamante;
Bebieron en mi copa tus labios de frescura,
Y descansó en mi almohada tu cabeza fragante;
Me encantó tu descaro y adoré tu locura.

Y hoy río si tú ríes y canto si tú cantas;
Y si tú duermes duermo como un perro a tus plantas!
Hoy llevo hasta en mi sombra tu olor de primavera.

Y tiemblo si tu mano toca la cerradura,
Y bendigo la noche sollozante y oscura
Que floreció en mi vida tu boca tempranera!


O INEFÁVEL
Tradução de Henriqueta Lisboa

Morro de estranho mal. Não, não me mata a vida
a morte não me mata e nem me mata o amor.
Morro de um pensamento mudo como ferida.
Não sentiste jamais aquela estranha dor

de um pensamento imenso enraizado à vida
devorando alma e carne e não alcança a dar flor?
Nunca levastes dentro uma estrela dormida
por inteiro a abrasar-vos sem nenhum fulgor?

Cúmulo dos martírios! Levar eternamente
desgarradora e seca a trágica semente
como um dente feroz que as entranhas corroeu.

Mas arrancá-la em flor que amanhecera um dia
milagrosa e ideal — ah! maior não seria
do que ter entre as mãos a cabeça de Deus.

O INEFABLE

Yo muero extrañamente... No me mata la Vida,
no me mata la Muerte, no me mata el Amor;
muero de un pensamiento mudo como una herida,
¿No hábeis sentido nunca el extraño dolor

de un pensamiento inmenso que se arraiga en la vida,
devorando alma y carne, y no alcanza a dar flor?
¿Nunca llevasteis dentro una estrella dornida
que os abrasaba enteros y no daba un fulgor?

İCumbre de los Martirios! ... İLlevar eternamente,
desgarradora y árida, la trágica simiente
clavada en las entrãna como un diente feroz!

Pero arrancarla un día en una flor que abriera
milagrosa, inviolable... İAh, más grande no fuera
tener entre las manos la cabeza de Dios!

Ligação externa:
http://www.patriagrande.net/uruguay/delmira.agustini/index.html

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Alfonsina Storni, a voz feminina da Argentina

Sempre fico impressionado com a ignorância da maioria dos poetas brasileiros que conheço quando falamos sobre vozes femininas na poesia sulamericana. Por isso esses posts, primeiramente sobre Gabriela Mistral, depois Banca Varela, e agora Alfonsina Storni.

Apesar de nascida na Suiça, não há como negar que, como poeta, Alfonsina Storni é argentina. Aliás, uma das suas principais vozes até hoje. Alfonsina emigrou com seus pais para San Juan, em 1896, Em 1901, muda-se novamente, dessa vez para Rosário, onde, segundo sua biografia, teve uma vida com muitas dificuldades financeiras, tendo trabalhado para o sustento da família como costureira, operária, atriz e professora.
A descoberta de câncer no seio, em 1935, e o suicídio de um amigo, o também escritor Horácio Quiroga, em 1937, abala-a profundamente. Em 1938, três dias antes de se suicidar, envia de um hotel de Mar del Plata para um jornal, o soneto “Voy a Dormir”. Suicidou andando para dentro do mar. Seu corpo foi resgatado do oceano no dia 25 de Outubro de 1938. A poeta tinha 46 anos. A belíssima canção "Alfonsina y el mar", de Ariel Ramirez e Félix Luna foi gravada por Mercedes Sosa.

Diante do mar, de Alfonsina Storni
Tradução de José Agostinho Baptista

Oh, mar, enorme mar, coração feroz
de ritmo desigual, coração mau,
eu sou mais tenra que esse pobre pau
que, prisioneiro, apodrece nas tuas vagas.

Oh, mar, dá-me a tua cólera tremenda,
eu passei a vida a perdoar,
porque entendia, mar, eu me fui dando:
"Piedade, piedade para o que mais ofenda".

Vulgaridade, vulgaridade que me acossa.
Ah, compraram-me a cidade e o homem.
Faz-me ter a tua cólera sem nome:
já me cansa esta missão de rosa.

Vês o vulgar? Esse vulgar faz-me pena,
falta-me o ar e onde falta fico.
Quem me dera não compreender, mas não posso:
é a vulgaridade que me envenena.

Empobreci porque entender aflige,
empobreci porque entender sufoca,
abençoada seja a força da rocha!
Eu tenho o coração como a espuma.

Mar, eu sonhava ser como tu és,
além nas tardes em que a minha vida
sob as horas cálidas se abria...
Ah, eu sonhava ser como tu és.

Olha para mim, aqui, pequena, miserável,
com toda a dor que me vence, com o sonho todos;
mar, dá-me, dá-me o inefável empenho
de tornar-me soberba, inacessível.

Dá-me o teu sal, o teu iodo, a tua ferocidade,
Ar do mar!... Oh, tempestade! Oh, enfado!
Pobre de mim, sou um recife
E morro, mar, sucumbo na minha pobreza.

E a minha alma é como o mar, é isso,
ah, a cidade apodrece-a engana-a;
pequena vida que dor provoca,
quem me dera libertar-me do seu peso!

Que voe o meu empenho, que voe a minha esperança...
A minha vida deve ter sido horrível,
deve ter sido uma artéria incontível
e é apenas cicatriz que sempre dói.

Ligações externas:

Neste link se encontra alguns dos poemas de maior relevância da autora:
http://www.vivir-poesia.com/2003/01/alfonsina-storni-2/

Aqui algumas traduções para o português:
http://luizfelipecoelho.multiply.com/journal/item/573/Oito_poemas_de_Alfonsina_Storni_1892-1938

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Gracias a la vida, por La Negra, Mercedes Sosa (09.06.1935 – 04.10.2009)



Composição: Violeta Parra
(percebam que a letra toda é composta em decassílabos perfeitos)

Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me dió dos luceros que cuando los abro
Perfecto distingo lo negro del blanco
Y en alto cielo su fondo estrellado
Y en las multitudes el hombre que yo amo
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado el oído, que en todo su ancho
Traba noche y dia grillos y canarios
Martirios, turbinas, ladridos, chubascos
Y la voz tan tierna de mi bien amado
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado el sonido y el abecedario
Con él las palabras que pienso y declaro
Madre, amigo, hermano y luz alumbrando
La ruta del alma del que estoy amando
Gracias a la vida,que me ha dado tanto
Me ha dado la marcha de mis pies cansados
Con ellos anduve ciudades y charcos
Playas y desiertos, montañas y llanos
Y la casa tuya, tu calle y tu patio
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me dió el corazón que agita su marco
Cuando miro el fruto del cerebro humano
Cuando miro el bueno tan lejos del malo
Cuando miro el fondo de tus ojos claros
Gracias a la vida, que me ha dado tanto
Me ha dado la risa y me ha dado el llanto
Así yo distingo dicha de quebranto
Los dos materiales que forman mi canto
Y el canto de ustedes que es el mismo canto
Y el canto de todos que es mi propio canto

domingo, 4 de outubro de 2009

A grande dama da poesia peruana

Tenho a impressão que Blanca Varela está para a poesia peruana assim como Gabriela Mistral está para a poesia chilena e Cecília Meirelles para a brasileira, em um patamar destacado, devido, sobretudo, pelo grande senso de humanidade impresso em sua obra, fortemente influenciada pelas correntes surrealistas do pós-guerra.

Nacida en Lima, 1926, muito jovem ingressou na Universidade de São Marcos para estudar Letras e Educação, onde conquistou a amizade de importantes intelectuais da época. Em 1949 se radicou em Paris, onde conheceu Octávio Paz, que foi determinante em sua carreira literária introduzindo-a no círculo de intelectuais latinoamericanos e espanhóis radicados na França.
Posteriormente viveu em Florença e Washington, onde se dedicou, principalmente, à traduções. Em 1959 publicou seu primeiro livro, “Esse porto existe”, “Luz do dia”, em 1963, e “Valsas e outras confissões”, 1971. Mais tarde, em 1978, publicou “Canto vilão”, a primeira recompilação de sua escrita. A antologia definitiva de sua obra, de 1949 a 1998, foi publicado sob o título “Como Deus no nada”.
Obteve o prêmio Octávio Paz de Poesia e ensaio, 2001, o Prêmio Cidade de Granada, 2006, e os prêmios García Lorca e Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana, em 2007. Faleceu na cidade de Lima, em Março de 2009.

CANTO VILÃO
Tradução de Gustavo Felicíssimo

e de pronto a vida
em meu prato de pobre
um magro pedaço de celeste porco
aqui em meu prato

observar-me
observar-te
ou matar a mosca sem malícia
aniquilar a luz
ou fazê-la

fazê-la
como quem abre os olhos e eleje
um céu farto
no prato vazio

rubens cebolas lágrimas
mais rubens mais cebolas
mais lágrimas

tantas histórias
negros indigeríveis milagres
e a estrela do oriente

emparedada
e o osso do amor
tão roído e tão duro
brilhando em outro prato

esta fome própria
existe
é a gana da alma
que é o corpo

é a rosa de gordura
que envelhece
em seu céu de carne

mea culpa olho turvo
mea culpa negro bocado
mea culpa divina náusea

não há outro aqui
neste prato vazio
senão eu
devorando os meus olhos
e os teus


CANTO VILLANO

y de pronto la vida
en mi plato de pobre
un magro trozo de celeste cerdo
aquí en mi plato

observarme
observarte
o matar una mosca sin malicia
aniquilar la luz
o hacerla

hacerla
como quien abre los ojos y elige
un cielo rebosante
en el plato vacío

rubens cebollas lágrimas
más rubens más cebollas
más lágrimas

tantas historias
negros indigeribles milagros
y la estrella de oriente

emparedada
y el hueso del amor
tan roído y tan duro
brillando en otro plato

este hambre propio
existe
es la gana del alma
que es el cuerpo

es la rosa de grasa
que envejece
en su cielo de carne

mea culpa ojo turbio
mea culpa negro bocado
mea culpa divina náusea

no hay otro aquí
en este plato vacío
sino yo
devorando mis ojos
y los tuyos.

(De “Canto Villano”, 1972-1978)

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

A grande dama da poesia chilena

Quando pensamos em poetas chilenos o primeiro nome que vem à mente é o de Pablo Neruda, pois sua popularidade, favorecida em partes pela propaganda comunista, colocou sob cortinas o de Gabriela Mistral, a responsável pelo primeiro Nobel de Literatura da América do Sul, em 1945. Seu nome verdadeiro era Lucila Godoy Alcayaga. Adotou o nome de Gabriela em homenagem ao poeta italiano Gabriele D’Annunzio, e, Mistral como forma de expressar sua admiração pelo poeta provençal Frederic Mistral.
Em 1907, seu noivo suicidou-se, fato que marca toda a sua vida e obra. Gabriela nunca se casou, findando por dedicar sua vida ao trabalho. Entre outras funções, foi Consulesa do Chile em diversos países, inclusive no Brasil, em 1940, sendo mais tarde designada como Consulesa geral em nosso país.
Em 1914, venceu seu primeiro concurso literário no Chile com os famosos Sonetos de la Muerte; em 1922 publica seu primeiro livro de poesias, “Desolación”; este livro contém o poema Dolor, no qual fala da perda do amado. A este se seguem outros, entre eles destacamos “Ternura” (1924), “Tala” (1938) e “Lagar” (1954).
Imagens singulares emergem em sua lírica, onde se expressa com intensidade e consciência inconfundíveis. Convivem em seus escritos sentimentos antagônicos que bem se equilibram: a ardência e a quietude, o amor e a solidão, a vida e a morte.

Sonetos da morte

Do nicho gelado em que os homens te puseram,
Abaixarei-te à terra humilde e ensolarada.
Que hei de dormir-me nela os homens não souberam,
que havemos de sonhar sobre o mesmo travesseiro.

Deitarei-te na terra ensolarada com uma
doçura de mãe para o filho dormido,
e a terra há de fazer-se suave como berço
ao receber teu corpo de criança dolorido,

Logo irei polvilhando terra e pó de rosas,
e na azulada e leve poeira da lua,
os despojos levianos irão ficando presos.

Afastarei-me cantando minhas vinganças formosas,
porque a essa profundidade oculta a mão de nenhum
abaixará a disputar-me teu punhado de ossos!

II
Este longo cansaço se fará maior um dia,
e a alma dirá ao corpo que não quer seguir
arrastando sua massa pela rosada via,
por onde vão os homens, contentes de viver...

Sentirás que a teu lado cavam briosamente,
que outra dormida chega a quieta cidade
Esperarei que me hajam coberto totalmente...
e depois falaremos por uma eternidade!

Só então saberás o porque não madura
para as profundas ossadas tua carne ainda,
tiveste que abaixar, sem fadiga, a dormir.

Fará-se luz na zona das sinas, escura:
saberão que em nossa aliança signo de astros havia
e, quebrado o pacto enorme, tinhas que morrer...

III
Más mãos tomaram tua vida desde o dia
em que, a um sinal de astros, deixara seu viveiro
nevado de açucenas. Em gozo florescia.
Más mãos entraram tragicamente nele...

E eu disse ao Senhor: - "Pelas sendas mortais
Levam-lhe. Sombra amada que não sabem guiar!
Arrancá-lo, Senhor, a essas mãos fatais
ou lhe afundas no longo sonho que sabes dar!

Não lhe posso gritar, não lhe posso seguir!
Sua barca empurra, um negro vento de tempestade.
Retorná-lo a meus braços ou lhe ceifas em flor ".

Deteve-se a barca rosa de seu viver...
Que não sei do amor, que não tive piedade?
Tu, que vais a julgar-me, o compreendes, Senhor!

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Adelmo Oliveira no Conexão Maringá

Convido os amigos para conhecerem um artigo que escrevi sobre a poesia de Adelmo Oliveira e entrevista no Coxexão Maringá, ótimo site sobre literatura mantido por Valéria Eik. Eis o endereço: www.conexaomaringa.com