quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Crônica - Alberto da Cunha Melo

Vindo a pé, da rua do Imperador para o edifício onde moro, na Av. Manoel Borba, todo um poema elaborei do princípio, meio ao fim. E pensei registrá-lo no papel quando chegasse em casa. No meio do caminho, algo, talvez mais importante do que esse poema só mentalizado, o dissolveu no ar. Isso tem acontecido frequentemente: vivo escrevendo, nos últimos meses, muitos poemas no ar. Como desculpa amarela de um poeta mediano, com um nível apenas suportável de leitura, eu poderia dizer que esses poemas, dissolvidos no ar, talvez fossem minhas únicas obras primas. Como sabem, não estou falando em poemas que a gente escreve, numa mesa, e perde depois entre papéis jogados no lixo. Estou falando naqueles poemas vivos, que a gente escreve na mente, andando, andando, pelas ruas do Recife, por falta de dinheiro e de método e que a realidade, mais forte do que eles, com um simples sopro, os dissolve no ar. Ah, poemas que não conseguiram chegar em casa, como os vivi, como os amo assim, só com sua lembrança, uma palavra; às vezes, nem isso: só um sentimento indefinido. A todos vocês, poemas não escritos, eu os saúdo no dia de hoje, um dia bom, muito bom para mim: dez por cento de agonia a menos do que o dia de ontem.

Recife, 7/11/83

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