quarta-feira, 29 de julho de 2009

Canto dos Emigrantes - Alberto da Cunha Melo

Alberto da Cunha Melo, como todo grande poeta, possuía um espelho interior que lhe servia de parâmetro. Escrever para enxergar melhor o mundo e por necessidade da alma, não por fetiche. Prova desta nossa afirmação é "Canto dos Emigrantes", poema que aos poucos vai se configurando em um clássico da poesia brasileira. "Canto dos Emigrantes", segundo Cláudi Cordeiro, esposa e musa do poeta, possui duas versões musicais e a performance de Lirinha (Cordel do Fogo Encantado) que leva multidões ao delírio. Foi escolhido para duas antologias importantes e pertence ao livro "Noticiário", um marco na poesia brasileira.

Com seus pássaros
ou a lembrança de seus pássaros,
com seus filhos
ou a lembrança de seus filhos,
com seu povo
ou a lembrança de seu povo,
todos emigram.
De uma quadra a outra
do tempo,
de uma praia a outra
do Atlântico,
de uma serra a outra
das cordilheiras,
todos emigram.

Para o corpo de Berenice
ou o coração de Wall Street,
para o último templo
ou a primeira dose de tóxico,
para dentro de si
ou para todos, para sempre
todos emigram.
O livro "Noticiário" está disponibilizado gratuitamente para download. Segue o endereço para quem quiser baixá-lo: http://www.scribd.com/doc/2539077/Noticiario

terça-feira, 28 de julho de 2009

Outro soneto azul - Bernardo Linhares

Alegria

Para Luzia e J. Veloso

Tecendo e penetrando a nova aurora
a lua nova ainda devaneia.
Além da vela, vibra a flor da flora.
O azul cavalga o dorso da sereia.

Nascendo rosa em toda a passiflora,
fulge o amarelo num bailado belo.
O verde inflama crispações de aromas.
O azul cavalga o dorso da sereia.

E com a alegria que fascina o vinho
a brisa afaga tudo em canto fino.
E quando a cor do mar der cambalhotas,

mostrando sobre as águas seu sorriso,
a vida segue a trilha da beleza,
no mais azul de todos os delírios.

sábado, 25 de julho de 2009

Três sonetos azuis

Há poucos dias um amigo me enviou um soneto azul. Logo me vieram o nome de outros poetas que também haviam escrito poemas com esse contorno. O mais conhecido, sem dúvida, é Carlos Pena Filho. Trago aqui outros dois, os baianos Sosígenes Costa e Plínio de Almeida. Espero que gostem.

Soneto do desmantelo azul
Carlos Pena Filho

Então, pintei de azul os meus sapatos
por não poder de azul pintar as ruas,
depois, vesti meus gestos insensatos
e colori, as minhas mãos e as tuas.

Para extinguir em nós o azul ausente
e aprisionar no azul as coisas gratas,
enfim, nós derramamos simplesmente
azul sobre os vestidos e as gravatas.

E afogados em nós, nem nos lembramos
que no excesso que havia em nosso espaço
pudesse haver de azul também cansaço.

E perdidos de azul nos contemplamos
e vimos que entre nós nascia um sul
vertiginosamente azul. Azul.

Soneto azul
Plínio de Almeida

Sonho azul, vestido em azul celeste,
e que desce do céu de azul-turquesa,
peço ao mar azul que venha e me empreste
estro para eu cantar tua beleza.

Se de azul a montanha se reveste
sob a pompa do azul da natureza
que, fluidificada em azul, investe
os paços azulinos da tristeza,

penso na graça azul do teu sorriso
e através dele o céu azul transponho,
e entre flores azuis eu te diviso.

Vestes no céu um manto azul-safira,
e me beijas, amor, somente em sonho,
sonho feito de azul, de azul-mentira.

Pavão azul
Sosígenes Costa

No jardim do castelo desse bruxo
d’asas d’ouro e olhos verdes de dragão,
tu és à beira de um lilás repuxo
um grande lírio de ouro e de açafrão.

Transformado em pavão por esse bruxo,
vivo te amando em tardes de verão,
dentre as rosas e os pássaros de luxo
do jardim desse bruxo castelão.

Tenho medo que um dia o jardineiro...
Mas nunca estou bem certo, do canteiro
há de colher-te, oh minha flor taful!

Porque ele sabe que em manhã serena
não suportando a ausência da açucena,
há de morrer este pavão azul.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Piligra: a revelação de um ótimo poeta

Quando nos propomos a falar sobre a “poesia” enquanto um “problema” ou ainda sobre “o problema da poesia”, o senso comum quase que de imediato se mostra perplexo, num misto de estranheza e sarcasmo. Desde quando a poesia é um problema? Existe de fato relevância nesse tema? São questionamentos não raros e maculados pelo conhecimento comum, que tende a ver as coisas de forma periférica, como quem vê apenas a ponta de um iceberg e julga, ingenuamente, conhecê-lo em sua totalidade, considerando, portanto, desnecessário depreender esforço reflexivo sobre ele.
Contribui para isso o fato de que o conceito de poesia se tornou tão amplo que acabou por comprometer a identidade do poema e também do poeta. Sobre isso podemos dar um exemplo clássico: não raro encontramos letristas de música popular sendo chamados de poeta e suas “letras musicais” sendo levadas à sala de aula por professores para serem estudadas como se fossem poemas. Um absurdo.
Faço esse preâmbulo, nada mais, nada menos, para lhes mostrar um poeta de verdade, sensitivo e lírico, um cara que faz jus ao título de poeta, pois valoriza a poesia com sua produção, tornando-a acessível dentro de uma forma modelar, dentro da qual molda seu canto e que somente néscios ou ignorantes não creditam valor. Falo de Lourival P. Piligra Júnior, ou, simplesmente, Piligra. Nascido em Itabuna, BA, é professor universitário, possui Mestrado em filosofia pela UFPB (Universidade Federal das Paraíba).
Piligra elegeu o soneto como sua principal fonte de expressão. Como se não bastasse, é o alexandrino trímetro o verso de sua predileção. Esse tipo de verso, normalmente solene, foi transformado pelo poeta em algo extremamente revelador, onde utiliza uma linguagem coloquial marcada por tônicas fortes, concebendo um verso extremamente musical, aproximado mesmo da canção, mas sem extrapolar o limite do verso.
Considera-se um trímetro perfeito o verso que, mesmo possuindo cesura nas sílabas 4/8/12, também contempla a sexta sílaba, formando assim, dois hemistíquios de seis sílabas. Por eliminar a cesura na sexta sílaba, o trímetro de Píligra é considerado pelos estudiosos como imperfeito, mas é justamente por isso e também pelo bom andamento que possui seus versos que ele consegue aquela aproximação com a canção.
O que nos parece um absurdo em sua produção é que o poeta, ainda inédito, já possui mais de dois mil poemas escritos, muitos deles belíssimos. Em sua estadia de aproximadamente 60 dias na Alemanha, compôs, acreditem, sessenta haicais e duzentos sonetos. Mas esse é um assunto demorado, adequado para outra postagem.

Dois poemas de Piligra

Um Beija-flor

um beija-flor pousou na minha poesia
com sutileza como um anjo iluminado,
seu olhar divino me deixou impressionado
- doce metáfora de um verso à luz do dia...

o beija-flor ficou me olhando ali parado,
simples paisagem da mais pura fantasia,
seu olhar de flor brilhou com força e alegria
- jardim suspenso, no meu verso eternizado...

um beija-flor pousou seus pés de sutileza
na minha alma de poeta embrionário,
um filme lírico de amor e de beleza,
tela compondo, como um conto, o meu cenário...

- o beija-flor agora sonha que é um canário
e canta hinos pra alegrar minha tristeza!


Concepção

Para Graciete, Bárbara e Elisandra


eu já concebo o verso assim metrificado
como arquiteto que planeja um edifício
na exatidão do prumo reto e equilibrado
sem perguntar se isto é fácil ou é difícil!

eu já concebo a rima assim – intercalada,
numa urdidura trabalhosa e singular –
puxando o fio de cada sílaba marcada
pelo tecido de uma métrica “sem par”!

eu já concebo o meu soneto alexandrino
(como a matriz de uma equação vetorial)
fazendo cálculo semântico e verbal,

com meu compasso atrapalhado de menino!
eu já concebo o meu poema ornamental
como operário que dá forma ao que é divino!

terça-feira, 21 de julho de 2009

50 anos de Aleilton Fonseca

Caríssimos, hoje, 21 de Julho, é o aniversário de Aleilton Fonseca, um dos bons companheiros e incentivador que possuo dentro da literatura na Bahia. Ele está comemorando 50 anos de idade. Que beleza!

Poeta, cronista, contista e romancista, faz parte da Academia de Letras da Bahia e também é professor universitário, com doutorado em Letras, pela USP. Trata-se de um escritor que já conquistou seu lugar na história da literatura baiana e quer mais, com certeza.

Desejamos a ele muito sucesso, paz, saúde, felicidade e enormes realizações.

Abaixo, um artigo que escrevi sobre sua poesia e também uma entrevista recente que fiz com ele.
Sugiro a visita a este blog:
www.aleilton.blogspot.com

O homem cria a poesia, a poesia recria o homem
ou A poética existencialista de Aleilton Fonseca


O homem cria a poesia, a poesia recria o homem. É dessa forma que podemos olhar para a poética existencialista de Aleilton Fonseca, um grapiúna de Firmino Alves que passou a infância e a adolescência entre Ilhéus e Uruçuca. Aleilton reside em Salvador desde 1996 e sempre fez do estudo ligado à literatura o seu pão de todo dia, pois para ele a literatura é uma sentença de vida; uma forma eficaz de conhecer profundamente o ser humano.
Membro da Academia de Letras da Bahia e Doutor em Letras pela USP, Aleilton é professor do curso de Letras da UEFS (Universidade Estadual de Feira de Santana), fundador e co-editor da revista de arte e cultura “Iararana”, se notabilizou como contista e nessa área publicou “Jaú dos bois e outros contos” (1997); “O desterro dos mortos” (2001); “Canto de Alvorada” (2003) e o formidável Nhô Guimarães (2006), um romance de contista, segundo o próprio autor, concebido como uma homenagem ao escritor João Guimarães Rosa no cinqüentenário de Grande Sertão: Veredas. No entanto seus três primeiros livros foram todos de poesia: “Movimento de sondagem” (1981); “O espelho da consciência” (1984) e “Teoria particular (mas nem tanto) do poema – ou poética feita em casa” (1994).
Alguns poemas desses três primeiros livros formam, juntamente com outros inéditos ou publicados de forma avulsa, o opúsculo “As formas do barro e outros poemas” (2006), uma seleta que comemora os seus 25 anos no fazer poesia e que nos dá uma boa idéia dos elementos que a compõem.

Há na poesia de Aleilton Fonseca uma tensão entre o clássico e o moderno, um querer embriagar-se que sabe dos perigos de tal atitude, por isso mantém um pé na tradição e outro na contemporaneidade, estabelece uma ordem entre o presente e o passado, dentro de uma forma modelar, reflexo da incerteza de um futuro frente ao presente fragilizado, explicitado no poema “Sondagem”:

No exercício da palavra
ressuscito de meus naufrágios
e construo novos barcos.

Encho-os de sorriso
que satisfazem aos desavisados.

E, pois, sol após sol,
singro o mar que não sei
e adio o suicídio
que nunca cometerei.

Quando possuímos alguma qualidade literária podemos evocá-la por precisarmos reconhecer nossa capacidade, concisão, graça ou leveza. Podemos, assim, estar fortalecidos no momento de utilizá-la em benefício da nossa poesia sem que seja necessário buscar um exemplo de boa aplicação em outros autores, de modo contrário nos tornamos imitadores baratos dos nossos pares ou daqueles que nos precederam. Assim, Aleilton expõe suas leituras e ousa misturar alquimicamente algo da poesia concreta de Décio Pignatari com os preceitos modernistas dos escritores da Semana de Arte de 1922 no poema “Consumatum est”:

Compre: beba, coma, vista
pegue, passe, pague, gaste-se
entre, coma, entre em coma
vista bacana, beba bacana
babe, beba, gaste a grana
compre linha, linho, lã.

(...) Cheque o seu cheque e mate-se:
impreste-se, suco ou muco,
ao consumo, à soma, avaro,
consuma-se de vez em vão,
corra, suma pelo ralo, morra,
mas ainda compre: um caixão.

Ousadia que se alicerça no domínio da linguagem, do ritmo, da estética e na maturidade de um autor que conhece e reconhece as montanhas do seu tempo, as respeita, e as homenageia como no poema “Canto de água preta”, onde o poeta brinca com o nome de outro bardo grapiúna, Florisvaldo Mattos:

(...) É um canto de verdes passagens
com flores, vau do (rio e) matos,
às sombras frias dos cacauais,
com seu corpo de ventos e regatos
e vozes de almas vivas e vendavais.

Os poemas apresentados até aqui, bem como todos aqueles inseridos em “As formas do barro e outros poemas”, obviamente, possuem autonomia enquanto unidade rítmica e semântica, mas estão incluídos em um conjunto, um projeto que mostra a cosmovisão do autor interessado pela essência poética, revelando que um poema não é apenas um fenômeno de linguagem, mas também de idéias. Prova disso é o destaque que tem as críticas em relação ao comportamento da nossa sociedade e a metaposeia em sua obra. Sobre este último exemplo, vários poemas poderiam ser destacados, inclusive o que dá título ao livro, porém, preferimos eleger outro, o poema “Manifesto”, que também poderia se chamar “Profissão de fé”, título de um poema de Olavo Bilac que traz em si o mesmo tom confessional que este de Aleilton:

Se contenho
o impulso da minha palavra
não sobrevivo à mudez:

Palavra é vida.

Se as armas capitulam
às amarras do dia-a-dia,
sangram ante ao fio do cutelo;

Mãos atadas; mãos decepadas.

Se as veias não veiculam
a brasa do sentimento,
sucumbem ao gelo da vida pedra.

Nada mais resta
senão fazer-se vida.

Enfim, estamos diante de um poeta consumado, alguém que, nos últimos 11 anos, a despeito de quase haver trabalhado contra a divulgação de seus próprios poemas, não conseguiu abandonar a poesia, ou ser abandonado por ela, disse o jornalista, crítico literário e poeta Ricardo Vieira Lima, prefaciador do livro aqui apresentado.

ENTREVISTA COM ALEILTON FONSECA

Gustavo Felicíssimo – Para você, Aleilton, quais podem ser as chaves de acesso à poesia?
Aleilton Fonseca
– O acesso à poesia se dá por dois fatores iniciais. Primeiro, por indução e incentivo à leitura, através de recomendações de um leitor mais experiente, sejam pais, parentes, amigos, professores. Depois, esse acesso se dá através da sensibilidade pessoal, quando a própria pessoa, uma vez iniciada na leitura de poemas, vai fazendo suas descobertas e ampliando paulatinamente a sua experiência de leitura e de compreensão de obras e autores, tornando-se um leitor cada vez melhor. Nem todas as pessoas se identificam com a natureza do texto lírico, embora algumas vezes na vida possam experimentar momentos de percepção e fruição poéticas. Gostar de ler é uma tendência que precisa ser estimulada. Gostar de ler poesia é uma vocação rara, quase um dom; um sopro de uma sensibilidade especial. O acesso à poesia é misterioso; exige uma conjugação de sensibilidade, inteligência e capacidade de percepção para além do lógico, prosaico e cotidiano.

GF – Em um ensaio muito bonito e útil, você reflete sobre a situação do poeta na sociedade contemporânea, onde afirma que "o poeta moderno vive uma situação de deslocamento". Estamos, definitivamente, condenados a estar fora de contexto?
AF
– Na antiguidade clássica, Platão expulsou o poeta da República, por uma questão filosófica. Como produtor de um discurso metafórico e imagístico, ele é "deslocado" da pólis, lugar de convívio dos homens práticos, senhores do discurso da ordem e dos saberes racionais. Na modernidade capitalista ocidental, o poeta foi expulso da metrópole por uma questão econômica. Como produtor de um discurso que se recusa a ser mercadoria, ele é "deslocado" do oikos¸ lugar de convívio dos homens práticos, donos do discurso da ordem e da produtividade de bens de consumo de massa. No entanto, em sua condição de deslocado, ou seja, fora de lugar, o poeta pode observar o mundo, com distanciamento e amplitude de visão, transformando sua experiência e vivências em discurso, numa linguagem de enunciação crítica da pólis moderna e contemporânea. Sua condenação é, semelhante àquela de Sísifo, rolar a pedra da poesia até o ponto mais alto possível da consciência humana. E recomeçar sempre a mesma jornada, repetindo os discursos da poesia moderna na contra-mão da própria modernidade.

GF – A poesia é a legítima defesa do poeta?
AF –
A poesia é a legítima defesa e a condenação do poeta. Se perder a voz poética, ele pode entrar em sofrimento existencial. Anula-se, tornando-se um ser comum, em meio à multidão sem rosto. Por outro lado, o exercício da poesia o torna um ser marcado, para quem os homens práticos olham com desconfiança e disfarçada comiseração.

GF – Que relações você percebe estabelecer entre a sua obra em prosa e a sua poesia?
AF
– A princípio, prosa e poesia são diferentes modos de produzir linguagem literária; mas já não se repelem entre si; ao contrário, muitas vezes se juntam, amalgamam-se, na poesia prosaica, na prosa poética, na narrativa lírica, no poema narrativo. Na modernidade, definitivamente a prosa e a poesia fizeram as pazes; uma convoca a outra para andarem juntas nos textos. Tanto na poesia como na prosa, eu penso que sou um autor que parte de leituras da tradição moderna para dizer algo novo numa linguagem ao mesmo tempo trabalhada e acessível, simples e comunicativa. Quero ser simples, sem ser simplório. Meu objetivo não é complicar; mas sim encantar e impressionar o leitor. Mesmo que isso o incomode um pouco. Literatura é um diálogo cifrado à distância, no tempo e no espaço. O escritor escreve o que pensa e sente estar escrevendo; o leitor lê o que pensa e sente estar lendo. Cada qual forja seu texto, sua leitura, sua compreensão pessoal e intransferível do texto e da vida. O que lemos e sentimos, hoje, no texto de Dante, será o mesmo que ele pensou e sentiu ao escrever? Não, definitivamente não. Literatura é este mistério simples e insondável.

GF – Machado de Assis foi um bom poeta, porém seus contos e romances são extraordinários, o que fez os seus poemas serem relegados a um segundo, e até terceiro plano pela crítica e também pelos seus leitores. Dada a aceitação da sua obra em prosa por parte da crítica, leitores e mercado, você crê que isso também pode acontecer com os seus poemas?
AF
– Em primeiro lugar, é impossível comparar um nome altamente consagrado, como Machado de Assis, com um simples autor contemporâneo. Mas, na verdade, tudo tem sua contrapartida lógica e necessária. Talvez até por causa desse relativo esquecimento, acaba de sair uma esmerada edição das poesias completas de Machado de Assis, por uma grande editora. Assim, os leitores são convidados e provocados a ler sua poesia. Ora, as circunstâncias também fazem o escritor. A ficção, sobretudo o romance, tem muito mais atenção das editoras, dos críticos e do mercado. Se o poeta escreve um romance, ou mesmo um livro de contos, tem mais chance de editar, crescer, ganhar algum dinheiro de direitos autorais. Se ele diz ao editor que tem um livro de poemas, recebe uma resposta lacônica e evasiva. Se anuncia um livro de contos, recebe a vaga promessa de que a obra será avaliada. Mas, se disser que está concluindo um romance, o editor logo se anima: "Ao terminar, mande-nos imediatamente". O que significa isso? Poesia não vende ou não querem vender poesia? Ficarei como poeta? Ficarei como ficcionista? Aliás, ficarei? Não sei. No fundo isso não me preocupa muito. Sou, sobretudo, um escritor: escrevo crônicas, contos, romance, ensaios e poesia. A crítica e os leitores que façam bom proveito, como acharem melhor. Fico satisfeito e agradecido que me leiam, que me notem, que avaliem o meu trabalho, quer seja poesia, ensaio ou ficção. O tempo é o verdadeiro e implacável juiz.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

Os dezessete haicais de Jorge Luis Borges

... São apenas dezessete haicais, pois dezessete são as sílabas que compõem esse modo de poesia originária no Japão ... Confiram em: http://www.cronopios.com.br/site/artigos.asp?id=4100

segunda-feira, 13 de julho de 2009

A poesia transcendental de Jorge Elias Neto:

Foi, para mim, motivo de enorme alegria receber de Jorge Elias Neto, poeta e médico capixaba, o convite para a preparação dos seus poemas objetivando a publicação do segundo livro de sua lavra, pois trata-se da obra de um poeta que, sobretudo, é um formidável esteta, criador de imagens cortantes, observador e crítico da condição humana.
Jorge Elias Neto, desde “Verdes Versos”, seguindo seu próprio dictum, chega a “Rascunhos do Absurdo” com uma poesia extremamente madura. Sua busca se inicia com a questão ontológica basilar: o sentido do ser. Sua obra poética é marcadamente filosófica, metafísica e existencialista, partindo da realidade vivida para a apreensão de um sentido maior, através da poesia.
Nesse contexto, pautado nas questões essenciais que afligem o homem moderno: a ausência de deidades, a morte, a angústia, o ser e a existência, o poeta se lança na investigação identitária de si mesmo e no descortinar do sentido da vida, pulsante na concretude do mundo em que se enquadra “Rascunhos do Absurdo”, refletindo o espasmo do homem frente a esse mesmo mundo, por ele criado, e sua busca na ressignificação da vida.
Abaixo, alguns poemas do inédito “Rascunhos do Absurdo”.

A prazo

Levem-me as horas
para os caprichos mundanos!

Já destaquei a etiqueta.

Tomei posse do indivíduo.

Será que não vêem
no meu ante-braço
o carimbo de “pago”?


O possível

Eu te daria meus vícios
se isso não me fizesse órfão.

Já o aconchego da pedra,
o travesseiro de folhas,
esses não são meus;
deles se serve qualquer poeta.


Balada da carne

Já que o dia é par: falemos de amor.

Já que à frente sempre restará o horizonte:
não me enterrarei além dos olhos.

Já que é no vazio insalubre da cura
que se percebe a alma evanescendo:
tragam-me uma taça.

Já que eu disse sim:
limitem os convidados
presentes à minha embriaguez.

Já que a palavra é uma puta:
rasguem o poema.

Já que a rima é farta e o poeta um estorvo:
que se recompense o primeiro idiota
a me cortar a carne.


Um pouco antes

Um pouco antes do desespero
entregarei as cartas;

não estas falsas memórias
principiadas em momentos de luxúria.

Somente a coragem de um moribundo
permite alguma crueza nas letras.

Talvez eu comece a entender Rimbaud
diante de meu cadafalso.

Por enquanto, tudo é entretenimento;
só cuspe e falsidade.

As cores são vivas e fortes
em meu semblante de camaleão.

Ao menos não me persigno;
não faço falsas preces.


Micro entrevista com JORGE ELIAS NETO

Gustavo Felicíssimo – Jorge, o exercício da cardiologia, uma área tão delicada da medicina, foi que te trouxe esse arsenal existencialista impresso na sua poesia, ou isso é algo inerente ao seu ser?
Jorge Elias Neto
- Quando pequeno, muito me chamou a atenção a estória de David Copperfield que desde a mais tenra idade teve que lidar com a idéia de morte e de perda. De alguma forma, ficou em mim incutida a impressão que eu deveria ser uma pessoa forte a lidar com a morte e que, em algum momento, me confrontaria com a “inesperada das gentes”. Percebi, com o tempo, que essa tarefa não me seria assim tão fácil...
Tornei-me médico, lidei com inúmeros casos graves, presenciei, ao longo dos últimos 25 anos, as diversas formas como o homem, à beira da morte, bem como os seus convivas, enfrentavam esse momento único e, para mim, definitivo (a verdade básica da vida).
E esse enfrentamento tornou-se uma questão de vida: trabalhar a idéia de morte e entender a multiplicidade de atitudes do homem frente a essa locomotiva que “sempre chega pontualmente na hora incerta”. Passei a entender a relevância desse entendimento na minha formação como homem. Li as reflexões nos Ensaios de Montaigne, n’O sofrimento do jovem Werther, de Goethe, Nietsche, Kant, Camus e fui fazendo meu percurso.
Hoje, tenho a tendência a crer que a morte é branca, que é o nosso retorno à irracionalidade e à nossa perfeita integração ao caos universal. Entendi que esse absurdo – a coexistência entre o homem e o universo –, só vale a pena se repisarmos cada segundo e que, para mim, já não é mais permitido o alento da religião. É difícil, eu sei, mas esse é o meu caminho.
Daí minha poesia ser carregada de questões metafísicas, existencialistas. Nela busco expressar minhas meias-verdades.

"Ninguém deixou de sentir alguma vez que o destino é poderoso e estúpido, que é inocente e também inumano. Para essa convicção, que pode ser passageira ou contínua, mas que ninguém evita, podemos escrever nossos versos"
Jorge Luis Borges

GF- Em que medida você vê o poeta marcado pelos elementos do mito de Sísifo?
JEN
- Por que viver? Em um poema onde retrato o suicida, eu narro um fato real. Um amigo “comum”, trabalhador, bem situado profissionalmente, do tipo “família”, após realizar sua grande obra profissional – suicidou-se. Retirei seu corpo do mar juntamente com dois amigos: um ascético extremo e um espírita. Naquele momento, olhei meu amigo morto e observei a reação de meus outros amigos. No meu caso, me pareceu clara a decisão dele: cansou-se da rotina de rolar a vida e, ao constatar o absurdo de viver, decidiu dar o salto para o nada.
Como disse Nietsche: “Cada um tem a verdade que é capaz de suportar”.
Quanto ao poeta?... Bem, o poeta, como todo ser humano, é marcado pelos elementos do mito de Sísifo.
O poeta é o protótipo do herói absurdo, tal qual Sísifo. A poesia se faz da vida do poeta, dos seus “guardados”. Respondo esta questão à partir do meu entendimento: optei pela vida e tento levá-la da forma mais intensa possível – tento insistentemente entendê-la.
Rolo as pedras, e coloco em minha poesia meu processo de aprendizado. Quanto a ser um médico ou um poeta, para ambos é necessário o fazer diário, mas com o prazer comedido do eterno aprendiz.
Acho que o poeta é um felizardo ao conseguir, nos momentos em que se encontra no limiar da melancolia, ter a possibilidade de externar seus pensamentos na forma de poema.
Desculpem-me os que vêem a poesia de uma forma mecanicista, mas creio na poesia que parte de uma emoção (com consciência e sem pieguices, é claro).

GF - Não te pedirei escolhas entre a poesia e a medicina. Mas, pegando uma carona em Rilke, eu te pergunto: serias capaz de viver sem uma ou outra atividade?
JEN
- Não. Na minha adolescência iniciei uma pausa de 25 anos em relação ao fazer poético, período este totalmente dedicado a minha formação profissional, durante o qual tudo que escrevi foram textos médicos.
Certo dia, retomei a poesia e sinto que ela também passou a ser essencial no meu sentido de estar vivo. É óbvio que, apesar dos avanços na medicina cada vez aumentarem minha possibilidade de manter-me ativo profissionalmente, tornar-me-ei um profissional ultrapassado, mas isso é algo natural.
Quanto ao poeta, este ainda é muito jovem e pleno de incertezas e imperfeições. Espero que meus conhecimentos como médico, apesar das idiossincrasias cometidas, permitam-me uma terceira idade madura na poesia.
Penso que ambas, a poesia e a medicina, me permitirão um legado sem tragédia.

Sobre o mito de Sísifo

A labuta não respeita o portal das casas.
Dentro e fora – rolam-se pedras.

– Avisem-me
quem joga o bilboquê de pedra
dos dias.

E segue o homem-bastão
entre romper o barbante
ou deixar que lhe caia sobre a cabeça
o peso da tomada de consciência.

O homem é um ser interrompido.

Seja no curtume das horas
ou nas contas do terço,
ele sempre se agasalha
com a tênue esperança.

“roda peão,
bambeia peão...”
No absurdo de agora
e à espera da vida eterna,
Amém!

Blog do Jorge Elias Neto:
http://jeliasneto.blogspot.com/

domingo, 12 de julho de 2009

SENRYU

O Senryu, de acordo com a tradição da poesia japonesa, é uma variação do haicai clássico. Ambos possuem a mesma forma, três versos, mas tratam de temáticas diferentes. Enquanto o haicai tem como berço a natureza, o senryu trata de questões unicamente humanas, em tom irônico ou satírico.
Apontamos tal diferença apenas por haver autores (mesmo entre os japoneses) que não diferenciam um de outro. Millôr Fernandes e Paulo Leminski, no Brasil, são bons exemplos para este exemplo. Abaixo, senryus da nossa lavra.

1.
da fruta que eu gosto
a namoradinha dela
chupa até o caroço.

2.
poesia concreta –
quem não tem o que dizer
se anima com pouco.

3.
quando chega a noite
muitos clamam pelo sol –
perderam luz própria.

4.
lemos mal o mundo –
temos sempre a impressão
de um sofrer profundo.

5.
no campo inimigo
o perigo tem um nome –
luís fabiano.

6.
transar com você –
apagar a luz do quarto
e acender o sol.

7.
um homem vaidoso
viu-se na lâmina d’água –
encontrou Narciso.

8.
vivo a ordenhar
as pedras do meu jardim –
minerais poemas.

9.
no ventre da noite
a morte, a morte encontra –
e se faz mais forte.

10.
eu sonho acordado
com o próximo poema –
mas ele não vem.

sábado, 11 de julho de 2009

Micro entrevista com Carlos Pronzato

Poeta e cineasta


“Sua arma é uma câmera. Sua munição, os fatos. A transformação social é sua ambição. Onde ocorrer mobilização, o argentino radicado na Bahia, Carlos Pronzato, está lá. Seja na Revolta do Buzú, quando estudantes tomaram a rua para protestar contra o aumento da passagem do ônibus; ou no 16 de maio de 2001, quando universitários exigiram a cassação do senador baiano Antonio Carlos Magalhães. Pronzato sempre cumpre a dupla função do registro audiovisual e da participação militante, numa fronteira inexistente entre o artístico e o político.” Desse modo o jornalista Vitor Rocha apresenta Carlos Pronzato no prólogo de uma entrevista publicada em 26 de novembro de 2006, no Jornal A Tarde, Bahia. Mas, o argentino mais baiano que existe, não é apenas um cineasta dedicado ao documentário, ele é também um poeta que, do mesmo modo, em seus versos, mostra-se engajado politicamente. Entre seus livros mais conhecidos estão “Poesia contra o império”, 2004; e “Bolívia, poema rebelde”, também de 2004.
Na Bahia, a melhor poesia de cunho político foi feita por Capinan em "Inquisitorial". No cinema, talvez Glauber Rocha seja o melhor exemplo. Entretanto vale lembrar que em toda arte engajada é necessário isolarmos os vícios e as virtudes. Mas esse é um outro papo.

Neste link
http://www.lamestizaaudiovisual.blogspot.com/ encontramos a produção audiovisual de Carlos Pronzato com sua respectiva sinopse, onde poderá também ser adquirida.

Entrevista

Gustavo Felicíssmo – Meu caro Pronzato, como o cinema influi na sua poesia, ou, se preferir, como ambos se unem, se conectam, em sua obra?
Carlos Pronzato
- Há inúmeros filmes que com o seu instrumental técnico e narrativo específico se aprofundam em universos poéticos imagéticos, com maior ou menor sucesso, segundo as expectativas do diretor. Penso em Bergman, em Fellini, em Tarkovski, em Resnais, por exemplo, cujas explorações da subjetividade criaram mundos cinematográficos imaginários, poéticos. Esses universos criados a partir da sensibilidade do artista cinematográfico estariam em condições de influenciar, de aceder, ou, melhor dizendo, de ocupar – já que uma ação involuntária – o território do poeta? Acho que sim, no meu caso, já que, por força do meu trabalho diário nos dois suportes, a criação constante de pontes entre Terpsícore e a criação póstuma de Dionisios, é inevitável. Apesar de o documentário ter preeminência na minha obra, se essa conexão existe, penso que a influência se dá num percurso de ida e volta, de retroalimentação, fragmentário e anárquico que consegue construir um diálogo na sua inerente incompletude. Assim, imagens registradas pelo nosso olhar num filme, articuladas no seu discurso de conjunção de elementos técnicos, cenográficos, interpretativos e musicais, podem disparar novas imagens no seu caminho ao papel impresso e retornar ao filme acrescido de poesia. É um processo complexo, como a própria criação poética, nunca definitiva, cujos mecanismos de elaboração – ainda bem - ignoramos, e por tanto de infinitas possibilidades.

GF - Hoje, a poesia no cinema estaria mais na atitude do cineasta frente ao seu próprio tempo ou não?
CP
- Sempre tomando como base o cinema de compromisso social, com toda certeza sim. Hoje e sempre. Se houver apenas uma única pessoa que enxergue emoção movilizadora nas imagens de uma rebelião – e isto se estende a todo tipo de luta travada pela emancipação humana, individual ou coletiva -, de um ato de coragem e valentia frente aos poderosos e saqueadores de sempre, ou inclusive, num estágio posterior, num processo de construção social igualitária, haverá poesia, haverá algo além de uma feliz combinação de palavras num papel. E, levando em conta a penetração massiva que o cinema – e os seus derivados televisivos e internéticos - tem no mundo contemporâneo, quem assume esta atitude de inscrever sua leitura do mundo - e no mundo -, além da sua particular transcendência como indivíduo, estará muito além da criação de um espaço íntimo e individualista, forjando poesia coletiva.
Também podemos encontrar a atitude do cineasta com propostas de transformação social, que por profundas discordâncias com os processos políticos contemporâneos conhecidos assume um relato mais pessoal para se expressar politicamente, e não por isso menos comprometido.
E parafraseando o poeta: tudo vale à pena, quando a atitude não é pequena.

GF - Se o cinema é a indústria dos sonhos, a poesia seria o próprio sonho, a utopia maior?
CP
- Há um cinema, após sua fase de entretenimento de feira, em paralelo à fase de implantação do capitalismo, que impôs seus sonhos industriais de consumo e de perpetuação desse modelo econômico norte-americano, trasladado depois a outras cinematografias do mundo que repetiram esse modelo de acumulação econômica. Sonhos todos, técnica e industrialmente primorosos, que alimentavam – e alimentam - o imobilismo, a contemplação pura e simples de um modelo único de consumo, de uma realidade de eternos e inatingíveis oásis – visão hoje relegada aos subprodutos noveleiros. Felizmente, há outros cinemas que souberam explorar outras inúmeras possibilidades estéticas e aquelas geralmente denominadas políticas. Nestas últimas, há o objetivo de trasladar o sonho libertário da tela para a realidade numa tentativa migratória tão utópica quanto necessária.
Mas em fim, a utopia, o não lugar, é o espaço da poesia. Cabe à realidade e ao cinema – às suas diferentes linhas e gêneros – se aproximarem dela.

Confira aqui uma outra entrevista,
mais genérica, concedida por Pronzato:
http://cazzoentrevista.blogspot.com/2009/06/carlos-pronzato-sorri.html

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Relato de Prócula

Novo livro do ótimo W. J. Solha

Sempre houve um mistério na razão da defesa de Jesus feita por Pilatos ante o Sinédrio. E aí o Padre Martinho Lutero Libório – vigário da paróquia de Pombal, na caatinga paraibana – pergunta-se, depois de fazer o papel do romano na Semana Santa, na capital da Paraíba, se o motivo teria sido, mesmo, um sonho de Cláudia Prócula – mulher do praefectus de Jerusalém – ou algo bem mais poderoso, como seu vínculo com o Nazareno, agente infiltrado, judeu, mas cidadão de Roma, tal como eram Paulo de Tarso, Flávio Josefo e Filon de Alexandria.
Este romance inova com essa sua teoria e com a reprodução vívida da até então ignorada vida cultural do interior nordestino, realidade muito distante do universo retratado por obras como Vidas Secas, Fogo Morto ou Grande Sertão: Veredas. Assumindo o desafio de enfrentar ficcionalmente a complexidade dos temas abordados, W. J. Solha apresentou o projeto do romance à Funarte e foi um dos dez que receberam a Bolsa de Estímulo à Criação Literária em 2007, obra publicada agora pela Editora A Girafa.

W. J. Solha obteve o Prêmio Graciliano Ramos da UBE Rio, 2006, com “História Universal da Angústia” (Bertrand Brasil, 2005), obra que ficou entre os finalistas do Jabuti do mesmo ano. Seu poema-livro “Trigal com Corvos” (Palimage, Portugal, 2004) foi premiado com o João Cabral de Melo Neto, 2005, da mesma União Brasileira de Escritores. Os originais de “A Batalha de Oliveiros” (Itatiaia, 1989) ganharam o INL de 1988 e “Israel Rêmora” (Record, 1975), o Fernando Chinaglia de 1974. O autor é de Sorocaba, SP, mas radicado na Paraíba desde 1962.

208 Páginas
Preço sugerido: R$ 38,00

Onde comprar: http://www.travessa.com.br/

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Alguns Toureiros

João Cabral de Melo Neto

Eu vi Manolo Gonzáles
e Pepe Luís, de Sevilha:
precisão doce de flor,
graciosa, porém precisa.

Vi também Julio Aparício,
de Madrid, como Parrita:
ciência fácil de flor,
espontânea, porém estrita.

Vi Miguel Báez, Litri,
dos confins da Andaluzia,
que cultiva uma outra flor:
angustiosa de explosiva.

E também Antonio Ordóñez,
que cultiva flor antiga:
perfume de renda velha,
de flor em livro dormida.

Mas eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais deserto,
o toureiro mais agudo,
mais mineral e desperto,

o de nervos de madeira,
de punhos secos de fibra
o da figura de lenha
lenha seca de caatinga,

o que melhor calculava
o fluido aceiro da vida,
o que com mais precisão
roçava a morte em sua fímbria,

o que à tragédia deu número,
à vertigem, geometria
decimais à emoção
e ao susto, peso e medida,

sim, eu vi Manuel Rodríguez,
Manolete, o mais asceta,
não só cultivar sua flor
mas demonstrar aos poetas:

como domar a explosão
com mão serena e contida,
sem deixar que se derrame
a flor que traz escondida,

e como, então, trabalhá-la
com mão certa, pouca e extrema:
sem perfumar sua flor,
sem poetizar seu poema.

Três concursos literários com boa premiação em dinheiro

Prêmio Cidade de Belo Horizonte

A Prefeitura da capital mineira lança o Concurso Nacional de Literatura “Cidade de Belo Horizonte”, que este ano contempla três categorias: Ensaio, Poesia – Autor Estreante, Dramaturgia e o prêmio “João-de-Barro”, destinado à literatura infantil. As inscrições estão abertas até o dia 07 de agosto de 2009. Os regulamentos e fichas de inscrição dos prêmios podem ser encontrados no endereço:
http://portalpbh.pbh.gov.br/pbh/ecp/noticia.do?evento=portlet&pAc=not&idConteudo=30147&pIdPlc=&app=salanoticias

Concurso Nacional de Poesia Helena Kolody
Concurso Nacional de Contos Newton Campos


A Secretaria de Estado da Cultura do Paraná, até 31 de julho de 2009, informa que estarão abertas as inscrições para o Concurso Nacional de Poesia Helena Kolody 2009 e Concurso Nacional de Contos Newton Campos. Podem participar do Concurso candidatos que apresentem poemas inéditos, que não tenham sido objeto de qualquer tipo de apresentação, veiculação ou publicação antes da inscrição no concurso e até a divulgação do resultado e entrega dos prêmios aos vencedores. Mais informações:
http://www.cultura.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=410

Boa sorte a todos.

terça-feira, 7 de julho de 2009

Três poemas de Arménio Vieira

Vencedor do Prêmio Camões 2009, Vieira nasceu na cidade da Praia, na Ilha de Santiago, Cabo Verde, em 24 de janeiro de 1941. Além de escritor, é jornalista, com colaborações em publicações como o “Boletim de Cabo Verde”, a revista “Vértice”, de Coimbra (Portugal), “Raízes”, “Ponto & Vírgula”, “Fragmentos” e “Sopinha de Alfabeto”. Algumas de suas obras são: “Poemas” (1981), “O Eleito do Sol” (1989) e “No Inferno” (1999).


CONSTRUÇÃO NA VERTICAL

Com pauzinhos de fósforo
podes construir um poema.

Mas atenção: o uso da cola
estragaria o teu poema.

Não tremas: o teu coração,
ainda mais que a tua mão,
pode trair-te. Cuidado!

Um poema assim é árduo.
Sem cola e na vertical,
pode levar uma eternidade.

Quando estiver concluído,
não assines, o poema não é teu.


QUIPROCÓ

Há uma torneira sempre a dar horas
há um relógio a pingar no lavabos
há um candelabro que morde na isca
há um descalabro de peixe no tecto.

Há um boticário pronto para a guerra
há um soldado vendendo remédios
há um veneno (tão mau) que não mata
há um antídoto para o suicído de um poeta.

Senhor, Senhor, que digo eu (?)
que ando vestido pelo avesso
e furto chapéu e roubo sapatos
e sigo descalço e vou descoberto.


LISBOA – 1971

A Ovídio Martins e Oswaldo Osório

Em verdade Lisboa não estava ali para nos saudar.

Eis-nos enfim transidos e quase perdidos
no meio de guardas e aviões da Portela

Em verdade éramos o gado mais pobre
d’África trazido àquele lugar
e como folhas varridas pela vassoura do vento
nossos paramentos de presunção e de casta.

E quando mais tarde surpreendemos o espanto
da mulher que vendia maçãs
e queria saber d’onde… ao que vínhamos
descobrimos o logro a circular no coração do Império.

Porém o desencanto, que desce ao peito
e trepa a montanha,
necessita da levedura que o tempo fornece.

E num caminhão, por entre caixotes e resquícios da véspera,
fomos seguindo nosso destino
naquela manhã friorenta e molhada por chuviscos d’inverno.

Saudando O Cão dos Olhos Amarelos

Anibal Beça


Cunhava um latido ao formão
o cão anêmico amarelo
arranhando a lata de lixo:
sobradas sobras da favela.

É cão marceneiro de ogivas
cantor de tripas laxativas.

Sabe a mangues e a caranguejos,
mas jamais saiu do mocambo.
No entanto, uiva acordes e arpejos.

Na alegria o seu rabo rege
os maloqueiros em seu frege.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Sonetos gêmeos de Jorge Luis Borges

XADREZ

1.
Em seu grave rincão, os jogadores
as peças vão movendo. O tabuleiro
retarda-os até a aurora em seu severo
âmbito, em que se odeiam duas cores.

Dentro irradiam mágicos rigores
as formas: torre homérica, ligeiro
cavalo, armada rainha, rei postreiro,
oblíquo bispo e peões agressores.

Quando esses jogadores tenham ido,
quando o amplo tempo os haja consumido,
por certo não terá cessado o rito.

Foi no Oriente que se armou tal guerra,
cujo anfiteatro é hoje toda a terra.
Como aquele outro, este jogo é infinito.

2.
Rei tênue, torto bispo, encarniçada
rainha, torre direta e peão ladino
por sobre o negro e o branco do caminho
buscam e libram a batalha armada.

Desconhecem que a mão assinalada
do jogador governa seu destino,
não sabem que um rigor adamantino
sujeita seu arbítrio e sua jornada.

Também o jogador é prisioneiro
(diz-nos Omar) de um outro tabuleiro
de negras noites e de brancos dias.

Deus move o jogador, e este a peleja.
Que deus por trás de Deus a trama enseja
de poeira e tempo e sonho e agonias?