domingo, 31 de maio de 2009

Jeremias, profeta da chuva

uma peça de Adelice Souza,
em Salvador, no TCA
clique na imagem para ver
o cartaz em tamanho maior

sexta-feira, 29 de maio de 2009

ODE À ESTAMIRA

FABRÍCIO BRANDÃO

Para Estamira, nobre catadora de sonhos.

uma certa cara rajada
e eu cato verbos no monturo
para limpar as falsas purezas

abraço a companhia dos invisíveis
pois eles justificam a minha intensa vontade
de não entender o solo que esmago

a boca tritura a razão que inventei
quando sei berrar ao divino
minha sã doutrina

fui apedrejada pelos restos do cometa esperado
mas, mesmo assim,
sei amansar águas com os olhos


Fabrício Brandão é poeta e prosador. Nascido em Ilhéus, é graduado em Comunicação Social. Edita a Revista Eletrônica “DIVERSOS AFINS”.
Convido os amigos para conhecerem o que o premiado poeta Silvério Duque escreveu sobre nosso ativismo literário e poesia. Acessem: http://poetasilverioduque.blogspot.com/

quinta-feira, 28 de maio de 2009

A poesia na prosa de Adylson Machado

O conceito de poesia, tal como o conhecemos, é bastante amplo, não se restringindo a uma interpretação unilateral do termo. Percebemos haver poesia bastante no que estamos fazendo agora, assim como no vôo de uma garça. Há poesia, e muita, no pôr-do-sol e até mesmo em um assassinato. Há, inclusive, poesia na prosa, mas uma poesia que serve a essa estética, exercendo uma função específica dentro da linguagem literária. Com efeito, poiesis, etimologicamente, indica o ato de criar, o fazer artístico, independentemente de sua forma de expressão. Desse modo, a poesia na prosa não se caracteriza através de aspectos formais do texto, mas pelo efeito nele produzido.
Anulada a diferença formal e identificado o objetivo poético, como distinguirmos a prosa literária da poesia propriamente dita, um conto de um poema? A ficcionalidade é uma característica inalienável da literatura em geral e não apenas da literatura narrativa. Desse modo, não existe obra de arte literária se não for fruto da imaginação. Como o “eu lírico” do poema, o “narrador” de um romance também é um ser ficcional, diferente da pessoa física do autor. Colaborando com nosso entendimento, o poeta e romancista Aleilton Fonseca em uma entrevista a nós concedida afirma que “a princípio, prosa e poesia são diferentes modos de produzir linguagem literária; mas já não se repelem entre si; ao contrário, muitas vezes se juntam, amalgamam-se, na poesia prosaica, na prosa poética, na narrativa lírica, no poema narrativo. Na modernidade, definitivamente, a prosa e a poesia fizeram as pazes; uma convoca a outra para andarem juntas nos textos.”
Concluímos então que as características estruturais do texto poético, quer as que envolvem o poema, quer as que modulam um romance são comuns à poesia e à prosa literária, distinguindo uma forma de outra apenas pelo maior ou menor grau de poeticidade com que atuam.
É impossível lermos um Graciliano Ramos, um Guimarães Rosa ou Machado de Assis e não percebemos a poesia que pulsa, latente, em seus romances e contos. Do mesmo modo observamos a poesia existente no romance “Amendoeiras de Outono”, Via Litterarum, 2005, de Adylson Machado, uma obra densa, escrita ao longo de quinze anos, marcada pela linguagem cortante e contida, pela metáfora, por elipses, baseada em fatos reais e tragédias de personagens que se movimentam sob a inexistência de perspectivas, envolvendo pesquisas sobre contendas típicas da vida do sertanejo, também sobre o trajeto da Coluna Prestes, o bando de Lampião, Antônio Conselheiro, “fatos refletidos na contraditória analogia estabelecida através das folhas caducas de uma amendoeira[1]” e o percurso de toda uma vida que pode ser resumida nesta passagem narrada com alto grau de poeticidade:

Viver para perder. Vitória o desafio de continuar perdendo ao tempo em que sobrevive. Assim, sublima o tempo, derrotando-o a cada dia de sobrevida, em surda vingança, quando a própria vítima não reconhecida em si mesmo. Herói se torna na dialética do nascer-morrer, síntese no sobreviver, que ali adquiri foros de ressurreição diária.

Adylson Machado conhece e reconhece como poucos os elementos que sintetizam o cabedal de vivências típicas de um sertanejo, tanto que demonstra não possuir o menor pudor em valer-se de certos arcaísmos, como “abistunta”, “catende” ou “lutrido” para manter-se fiel ao seu ideário. Natural de Monte Alegre da Bahia, atual Mairi, local onde se passa parte da trama (a outra é a região cacaueira da Bahia) que registra os saberes e valores que lhes são próprios, suas raízes, sua gente, em processos estéticos de onde emergem reminiscências, fazendo valer a assertiva de Tolstoi quando afirma que “se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. E assim traduz poeticamente o universo do sertanejo nessa maravilhosa passagem:

O conceito de civilização esgota-se no grotão, no leito do córrego seco, cavando-o em busca de água. Limita-se na possibilidade de o mandacaru frutificar, na esperança do amadurecimento do fruto, aí tornado alimento, percebido quando fulorou. Ética vincada ao dia-a-dia deste resistir, razão por que não fere o semelhante para tirar-lhe o pouco que lhe falte. Antes, até, divide com ele o quase nada que dispõe.

Estamos convictos que, à medida que o tempo avançar e novas edições de “Amendoeiras de Outono” forem impressas, outros estudiosos e interessados no assunto surgirão, como o premiadíssimo Jorge de Souza Araújo, para quem “Amendoeiras de outono” é fruto de “uma ampla, polimórfica, integrada e instigante erudição (...) ressaltando um ludismo gráfico e imaginário da linguagem que não tememos comparar, mutatis mutandis, ao James Joyce, no Ulisses”. Também o jornalista, ator e mestre em Artes Cênicas, Gideon Rosa, manifestou-se sobre o compêndio de Adylson Machado afirmando que o autor “deixou claro um enorme talento que agora se junta à mais pura tradição da literatura grapiúna”.
Para nós, “Amendoeiras de Outono”, com sua renúncia à linearidade, escancarou para Adylson Machado a porta da frente para a sua entrada triunfal no seleto rol dos melhores prosadores do Brasil, embora nossa afirmativa apenas possa vir a ser constatada dentro de pelo menos duas, três décadas, quem sabe (?), pois em literatura, como diz o dito popular, é bem mais fácil falar de luas que de sóis.

Ah! Faltou-nos dizer que Adylson Machado é também um bom poeta, com alguns livros prontos para edição. Mas aí é outra história.

[1] Nota da editora, inserido na contra-capa do livro

terça-feira, 26 de maio de 2009

Uma modalidade elegante de achaque

Por Pedro Sette Câmara

A idéia de que o governo deve subsidiar algo sempre esconde o corporativismo. Os maiores beneficiados pelos subsídios são os produtores. Naturalmente, estes, sejam agricultores ou cineastas, sempre dirão que seus produtos são fundamentais para a sociedade, e sua retórica será mais convincente de acordo com sua natureza. Um produtor de trigo pode assustar as pessoas com a possibilidade da falta de pão, mas vai ser difícil alguém nos assustar com a possibilidade da falta de filmes nacionais. Na verdade, pão e cinema podem ser viabilizados por seus consumidores; cabe a eles “subsidiar” estes produtos. Ao contrário do que se pensa, a maior beleza das relações livres de trabalho está em ter de prestar atenção no outro; você atende à necessidade de outro, e recebe por isso. Por que receber por um produto que ninguém quer?

NOTA: esse é um excerto do texto que foi publicado na edição de abril da revista Continente. Para ler o texto na íntegra acesse: http://www.ordemlivre.org/textos/588

BALADA PARA ADRIANA

Silvério Duque

a Alberto da Cunha Melo.

Levamos fogo, não esponjas,
ao trono sujo de excremento
disputando o mesmo vazio
de uma estrela no firmamento;

Alberto da Cunha Melo

Eu não busquei esta agonia,
este poema de distâncias
pelo silêncio inatingíveis,
esta ausência, esta inconstância…

Mas para cada sofrimento
há uma estrela no firmamento.

(Eu sei que atrás do teu olhar
havia um outro olhar perdido
em meio ao Céu e o teu lembrar… )

E era essa luz que tu seguias
o olhar do amor com que te via.

domingo, 24 de maio de 2009

Um comentário especial, feito por Luis Dolhnikoff, sobre um poema de nossa autoria

Acabo de ler com calma a sua "Senda". Pois tomei um susto. Não sei o que esperava, mas sei agora que não esperava essa dicção e esse ritmo ominosos. Principalmente o ritmo. Não o identifiquei de imediato, o que é raro. Tive de contar para ver que se trata de octossílabos. O estranho é que esse metro, por incomum, costuma causar estranhamento, daí ter sido adotado por Cabral. Mas o efeito aqui não é de estranhamento. Esses versos têm uma "redondeza" quase decassilábica, mas como são mais curtos, me soaram como uma espécie de decassílabo adensado, condensado. Além disso, há esse decair de tom das rimas, que começam abertas na primeira estrofe e vão se agravando, se escurecendo. E os enjambements que talvez querem acelerar o ritmo, enquanto mais uma vez a redondeza de cada verso tende a autonomizá-los. E os ecos das rimas internas. O resultado, em suma, é redondamente tenso, ou de uma tensão arredondada, que resulta densamente no ominoso dito no início.


SENDA

Sou como o invisível céu
que não vos inspira cuidados,
pois retorno depois das névoas
sobre os campos abandonados;

sou finito e celebro o fogo
infindável do grande jogo

a nos enlaçar a garganta;
creio no vórtice da voz
sacrossanta que a tudo encanta;

trago os haveres desse mundo;
sou terra, sou campo fecundo.

NOTA: para nós, o melhor do comentário não está justamente nele, mas no fato de que o autor, além de possuir grande cultura literária, é um crítico que tem há muito tempo a nossa admiração. Luis Dolhnikoff foi o único crítico que topou escrever para a Folha de São Paulo um ensaio sobre a poesia de Bruno Tolentino, um grande maledicente, após sua volta da Europa, fazendo grande alvoroço ao criticar Chico Buarque e dizer que Caetano Veloso não produz cultura.

sábado, 23 de maio de 2009

"Lida poética": um Alexandrino Trímetro de Piligra (Lourival P. Piligra Júnior)

Para George Pellegrini

eu pego um prego pra pregar minha linguagem;
bato o martelo sobre o prego pra pregar
minha sintaxe que soltou do seu lugar;
sem perceber – só prego mesmo uma miragem...

pego outro prego pra pregar minha poesia;
bato o martelo sobre a rima já cansada
de ser batida numa língua imaginada
como a parede fruto desta fantasia!

retiro um prego metafórico de lá
do nada opaco da linguagem ordinária
e bato forte sobre o prego sem parar

abrindo fendas numa página vazia...
deixo de lado a minha lida imaginária
e me recolho no trabalho ao dia a dia!


NOTA: LOURIVAL P. PILIGRA JÚNIOR, é nascido em Itabuna. Professor universitário, possui Mestrado em filosofia pela UFPB (Universidade Federal das Paraíba). Publicou “Fractais”, 1996.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

Abertas as inscrições para o FEMUP

Interessados em participar do 44º FEMUP - Festival de Música e Poesia de Paranavaí e 41º Concurso Literário de Contos, a serem realizados nos dias 12, 13 e 14 de novembro de 2009, podem se inscrever até o dia 29 de agosto.

SÃO R$ 31.750,00 DE PRÊMIOS EM DINHEIRO!

Realizado em Paranavaí há 43 anos, o FEMUP, um dos festivais culturais mais tradicionais do Brasil, é uma iniciativa da Fundação Cultural de Paranavaí. O objetivo do evento é intensificar o intercâmbio artístico entre todas as regiões do País, além de descobrir e valorizar novos talentos.

Para participar, o interessado precisa ser brasileiro, independente de estar no país ou não.
As inscrições são gratuitas.

O regulamento e a ficha de inscrição estão disponíveis para download neste site: http://www.novacultura.com.br/

Mais informações em:
(44) 3902-1128 ou cultura@fornet.com.br

Participe e boa sorte!

terça-feira, 19 de maio de 2009

clique na imagem para vê-la ampliada

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Cinema independente na Bahia

Por Maísa Paranhos

Milton Santos, Silvio Tendler e Carlos Pronzato , o que há de comum entre eles?
Pertencem ao grupo de “todos os homens de boa vontade” em transformar o mundo. Para melhor, é claro!


Quando assisti ao filme de Tendler ”Encontro com Milton Santos ou o Mundo Global Visto do Lado de Cá”, não supus que surgiria um terceiro personagem nesta película, Carlos Pronzato.
Sob a câmara genial e sensível de Silvio, passa a figura do grande e hoje saudoso mestre dos mestres, o geógrafo baiano Milton Santos que nos deixa seu pensamento claro e límpido sobre a contemporaneidade, contrapondo ao que chamou de globalitarismo neoliberal, os movimentos que surgem com a força e determinação de uma semente germinando para garantia do que lhes é sagrado, a própria sobrevivência material, étnica e cultural.
Tendler nos desvenda uma série de manifestações , por vezes anônimas, mas pulsantes em sua determinação transformadora.
O terceiro “homem de boa vontade” no filme de Sílvio, o cineasta Carlos Pronzato, faz parte dessa resistência. Argentino residente em Salvador, documentarista, com sua câmara à tira-colo, sem financiamentos e parcos patrocínios, fará artesanalmente o que se chama cinema independente.
De agudeza política rara, uma câmera competente e um compromisso de estar sempre ao lado dos despossuídos, Pronzato vai fazendo os seus registros.
É desta forma que penetrando nas veias latinoamericanas chega nos rincões mais remotos de nosso Continente.
Dono de uma filmografia ampla e variada, ouviu a voz do povo ribeirinho do São Francisco e nos trouxe sua insatisfação com o abandono do rio em “Além do jejum, as verdades do Velho Chico”.
Já a “A Guerra da Água”, mostra a organização popular impedindo a privatização da água por empresas estrangeiras e em ”Jallalla (que viva!) Bolívia, Evo Presidente” nos comove com a posse do primeiro presidente boliviano indígena eleito pelo povo.
O Chile será focalizado por Pronzato quando, investigando a verdadeira cidade natal do Presidente Allende, se Valparaiso ou Santiago, o cineasta nos traz as diversas versões sobre o golpe militar naquele País. Allende e o seu governo vão se agigantando aos olhos do espectador.
Uma nova Latino-América se desenha com Carlos Pronzato que do “lado de cá”, revela as expressões e conquistas dos movimentos sociais sem espaço na grande mídia, movimentos estes que sem dúvida o cineasta também integra.
Os artistas, mesmo independentes, precisam de um suporte material. No momento em que estão repercutindo os efeitos da modificação da Lei Rouanet, é fundamental que pessoas como Carlos Pronzato sejam contempladas e possam engrossar a fileira dos homens de boa vontade.

Publicado originalmente em Jornal A TARDE, Salvador-BA, 15 de maio /2009

domingo, 17 de maio de 2009

Os haicais de Capinan

Esse texto, de nossa autoria, foi publicado originalmente no caderno "Cultural" do Jornal A Tarde, da Bahia, edição de 16/05/2009 e no cronopios.com.br, excelente site dedicado à literatura

Através do pesquisador e amigo Gilfrancisco, tomei conhecimento que o poeta e compositor José Carlos Capinan, autor de livros admiráveis como “Inquisitorial” e “Confissões de Narciso”, bem como das canções antológicas “Ponteio”, em parceria com Edu Lobo e “Soy loco por ti América”, com Gilberto Gil, entre outros grandes sucessos, havia publicado em 1995, pela editora BDA, Salvador, um livro exclusivamente de Haicai. Logo corri ao site http://www.estantevirtual.com.br/, uma maravilha proporcionada pela internet, e consegui adquirir o livro que há muito tempo está fora de catálogo.
Falamos de “Balança mas hai-kai”, um livro composto de quarenta e uma pílulas líricas, irônicas e repletas de humor, desprovidas de métrica e pouco preocupadas com o kigô (termo de estação a que o haicai tradicional faz referência). Enfim, haicais tipicamente brasileiros, naturalizados e aclimatados no fogo das nossas emoções.
Para este livro, diz o autor: "juntei centenas de hai-kais que havia escrito e, depois de uma seleção inicial, reli os hai-kais de Millôr (foi dele certamente que incorporei a primeira informação dessa estrutura oriental de compor poemas, creio que na revista “O Cruzeiro”). Tomei então coragem de publicar os meus. E aqui estão, generosamente apresentados pelo nosso inspirado e verdadeiro haijin, Oldegar Vieira"
Oldegar Vieira, primeiro poeta baiano a publicar um livro exclusivamente de haicais e o segundo do Brasil, com “Folhas de Chá”, em pequeno texto na orelha do livro de Capinan, diz: "temos aqui, Capinan com seus haikais, poéticos sem dúvida, mas indisciplinados, isto é: não metrificados (com 5-7-5- sílabas), caracteristicamente brasileiros, portanto". E mais adiante, nesse mesmo texto, manifesta o desejo que o autor "se ponha decisivamente na senda do São Francisco nipônico, a converter-se (continuando brasileiro) em verdadeiro haijin".
Entendemos que essa preocupação, manifesta por Oldegar Vieira, é controversa, pois, conforme sabemos, no Brasil, e mesmo no Japão, existem várias correntes de haicai. Como disse o mestre Paulo Franchetti, em correspondência eletrônica a nós enviada, "cada um o faz à sua maneira, sob diversa inspiração. Não há um só haicai, há vários. Portanto, não faz sentido dizer o que pode e o que não pode em haicai. Mas apenas o que, numa certa vertente tem ou não tem interesse ou propriedade".
Pensamos que a forma fixa é um aspecto secundário, mas que valoriza e facilita a comunicação do que se quis exprimir. Entretanto, fundamental mesmo é que se faz importante o cuidado do poeta para que sua técnica, independente da vertente praticada, não pareça mais importante que o haicai em si, ou como queria Bashô, que o virtuosismo não aniquile o que o poema possui de mais específico: a simplicidade projetada através da captação de um momento.
Resta-nos, então, aguardar um próximo livro de haicais de Capinan, com o desejo permanente que este venha a público em breve, tão interessante como é este “Balança mas hai-kai”.
Abaixo, alguns haicais de Capinan

Pedro era de pedra
(O galo cantou três vezes)
Pedro desfez-se em pó

***

Um sinal vermelho
Fogo e batom
Tua boca no espelho

***

A cara da caridade
Será de culpa
Ou perversidade

***

Um trovão
Relampeja na rua
Um raio de lua

***

Sobre o pão fatia
Escorrega sem manteiga
A nossa faca vazia


NOTA: Como o poema, no Japão possui o nome Haiku, que no Brasil foi aportuguesado, não havendo consenso para o modo de grafá-lo, cada poeta ou vertente haicaista o faz ao seu modo. Neste breve texto aparece de maneiras diferentes, a começar pelo título, como grafamos, “haicai”; após, no título do livro: “hai-kai”. Por fim, na citação de Oldegar Vieira: “haikai”.

sábado, 16 de maio de 2009

TUAREG

Para Alberto Vasques-Figueroa



Teus olhos decifram miragens
e cumprem as leis com as mãos,
nem mesmo o imenso Saara
o será capaz de deter.

Ninguém desonra um Tuareg
Ninguém escapa da morte

Arranca tua lâmina ardente
e vai enfrentar os exércitos,
mas lembra da negra Khaltoum,
carrega o teu isolamento.

Ninguém desonra um Tuareg
Ninguém escapa da morte

Vai Gacel Sayah, o Inmouchar,
abre à força o deserto afora,
implica o teu código de honra,
veja as voltas que o mundo dá.

Ninguém desonra um Tuareg
Ninguém escapa da morte

NOTA: Escrevi esse poema em 2001, depois que li “Tuareg”, de Alberto Vasques-Figueroa. Tuareg é sobretudo a epopéia de um verdadeiro guerreiro que, solitário, faz com que se cumpra a lei do deserto, que condena à morte todos aqueles que infringem o seu milenar e inflexível código de honra.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Flor disforme

Daniela Galdino

Você, que mal cabe em si mesmo,
pariu um filho prematuro.

Parto anormal!
seus gritos trovejavam no ar...

Mas as cercas
e paredes de concreto
prestavam serviço à displicência.


Em: Vinte Poemas Caleidorcópicos, Via Litterarum


DANIELA GALDINO é baiana, natural de Itabuna. Nasceu em 23 de novembro de 1975 sob o signo de sagitário. Graduou-se em Letras pela UESC, concluiu o Mestrado em Literatura e Diversidade Cultural pela UEFS. Atualmente é professora da Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Tem publicada a obra “Vinte Poemas Caleidorcópicos” (Via Litterarum, 2004). Organizou os livros “Levando a raça a sério” (DP&A), 2005, e “Tessitura azeviche: diálogos entre as literaturas africanas e afro-brasileira” (Editus, 2008).

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Mirantes dos Astros

Espetáculo baseado no documentário "Estamira", de Marcos Prado, Reestréia em Salvador

Nos dias 15 e 22 de maio, no Teatro Molière, Aliança Francesa, em Salvador, acontece curta-temporada do espetáculo "Mirante dos Astros", uma transposição para o teatro do premiado documentário "Estamira" do diretor Marcos Prado.
O monólogo conta a vida de uma mulher que trabalhou por mais de 20 anos no lixão do Jardim Gramacho, no Rio de Janeiro. Diagnosticada como doente mental, Estamira através de uma rica narrativa particular, mescla fluxos de consciência e inconsciência desafiando nossa capacidade de discernimento sobre a moral, a religião, os tratamentos psiquiátricos e os limites da realidade humana.
Em tom crítico e profético, o espetáculo imprime as dores de uma mulher marcada pela exclusão social. A encenação realizada pela atriz Inaê Sodré utiliza fragmentos do texto original trazendo a presença de Estamira ao palco. O cenário e a iluminação identificam a personagem ao seu mundo – o lixão.
A direção é de Valdíria Souza. O texto, o roteiro, a interpretação e o figurino ficam por conta de Inaê Sodré. O cenário nasce de uma ideia coletiva, unindo os signos trazidos pelo texto, interagindo com a iluminação de Marcos Fernandes. A produção é de Helder Maia e Daniela Fernandes.

Teatro Molière, Aliança Francesa – Avenida Sete de Setembro, 401 – Ladeira da Barra - fone: (0XX71) 3336-7599 – sextas-feras às 20h – nos dias 15 e 22 de maio.

Ingressos: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia-entrada) - Duração: aproximadamente 50 minutos.

Festa de Arromba

gente, o mensalão continua dando o que falar.

terça-feira, 12 de maio de 2009

MEU BARCO PODE PARTIR

Ponho a mesa,
sobre a mesa toalha rendada
e um vaso com pimenteiras.

Posto frente ao mar
o silêncio se impõe
revelando a lua nova.

Por companhia
uma garrafa de Cabernet
e a outra metade de mim.

Velas içadas,
meu barco pode partir.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

Caríssimos leitores,

A Revista Cultural Diversos Afins, editada pelo nosso amigo e poeta Fabrício Brandão, está aberta a conhecer novos autores e expressões no vasto terreno da arte e da literatura. Em razão disso, convida a todos a colaborarem nas seguintes categorias:

- prosa (conto e crônica) e verso
- resenhas de livros e de cinema
- textos sobre teatro
- artistas plásticos e fotógrafos

Contato em:
http://www.diversos-afins.blogspot.com/

quinta-feira, 7 de maio de 2009

A Ultima Crônica - Fernando Sabino


A caminho de casa, entro num botequim da Gávea para tomar um café junto ao balcão. Na realidade estou adiando o momento de escrever.
A perspectiva me assusta. Gostaria de estar inspirado, de coroar com êxito mais um ano nesta busca do pitoresco ou do irrisório no cotidiano de cada um. Eu pretendia apenas recolher da vida diária algo de seu disperso conteúdo humano, fruto da convivência, que a faz mais digna de ser vivida. Visava ao circunstancial, ao episódico. Nesta perseguição do acidental, quer num flagrante de esquina, quer nas palavras de uma criança ou num acidente doméstico, torno-me simples espectador e perco a noção do essencial. Sem mais nada para contar, curvo a cabeça e tomo meu café, enquanto o verso do poeta se repete na lembrança: "assim eu quereria o meu último poema". Não sou poeta e estou sem assunto. Lanço então um último olhar fora de mim, onde vivem os assuntos que merecem uma crônica.
Ao fundo do botequim um casal de pretos acaba de sentar-se, numa das últimas mesas de mármore ao longo da parede de espelhos. A compostura da humildade, na contenção de gestos e palavras, deixa-se acrescentar pela presença de uma negrinha de seus três anos, laço na cabeça, toda arrumadinha no vestido pobre, que se instalou também à mesa: mal ousa balançar as perninhas curtas ou correr os olhos grandes de curiosidade ao redor. Três seres esquivos que compõem em torno à mesa a instituição tradicional da família, célula da sociedade. Vejo, porém, que se preparam para algo mais que matar a fome.
Passo a observá-los. O pai, depois de contar o dinheiro que discretamente retirou do bolso, aborda o garçom, inclinando-se para trás na cadeira, e aponta no balcão um pedaço de bolo sob a redoma. A mãe limita-se a ficar olhando imóvel, vagamente ansiosa, como se aguardasse a aprovação do garçom. Este ouve, concentrado, o pedido do homem e depois se afasta para atendê-lo. A mulher suspira, olhando para os lados, a reassegurar-se da naturalidade de sua presença ali. A meu lado o garçom encaminha a ordem do freguês. O homem atrás do balcão apanha a porção do bolo com a mão, larga-o no pratinho -- um bolo simples, amarelo-escuro, apenas uma pequena fatia triangular.
A negrinha, contida na sua expectativa, olha a garrafa de Coca-Cola e o pratinho que o garçom deixou à sua frente. Por que não começa a comer? Vejo que os três, pai, mãe e filha, obedecem em torno à mesa um discreto ritual. A mãe remexe na bolsa de plástico preto e brilhante, retira qualquer coisa. O pai se mune de uma caixa de fósforos, e espera. A filha aguarda também, atenta como um animalzinho. Ninguém mais os observa além de mim.
São três velinhas brancas, minúsculas, que a mãe espeta caprichosamente na fatia do bolo. E enquanto ela serve a Coca-Cola, o pai risca o fósforo e acende as velas. Como a um gesto ensaiado, a menininha repousa o queixo no mármore e sopra com força, apagando as chamas. Imediatamente põe-se a bater palmas, muito compenetrada, cantando num balbucio, a que os pais se juntam, discretos: "parabéns pra você, parabéns pra você..." Depois a mãe recolhe as velas, torna a guardá-las na bolsa. A negrinha agarra finalmente o bolo com as duas mãos sôfregas e põe-se a comê-lo. A mulher está olhando para ela com ternura — ajeita-lhe a fitinha no cabelo crespo, limpa o farelo de bolo que lhe cai ao colo. O pai corre os olhos pelo botequim, satisfeito, como a se convencer intimamente do sucesso da celebração. Dá comigo de súbito, a observá-lo, nossos olhos se encontram, ele se perturba, constrangido — vacila, ameaça abaixar a cabeça, mas acaba sustentando o olhar e enfim se abre num sorriso.

Assim eu quereria minha última crônica: que fosse pura como esse sorriso.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

Micro entrevista com José Marins

Caríssimos leitores, nessa oportunidade nossa micro entrevista é com José Marins, escritor, poeta, haicaísta paranaense, grande incentivador dos iniciantes. Publicou “Fazendo o dia” (poemas), “Poezen” (haicais), “Pinha Pinhão” (haicais encadeados). Escreveu “O Dia Do Porco”, e “Quiçaça” (romances inéditos). Reside em Curitiba.

Gustavo Felicíssimo - De que modo se deu sua aproximação com o haicai?
José Marins
– Tive a alegria de freqüentar a Feira do Poeta em Curitiba, um ponto de encontro de aprendizes de poetas, aos domingos. Paulo Leminski era dos mais assíduos. Aprendi com ele os primeiros rascunhos do haicai-livre. O haicai mexeu com todo mundo. Eram os anos 80, os leminskianos. Juntei 88 deles e fiz o livro Poezen, em 1985. Não tínhamos onde ler ou pesquisar. (Ainda não havia Internet!) Então, na mesma época surgiu o pequeno livro do Paulo, “Basho, a lágrima do peixe”; e, Sendas de Oku, de Matsuo Bashô, em tradução da Olga Savary, que muito me ajudaram. E havia os haicais da Helena Kolody, que nos ensinava leveza.

GF – O segredo do haicai estaria em dizer com profundidade e simplicidade aquilo que não está dito?
JM
- Gosto muito da defição do Prof. Paulo Franchetti: “Haikai não é síntese, no sentido de dizer o máximo com o mínimo de palavras. É antes a arte de, com o mínimo, obter o suficiente”. Para mim é revelar um sentido, o haimi, em três versos, com leveza poética, sem afetações de linguagem ou do intelecto. O bom haicai apenas sugere, mostra, aponta um detalhe na paisagem do mundo da natureza visto pelo poeta.

GF – Uma provocação. Há quem diga que um poema não seria exatamente literatura, mas uma coisa diversa, embora tenha sido acolhida como tal. Considerando tal hipótese, te pergunto: o haicai estaria para a poesia assim como a poesia estaria para a literatura?
JM
– Todas as formas já produzidas não dão conta da poesia. O haicai é mais uma delas, ele tem o seu próprio lugar. Assim como os gêneros literários não dão conta da literatura, pois esta retrata a vida, a condição humana. Jakobson quando demonstrou a função poética da linguagem, matou a charada. Então, há que se falar de uma poética que perpassa a literatura.
A poesia é uma estratégia da língua para se manter viva e se renovar. Logo, ela é parte da literatura, como o haicai é uma forma de poema que contribui para a poesia. Tudo está num mesmo campo: existe a função literária da vida!

Conheça os haicais encadeados de José Marins e Sérgio Pichorim em:
http://fieiradehaicais.blogspot.com/

domingo, 3 de maio de 2009

Os haicais de Capinan

venho convidar os amigos a conhecerem um pequeno texto de nossa autoria sobre os haicais de Capinan publicado no excelente site de literatura Cronópios.

acessem:

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Um Haibun de Anibal Beça

O haibun é um texto curto em prosa, seguido por um ou mais haicai. A prosa que antecede o haicai geralmente se refere a uma experiência vivida pelo escritor. O objetivo do haicai que acompanha a prosa é dar uma nova dimensão, provocar uma mudança de cena, voz ou tempo, tal como as duas partes de uma tanka. Um haibun também inclui um título e deve ser escrito no tempo presente. Ainda de acordo com a definição da Haiku Society of America, além de brevidade, um haibun pode conter até 300 palavras e haicais entremeados.
Fonte: http://www.sumauma.net/index.php

Os rios da Amazônia estão subindo e inundando pequenas vilas e já ameaçando deixar submersas cidades do porte de Manaus e Belém. Além do kigô de nossa estação, outono, há também fenômenos interessantes para serem objeto do haiku: a desova de peixes, as aves de arribação, patos e marrecos se acasalam em torno de arrozais silvestres e outras manifestação da natureza para a contemplação de muitos olhares.

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The rivers of the Amazônia are going up and flooding small villages and already threatening to leave submerged cities of the size of Manaus and Belém. Beyond the "kigo" of our station, autumn, we have also interesting phenomena to be object of Haiku: the spawning of
fishes, the birds of migration, like ducks and other birds that mate inside wild rice fields and other manifestation of the nature for the contemplation of eager eyes.

leitura prática
um olho nas lolitas
outro no romance

practical reading
one look for lolitas
another for romances

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na subida dos rios
as garças sem pernas
palafitas alagadas

rise of the rivers
and herons without legs
stilts flooded

*

na enchente dos rios
o comércio informal
aluga-se canoas

in flooding of rivers
the informal trade -
rents canoes

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depois do cooper
no inverno ou verão
sorvete de açaí

after jogging
in winter or summer
açaí ice-cream

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na enchente
bronzeado só na calçada -
praia da Ponta-Negra.

In the flooding
bronzed only in sidewalk --
Ponta Negra beach.

Mais sobre o autor em:
http://www.jornaldepoesia.jor.br/abeca.html

Convite para leitura

Convido a todos para conhecerem uma entrevista que concedi ainda em 2008 para o escritor Jorge Augusto e que Soares Feitosa publicou no Jornal de Poesia sob o título “Gustavo Felicíssimo conversa com o poeta Jorge Augusto”
Confiram: