segunda-feira, 6 de abril de 2009

MICRO ENTREVISTA

Três perguntas para Heitor Brasileiro Filho

Caríssimos, Heitor Brasileiro Filho é um poeta muito criativo, com bagagem, leituras, porém sem livro publicado por enquanto. Sua poesia, como poderão perceber, transita por diversas configurações, sempre com lirismo e alguma rebeldia. É natural de Jacobina, Bahia, nascido em Setembro de 1964. Radicado em Ilhéus desde 1994. Licenciado em Letras e pós-graduado em Estudos Comparados em Literaturas de Língua Portuguesa (UESC). Ensaísta, contista, cronista e poeta com destacada participação em concursos literários, Brasileiro é o nosso entrevistado da vez.

Gustavo Felicíssimo - Uma parte da sua poesia possui forte influência do Concretismo, outra parte do Modernismo e há, ainda, a influência da lírica tradicional brasileira. Você diria que essa mistura é uma tendência entre os jovens escritores atualmente?
Heitor Brasileiro
– Não seria seguro afirmar sem antes conhecer a obra de cada um dos autores. A estes devo desculpas por minha limitação. Trabalho no território do tangível e tenho tímida formação no que concerne a Crítica Literária. Escrevo poemas. O que faço é fruto da vivência, da observação e da ação, da contemplação e do estudo, da leitura do livro e da leitura da vida. Cabe o fazer. Nos poemas que escrevo influências são identificáveis, o que varia é a intensidade e a constância. Referência existe para extrair-se algo, a mim não cabe juízo do melhor ou do menor. Entendo isso como “o direito à pesquisa histórica” a que se referiu Mário de Andrade. Não penso fixo quando estou criando, mas são inerentes seleção e apuro. É individual. É escolha, ainda que não seja consciente. O Concretismo me ensinou que o poema não se limita à palavra, e não a nega que não é besta. Porem, não precisa estar preso a uma estrutura linear: na página o branco fala, o espacejamento também se expressa, e não somente na página, mas em qualquer superfície. Ofereceu-me ao espírito inquieto, experimental, outros recursos. Então, por que não brincar? Do Modernismo da primeira fase, ignorado ou mal aplicado na maioria das escolas, como não se apaixonar pelo espírito combativo, anárquico, pela inquietação? Convite para as mudanças em curso... E falo somente de dois momentos de nossa Literatura. Cabe a cada um cuspir ou cantar seu tempo, sua aldeia, seu bangalô ou seu castelo, seu éden ou a sua masmorra. O processo literário se cumpre com anuência do outro. Quando o toca. Do autor ao leitor a um grande percurso a cumprir-se. A mim importa a voz: o que fala, como fala, de onde fala, para quem. Quanto a nossa Lírica (tradicional ou não) é rica, intensa e extensa. Toda história tem dinâmica. É bom conhecer os incríveis autores que compõem o vasto mosaico da Literatura Brasileira. Se não conhecer a tradição como negá-la? “Tem que ter cultura pra cuspir na estrutura”, nisso Raulzito tinha razão. Na história dos movimentos literários uma tradição se sobrepõe a outra, não a suplanta, e nem sempre por um processo de ruptura, mas de associação e superação. Admiro a lucidez, a sensibilidade, de Octavio Paz quando nos diz o que parece óbvio, mas não o é para uma maioria: um poema é uma obra. Realizá-la é tarefa de esforços e sortilégios, de raro prazer. A música, a cadência rítmica, a distribuição das imagens, “a dança das palavras entre as idéias” como pontuou Pound. Sinta-se à vontade. É poesia. Sonho e matéria. É experimento. Descoberta constante.

GF - Qual o papel que deve desempenhar hoje o poeta frente ao distanciamento existente entre ele e o leitor comum?
HB
– Em qualquer época, o papel do poeta é escrever poemas dando o melhor de si naquilo que se propõe. Não existe o poeta sem o poema. Numa outra esfera, não existe literatura sem o leitor. O poeta sempre encontrou meios de levar sua criação ao encontro do leitor: das experiências mágicas nas cavernas aos nossos dias; do menestrel à prensa de Gutenberg, do mimeógrafo ao Blog literário. Mas ainda é pouco, pela importância da poesia na formação do pensamento humano. Não existe nação sem a presença física e real do livro cumprindo seu papel educativo e prazenteiro. A política editorial do nosso País é estúpida, suicida, concorre para o aborto de talentos. É cruel, sobretudo, com os novos autores. Decerto que no lar e na escola é aonde se principia a formação do leitor, e isso implica educação. Nas esferas do poder urge mudança de atitude. O autor merece respeito. O leitor também. É papel de qualquer governo digno do nome promover políticas públicas de incentivo à leitura; de manutenção e zelo pelo que tem dado certo; de produção e distribuição do livro; de implementação de um parque editorial democrático, contemplando a diversidade de nossa produção literária e estreitando distâncias em nosso Território. Urge criar meios de real incentivo, e é dever nosso criar formas de produção e distribuição do conhecimento, de promoção e distribuição equânime da arte. Enquanto o gigante não desperta, resta-nos vestir a armadura de David. Voltando ao princípio: diante de tudo, o maior desafio do poeta é o fazer poético. Fazer a ordenha da pedra. A catarse. Extrair poesia de toda essa brutalidade. Lembro mais uma vez o mexicano Octavio Paz, “a poesia existe para que o impossível se cumpra”. Para que se cumpra o possível, porém, existe o homem em sua integridade.

GF - Para o artista contemporâneo o local de nascimento é mero acidente de percurso?
HB
– Do ponto de vista de um mundo globalizado, sim. Isto é, havendo inclusão digital, com as ferramentas que merecemos ou deveríamos dispor com essas novas tecnologias. Mas não respondo pelo outro. Agora, do ponto de vista afetivo, o lócus é referência pra mim. Nasci em Jacobina e a vivi intensamente, foi o despertar. Salvador me abriu os horizontes e atou laços. Ilhéus é o lugar que escolhi para viver. Sou feliz. Ilhéus é vertigem. O chão e a nuvem. Amo Ilhéus, inclusive com as mazelas a serem tratadas. Felicidade não é conformismo. Não faço cruzeiro, nem ponte aérea, uma vez ou outra visito uma metrópole. O fato de viver no interior da Bahia não me isola do mundo. Tenho raízes desde o ponto de partida. Nasci no sertão da Bahia, em Jacobina. Um lugar onde passaram meus avós e estão os pais. Irmãos. Amigos. Um lugar na infância do homem e do poeta. Um lugar que existe além do consciente. Não recebo convite para expor obra, palestra, ou lançamento. Mas a levo comigo para aonde quer que eu vá. Disse o Cacaso, “minha pátria é aquela que aceita minhas malas”. Gosto do clima da roça. A criação é algo do íntimo, do indivíduo, todavia impregnado de vivências. Parte do individual para o coletivo. A criação poética comporta a soma da existência, e o poeta torna isso possível num poema. Veículo disparador de idéias e emoções, sensitividade, magia capaz de tocar o território esquecido da alma. Bumerangue em moto contínuo. Ao texto estabelecido não se impõe fronteiras. O ato criador é solitário, individual, mas resulta na promoção do diálogo. Toda arte tem compromisso com seu tempo, mesmo que em seu tempo não haja compreensão e receptividade. A arte sobrevive porque é atemporal, não é produto que pereça. Como todo produto artístico, do gênio humano, a poesia pertence ao outro. Propriedade de que a lê. Patrimônio comum de toda a humanidade.

CRACK

não havia mais
caminho

uma pedra


B A N Z O

Uns morrem de bronca
outros de azia
neurópida
arrelia ...

Meu avô Zeca morreu de banzo
bem ele dizia
todo homem tem um limite

Zeca Moreira agora está quite
com a vida
(nosso tempo e suas diatribes)
orgulhoso morreu de banzo
cria mais honroso
que morrer de gripe

do homem centenário
áspero
rústico
ficou o camponês cuidador do gado

até com a idade foi ante perdulário
preferiu morrer aos noventa e seis
mas, bom temente, não marcou
horário
(como bem cria
julgou mais honroso
que uma broncopneumonia)

Vingou-se do tédio e humilhou a dor
zombou da angústia e da nostalgia
e com ele foi-se uma legião
de arcanjos
louvar-lhe a coragem e a rebeldia

Uns morrem de bronca
outros (quando o fígado
vira bife) de aleivosia

vaidoso
meu avô Zeca
morreu de Banzo

Nenhum comentário: