sábado, 28 de fevereiro de 2009

Renato Prata: um poeta de corpo inteiro

A arte de criar a poesia não é senão um constante exercício de superação, de auto-conhecimento e transcendência na busca do indizível, do inexplicável, fenômeno que acompanha dez entre dez poetas; superar a si próprio e iluminar o humano, criar asas de anjo e voar na levitação do verso, no dizer de Renato Prata. Dessa leveza é feita a sua poesia, pois mineral, brota imaculada de suas vivências, materializando-se através da sensibilidade que se manifesta por meio do rigor formal, do esteta que trabalha com a destreza de um oleiro e a paciência sacerdotal de um religioso, não extrapolando os limites do verso, mas indo fundo no que tem a dizer.
Renato Prata é natural de Itabuna, nascido em 1937, e marido da poetisa Olinda Prata. Bacharel em Direito, fez carreira no serviço público até aposentar-se em 1994. Venceu em 2003 o Prêmio Braskem de Literatura, promovido pela Fundação Casa de Jorge Amado, por onde publicou “Sob o Cerco de Muros e Pássaros”. Participou de algumas antologias onde a poesia baiana esteve em destaque e, no ano de 2007, publicou “A Quinta Estação”, seu segundo livro solo.



sob o cerco de muros e pássaros


Do poeta fala-se facilmente que se voltou para a poesia depois da aposentadoria. Argumento contestável. Nasce-se poeta, por isso o entusiasmo criador nunca deixou de fazer parte da vida do autor. Ele sequer deixou de tecer seus poemas, mesmo preferindo deixá-los na “gaveta” por muito tempo. E como diz Heloísa Prazeres no prefácio de “A Quinta Estação”, o poeta Renato Prata, é dono e senhor do seu próprio dictum, anos a fio adestrando no silêncio do seu vagar, vivendo a poesia como coisa de casa.
Sua lírica não deve ser vista unicamente sob o prisma das alegorias, pois trata-se também de uma densa meditação sobre a vida e seu transcorrer, as agruras de quem escreve e luta contra o texto, em exercícios metalingüísticos, a fim de domá-la. E uma das maneiras de superá-la é retirar-lhe o sentido primitivo e recriar no texto o seu oposto, eivado de metáforas, como no poema “A criança sozinha”, inserido em seu primeiro livro:

Deixarei de mim as coisas simples
As perplexidades mais fiéis
Qual não entender o infinito
Ou a noção de um cosmo finito
Simplesmente encapsulado
Essa incompreensão do absoluto
Sem termo que se lhe compare
De um tempo sem corte ou emenda
Atadas as portas em círculo
Como deduzir a eternidade
Sabendo perecíveis as estrelas?
Não posso desconstruir até o nada
Quando estou certo de que Ele nos criou.

À oficina de criação literária da mestra Maria da Conceição Paranhos, da qual esse ensaísta também participou, entre os anos de 2004 e 2005, Renato Prata chega com o peso de um prêmio importante concedido ao autor inédito, o Braskem. Era ele o aluno mais dedicado, o único que não faltava às reuniões e que fazia religiosamente os “deveres de casa” propostos pela mestra. O resultado de tanto empenho teve como conseqüência o apuro inegável e a evolução que observamos em seu fazer poético que já era dos melhores. Não à toa, o poeta dedica à Maria da Conceição Paranhos o belíssimo poema “O gato passeia no soneto”, do livro “A Quinta Estação”, acompanhem:

Calça o passo em silêncio pela casa
E sanciona um modo de viver
Que sai do território e extravasa
Se toda a vizinhança é só lazer

Não se sabe se noiva ou se descasa
No telhado da noite ao bel-prazer
Se salta nos espaços não tem asa
Mas terá sete vidas para ser

Donos talvez o gato não aceite
Talvez divida a casa e aproveite
Sendo ele da morada o senhorio

Perdi quando criança o meu bichano
Que não foi com a mudança por engano
E restou mais fiel ao lar vazio.

A tímida repercussão que está tendo a obra de Renato Prata não faz jus à grandeza do seu verso ou ao compêndio de suas reflexões existencialistas, onde nos mostra um lirismo filosófico limpo e sem truques, que nela e dela emergem: Importa reconhecer a vida/ Nos incidentes esparsos e nos milagres/ Que se fizeram hábito; tampouco aos seus tratos de jardineiro que nos fazem lembrar Drummond em “Procura da poesia”: Não acharás a poesia em anúncios/ Nua ou com seus paramentos/ Nos classificados da gazeta/ Em volantes pela rua.
Modesto e avesso à publicidade, o poeta segue desconhecido da mídia e, parece-nos, afeito a vôos para horizontes de maior adensamento literário, como têm feito tantos artífices provinciais pouco talentosos.
Renato Prata confirma e eleva, em seus dois livros, sua habilidade criadora. A par da ampla beleza formal, distribuída em versos livres, terças rimas, redondilhas e sonetos, há, nesses livros, a presença de um ser em harmonia e sintonia com os dramas e dissimulações de seu tempo, como no poema “Embarque em Stockwell Station”, dedicado a Jean Charles de Azevedo, imigrante brasileiro, inexplicavelmente confundido com um homem-bomba e morto no metrô de Londres com tiros à queima-roupa por forças da unidade armada da Scotland Yard, em 2005. Acompanhemos o poema:

Não desistirei de ganhar o pão
E corro para o trabalho
Aqui desterrado não serei um cidadão do mundo
Talvez me ignorem
Talvez estranhem o meu tipo
Lá um dia saberão o que tiver de ser
Terá meu visto expirado?
Sei o agora
O trabalho é meu destino
Desço para o metrô
Eis que o vagão me espera
Sento em algum lugar
É quando o destino se antecipa
Sou alvejado no ombro
Sete balas me coroam.

Aí está o poeta quase que de corpo inteiro, em sua porção humana, com todo o vigor de sua composição.

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

INFÂNCIA RECONTADA II


A MINHA MARÍLIA

Apesar do desenvolvimento, das universidades, das indústrias e da pujança do seu comércio, Marília continuará sendo para mim sempre aquela cidade pequenina onde nasci, a cidade bucólica que traz consigo o nome da personagem do poema de Tomás Antônio Gonzaga, não essa que cresceu tanto em tão pouco tempo, de um modo vertiginoso e desordenado. A minha Marília será sempre aquela do meu tempo menino, pés descalços, pipas ao vento, brincadeiras de pião, estilingue na mão. Será sempre a Rua Rio Claro, calçada por antigos paralelepípedos, as casas de madeira, os vizinhos, o antigo prédio do INPS, a fazenda Cascata, o Educandário Bento de Abreu, o Parquinho Monteiro Lobato, cujas praças, aos finais de semana, eram transformadas por mim e meus amigos em campinhos de futebol. Será sempre o enorme terreno, herança deixada pelos meus avós maternos, que abrigava a nossa casinha e as casinhas das minhas tias, Vilder, Lia e Valdívia, as duas últimas, mães dos primos e primas que dividiram comigo a infância. Contando comigo e com minhas irmãs, éramos dez crianças no total.
A Tia Lia não é irmã da minha mãe, mas era como se fosse. Ela foi esposa do Tio Dilo, este sim, irmão dela e pais do Alessandro, do Luciano, Adriana e Andréia, primos e primas. A Tia Valdívia é mãe do Rogério, o mais velho dos meus primos, e também do Maurício e do Geovani. Além de mim, que sempre fui conhecido por Tainho, a Dona Valdete, minha mãe, também trouxe ao mundo minhas duas irmãs, Patrícia e Renata, mais novas que eu e com as quais sempre vivi em pé de guerra. A Tia Vilder nunca se casou, por isso não teve filhos, no entanto possuía lugar muito especial em meu coração de menino, principalmente quando fazia pães. Minha mãe teve ainda outras irmãs e irmãos, e eu muitos outros primos, todos eles ternos em minhas lembranças.
Além da barbosada toda (trato aqui apenas da minha família por parte materna, cujo sobrenome é Barbosa) havia em nossa rua, apenas em um trecho de cem metros, entre a Rua Vicente Ferreira e a Rio Grande do Sul, seguramente, mais umas dez crianças de todas as idades que se juntavam a nós nas algazarras e brincadeiras cotidianas. A essa turminha ainda se juntavam outros infantes, de outras ruas, paralelas e transversais à nossa, chegando facilmente ao número de trinta, o que era capaz de enlouquecer muitos vizinhos.
Hoje, distanciado no tempo, fico a buscar na memória se era mesmo o nosso terreno que era muito grande ou se eu é que era muito pequeno. Entretanto, uma coisa posso afirmar: nele cabiam todas as coisas que existiam no meu mundo. Cabia meus primos e os moleques da rua, cabia o Rex, também a Chimbica, cabia o Kiko, um pássaro preto muito esperto. Também cabia o meu galinho Garninsé, uma goiabeira, um mamoeiro, hortas e uma enorme mangueira, cujos frutos sempre eram ignorados, pois preferíamos as mangas do quintal do nosso vizinho dos fundos. Naquele quintal cabiam todos os sonhos: o sonho de ser o melhor empinador de pipa; de ser o melhor peladeiro e também o melhor a andar em apenas uma roda na bicicleta; o sonho de ser o maior jogador de bolinhas de gude de toda a vizinhança.
Como se percebe, eu era um tanto pretensioso. Cheguei mesmo a pensar que um dia poderia, após a aposentadoria do Zé Guimarães, envergar a camisa azul celeste, número sete, do meu time do coração, o MAC, o glorioso Marília Atlético Clube, apenas por morar a menos de trezentos metros do estádio municipal, onde o Tigrão manda seus jogos e por ter sido, por algum tempo, um dos seus gandulas oficiais.

MIGUEL CARNEIRO, NOVAMENTE E SEMPRE

Amigos, o poeta e amigo Miguel Carneiro disponibilizou para acesso gratuito o seu Cd Mabaços (2005), produzido pela Magma Designers, de São Paulo. Este trabalho conta com poemas declamados por amigos como Edu Terrin, Nete Benevides, José Hamilton Meira, Pedro Vianna e Éric Meyleuc, também do saudoso Zeca de Magalhães, na faixa “Latifúndio Pervertido”. Alguns poemas de Miguelito que foram musicados também estão disponíveis.
Conheçam:

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Saudade do Zeca

Então, após uma longa tarde de sono me lembrei que hoje, 24 de fevereiro, faz dois anos que não conto mais com um grande amigo, grande homem e poeta, Zeca de Magalhães, natural do Rio, mas naturalmente baiano, falecido durante o carnaval de 2007 por conta de uma goteira em sua biblioteca, causada pela chuva que caia naquela tarde/noite soteropolitana. Nenhuma palavra, nada substitui a implacável ausência de Zeca de Magalhães. Silêncio!

Elegia para Charles Bukowski
Zeca de Magalhães

Ele dizia
que um poema
eram poetas
egoístas, amargurados
traduzidos
em loucos recados.

Nove de março
eu tomava um porre
saudando outros
que tomastes em vida.

Vomitei luas impossíveis.
Fui de tudo
e fiquei sem nada.
A madrugada crescia
na rua, teus passos
desapareciam de nós.

Vários porres
pelo porre
enquanto Bukowski

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

INFÂNCIA RECONTADA I


Ainda vivo a ternura da infância, por isso canto aquele tempo raro, no fossilismo da minha memória, as casas simples da Rua Rio Claro. O antigo prédio do INPS e Zé Grande que era bem pequenino, a vida que passava sem estresse no interior do meu tempo menino. Lembro do velho cego, Seu João, enxergando as meninas com as mãos, e a bodeguinha do seu Joaquim. Agora, depois de tantas andanças, anda correndo nas minhas lembranças o lugar que fora feito pra mim.
A vida simples não me incomodava, nem a mesa coxa junto à parede, nem o pequeno cômodo da casa dividido por folhas compensadas. Mamãe trabalhava em um lar burguês, lavava e passava pela manhã, à noite, feito boi no matadouro, era operária em multinacional. Eu vivia feliz num internato, não tinha ciência da situação, queria apenas saber de brincar. Exigia cuidados redobrados. Da Titia Vilder furtava pães, de papai corria pra não ser pego.
Eu sempre preferi raspar panelas e roubar mangas nos quintais vizinhos, sempre joguei pedras em passarinhos e quebrei vidros de muitas janelas. Nos telhados, velhas telhas partidas, subindo e descendo atrás de uma pipa. E atrás da bola, moleque chulipa,
cantando as peladas sempre vencidas. E qual peixinho eu nadava no rio, eu brincava até debaixo do frio. Lá, naquele tempo, tudo era lúdico. Minha vida eram doces de bananas, doce de leite e duelos com as manas, com as vizinhas brincava de médico.
Eu fremia ao andar de bicicleta, andava bem louco em todo quintal, e na rua o êxtase era geral quando empinava minha monareta. Fui mesmo o rei das bolinhas-de-gude, tinha uma gaveta cheinha delas. Brincar de mata-mata é que eram elas, brinquei até dentro da juventude. Coisa legal era correr no campo, espantar boi, tomar banho em cascata sem nunca ter preocupação com o tempo. Meu tempo era algo que não se media, felicidade era palavra farta, entalhada em tudo quanto eu fazia.


Esse texto é o prólogo de “Infância Recontada”, livro de crônicas ao qual me dedico a escrever neste momento.

sábado, 21 de fevereiro de 2009

RABINDRANATH TAGORE

“Lá, onde, para dormir, se estendem as nuvens do espaço infinito
construí minha casa, ó Poesia, para te receber.”


Poeta e educador de renome, Tagore foi, ao lado de Gandhi, uma das pessoas mais populares e queridas do seu país, e em determinado momento o mundo inteiro viveu de olhos voltados para essas duas figuras magnânimas, que souberam (e tiveram a oportunidade) de conseguir com amor e através da paz aquilo que hoje só se consegue com sangue, morte e o sacrifício de milhões de jovens.
Sua poesia aspirou sempre o equilíbrio dos sentimentos e a ordenação do espírito, a tal ponto que sempre criticou o que para ele era a falta de contenção da literatura inglesa, diante do “poderio das paixões” simbolizado pelas obras de Milton, Byron e Shakespeare.

No Brasil exerceu influência sobre escritores modernos como o católico Tasso da Silveira e Cecília Meirelles que se tornou uma das mais ardorosas divulgadoras da obra e da vida deste famoso poeta indiano desaparecido em 1941.

Sua poesia carrega ares de religiosidade e encanta tanto quanto a leitura da bíblia ou do Gita, por exemplo. Tagore tem sido uma grande descoberta que me ajuda não apenas a me desapegar de alguns preconceitos literários, mas também a desvestir as mesquinharias humanas. Abaixo, alguns poemas de Tagore, após um poema de nossa autoria em sua memória:

Se não Falas

Se não falas, vou encher o meu coração
Com o teu silêncio, e agüentá-lo.
Ficarei quieto, esperando, como a noite
Em sua vigília estrelada,
Com a cabeça pacientemente inclinada.

A manhã certamente virá,
A escuridão se dissipará, e a tua voz
Se derramará em torrentes douradas por todo o céu.

Então as tuas palavras voarão
Em canções de cada ninho dos meus pássaros,
E as tuas melodias brotarão
Em flores por todos os recantos da minha floresta.


Flor de Lótus

No dia em que a flor de lótus desabrochou
A minha mente vagava, e eu não a percebi.
Minha cesta estava vazia e a flor ficou esquecida.
Somente agora e novamente, uma tristeza caiu sobre mim.
Acordei do meu sonho sentindo o doce rastro
De um perfume no vento sul.
Essa vaga doçura fez o meu coração doer de saudade.
Pareceu-me ser o sopro ardente no verão, procurando completar-se.
Eu não sabia então que a flor estava tão perto de mim
Que ela era minha, e que essa perfeita doçura
Tinha desabrochado no fundo do meu coração.


Verdades

Roubo do hoje a força
Fazendo nascer o amanhã.
Da janela acompanho com olhar
As nuvens do céu.
De novo a sombra sinistra
Tolda tristemente meus sonhos.

Tua imagem me acompanha
Por todos os lugares por onde ando.
E em todos os momentos
É a tua presença que espanta
As brumas do desconhecido.

Não faço perguntas.
Tenho medo das respostas que já sei.
Liberta do invólucro físico
Devolverei a matéria ao pó de que fora feito.

Vivi meus três caminhos na terra.
Purgatório. Inferno. Céu.
Tudo de acordo com meus projetos,
Minhas atitudes,
Procurando não cair nos mesmos erros.

Agora — vago e espero
Entre tropeços e flagelos
O ressurgir da verdade.


Se me é negado o amor

Se me é negado o amor, por que, então, amanhece;
por que sussurra o vento do sul entre as folhas recém nascidas?
Se me é negado o amor, por que, então,
A noite entristece com nostálgico silêncio as estrelas?
E por que este desatinado coração continua,
Esperançado e louco, olhando o mar infinito?


Minha canção

Minha canção te envolverá com sua música, como os abraços sublimes do amor. Tocará o teu rosto como um beijo de graças. Quando estiveres só, se sentará a teu lado e te falará ao ouvido. Minha canção será como asas para os teus sonhos e elevará teu coração até o infinito. Quando a noite escurecer o teu caminho, minha canção brilhará sobre ti como a estrela fiel. Se fixará nos teus lindos olhos e guiará teu olhar até a alma das coisas. Quando minha voz se calar para sempre, minha canção te seguirá em teus pensamentos.


UM POEMA PARA TAGORE
Gustavo Felicíssimo

Sentado aos teus pés, meu poeta,
assim eu pretendo ficar,
mirando-te a face serena,
pois sei não poder te alcançar;

tu estás junto aos mais famintos,
aos mais pobres, porém distintos;

despido de qualquer adorno
acompanhas os solitários
à glória de um belo retorno;

busco inclinar-me frente a ti,
minhas chagas vão-se de mim.

Mais em:
http://recantodasletras.uol.com.br/biografias/295566

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Kabir, um iluminado poeta indiano

Poeta indiano, Kabir Das, teve seus poemas traduzidos do bengali para o inglês por outro grande poeta de sua nação, Rabindranath Tagore, Prêmio Nobel de Literatura. Traduzidos, então, para o português, foram publicados no Brasil pela Editora Attar, sob o título “Cem poemas de Kabir”.
Atribuem-lhe a tentativa de fusão entre o hinduísmo e o islamismo. Já o sikhismo, fundado por Nanak, inclui as obras de Kabir entre suas Escrituras Sagradas.
Segundo o tradutor José Tadeu Arantes, o nome que adotou, Kabir Das, é uma expressão de sua submissão a Deus e de seu ecumenismo religioso. Pois Kabir é a palavra árabe para "Grande". E Dasa, o termo sânscrito para "Servo". Kabir Das, o "Servo do Grande", nasceu na cidade santa de Benares (Varanasi), em 1398. Atribuindo-lhe uma existência extremamente longa, de 120 anos, seus seguidores afirmam que ele viveu até 1518. Porém os estudiosos ocidentais tendem a considerar 1448 como o ano mais provável de sua morte.

A vida do poeta, tal como é contada pelos fiéis, se confunde tanto com a de Cristo como com a de Moisés. Teria nascido de uma virgem, uma dama da casta dos brâmanes, que engravidou após ter visitado um templo hindu. Mas, como era solteira, abandonou o bebê, que foi achado e criado por um casal de tecelões islamitas.
De qualquer forma, Kabir nasceu como hindu e se sentiu atraído pelo islamismo; ganhava a vida como tecelão. Mas não quis optar entre as duas religiões e praticava o que chamou de União Simples. Aceitava do hinduísmo as teses da transmigração das almas e da Lei do Carma (o destino), mas não aceitava o ascetismo, a idolatria e a divisão em castas. Dos islamitas, incorporou a idéia do Deus único e da igualdade de todos os seres humanos em relação a Ele.

Vejamos alguns dos seus poemas:


1-SOBRE DEUS


Ele não tem forma nem extensão,
Ele não tem corpo nem territorialidade.
No meio da mandala celestial, Ele permanece,
o Ser Incorpóreo.
Ele é meu Senhor, o Um. E o Um somente, sem um segundo.
Quem quer que diga “Ele é mais do que um”,
este não pertence a boa linhagem.
Kabir diz: “Cultuo Deus-Com-Atributos,
conheço Deus-Sem-Atributos;
mas, além dos Atributos e dos Não-Atributos,
é lá que fixo minha atenção!”


2-ONDE PROCURAR DEUS


Onde me procuras?
Estou contigo.
Não nas peregrinações ou nos ídolos,
tampouco na solidão.
Não nos templos ou nas mesquitas,
tampouco na Caaba ou no Kailash.
Estou contigo, ó homem,
estou contigo.
Não nas preces ou na meditação,
tampouco no jejum.
Não nos exercícios iogues ou na renúncia,
tampouco na força vital ou no corpo.
Estou contigo, ó homem,
estou contigo.
Não no espaço etéreo ou no útero da Terra,
tampouco na respiração da respiração.
Procura ardentemente e descobre,
num instante único de busca.
Kabir diz: escuta, com atenção!
Onde está tua fé, lá eu estou.


3-SOBRE A AUTO-REALIZAÇÃO


Ó, ser liberto, eu sou o iogue de muitas eras:
não venho, nem vou, tampouco me esvaneço;
eu saboreio e desfruto o Som Não-Percutido.
Em toda direção, vejo apenas uma coleção e um carnaval de mim:
estou em todos e todos, em mim;
sou eu apenas, absolutamente só.
Eu sou o siddha, eu sou o samadhi:
eu sou o que silencia, eu sou o que fala;
a forma é minha própria forma manifestando o sem-forma.
Eu sou aquele que joga o jogo consigo mesmo.
Kabir diz: escuta, ó sadhu! Já não há mais desejo.
Estou flutuando em mim mesmo, em minha própria cabana,
brincando sem esforço por vontade própria.


***

A misericórdia do meu verdadeiro Guru
me fez conhecer o desconhecido.
Com ele aprendi a caminhar sem os pés,
ver sem olhos, escutar sem ouvidos,
beber sem boca, e sem asas, voar.
Levei meu amor e minha meditação
ao reino onde sol não há, nem lua, nem noite, nem dia.
Sem tocar com meus lábios, do néctar mais doce provei;
e saciei minha sede sem nada beber.
Lá onde houver deleite, plena alegria haverá.
A quem haverei de cantar tal júbilo?
A grandeza do Guru excede louvores,
e grande é a ventura do discípulo.


Mais em:
http://www.thenewlife.com.br/portal/tabid/128/Default.aspx

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A poética de Suffit Akenat

Texto de Fátima Khadija, Professora
Seleção de poemas de Gustavo Felicíssimo

Suffit Kitab Akenat (1905-?) é uma escritora nascida em Tesseney, na fronteira entre Axum e a Eritreia, naquilo que se convencionou chamar o «corno de África». Segundo Pires Laranjeira (Professor da Universidade de Coimbra), autor do elucidativo prefácio da obra “Máximas Mínimas e outros textos”, publicado em língua portuguesa pela editora Landy, Suffit surge num meio cultural islamista, a que não parece ser alheio o discurso poético, vinculado ao aforismo, o qual nos parece tributário de poetas como Jall Hussein ou o tão propalado Kahlil Gibran, mas muito mais marcado por uma vertente do extremo oriente, que só parece ser possível descortinar em formas epigramáticas como o haicai dos poetas japoneses ou de muitos anônimos chineses: referimo-nos a Lao Tsé (Lao significa o caminho, e é curioso que esta edição apresente o subtítulo “Um caminho para alguns”), Bashô, Lao Ksap, Kyorai, Issa e muitos outros. Mas não podemos substimar toda a tradição árabe, desde Ibn Al-Farid, Ibn Hazm, Kabir (poeta indiano sobre o qual falaremos na próxima postagem). Obviamente seria injusto omitir a tradição poética suméria, tunisina, assíria e dos países africanos que cercam a Eritréia.
Sabe-se que Suffit viveu, na década de 30 do século XX, em Paris e Londres, este último local onde Jall Hussein a terá conhecido, e só por si, esta diáspora pelo ocidente permitiu-lhe ser a síntese de um pensamento dialético que reivindica uma estética de ascese, de contemplação, mas também de intervenção. Aliás, é notória a sua linha vetorial marxista, sobretudo no conjunto de versículos intitulado «Câmara Obscura». Leia-se, por exemplo, este epigrama: «a imagem mata/quem nela se reconhece/tal é a cegueira».
Como reagir contra aqueles que possam tomar a obra de Suffit por exótica, excessivamente espiritualista ou simpaticamente estranha? Parece-nos que a autora dá a resposta: «não querem saber/nem sabem imaginar/que podes ser outro». De facto, é fundamental entender toda a trajetória de vida desta poetisa, o seu contexto familiar e a sua concepção do mundo (se é que isso chega). Julgamos descortinar, sobretudo pelos poemas mais extensos e pela sua Introdução à Ideocrítica, uma estética profundamente original, em devir contínuo, longe de poder ser rotulada pelas formulações orientalistas. Algo nos parece universal, no sentido em que combina estilos literários e ideários de continentes tão diferentes como o asiático, o africano ou o europeu. O pretenso orientalismo esbate-se na ação política; o simbolismo de certas formas aforísticas esmaece no tom coloquial de poemas mais longos.

POEMAS:

18
Vives uma fuga
Veloz que nem conheces
O canto que cantas

22
Vê a sombra rápida
Que passa sem pensar
E pensa que passa

109
Educar é fácil
Se treinares teu filhinho
Para te educar

***

Lendo o horóscopo nas entrelinhas
Interpreto a nostalgia de um gesto evasivo
A obscura citação do amor encurralado.
Piano e flauta andina ou cítara de doze cordas
Recuperem a doce memória submersa por aluviões
De versos frígidos sem resposta.
A voz arrasta-se pelas paredes
Tensa e fria
Pétala castanha contra o vidro embaciado
De florir o tambor do peito.
Ó meu amado!

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

Para que não se vá a vida ainda

Texto e seleção de poemas de Ney Ferraz Paiva

Internado há seis meses num hospital em Belém, o poeta Max Martins, 82 anos, enfrenta seus dias decisivos. Ainda em dezembro sofreu uma parada cardíaca que durou trinta minutos, mas surpreendentemente seu coração voltou a bater. Por ele mesmo, pelos amigos, pela palavra – sua grande opção sempre: “Em primeiro lugar, eu quis ser poeta. Mas eu sabia que isto poderia me custar muito. Perdi os dentes, perdi o bonde, perdi uma maneira de ganhar dinheiro, de vencer na vida. Me dediquei só à poesia. O resto transformei em calo seco para que não doesse tanto”. Sob os efeitos da palavra Max apreendeu esta fala de fluxos errantes em todos os sentidos. Entre 1952 e 2002 foram quinze livros de intensidades livres, partículas loucas, inesperadas, sem estratificação.


desenho de Max Martins



Estanho


Não entenderás o meu dialeto
nem compreenderás os meus costumes.
Mas ouvirei sempre as tuas canções
e todas as noites procurarás meu corpo.
Terei as carícias dos teus seios brancos.
Iremos amiúde ver o mar.
Muito te beijarei
e não me amarás como estrangeiro.

(do primeiro livro O Estranho, Belém, 1952)



1926/1959


Já então é tudo pedra
os dias, os desenganos.
Rios secaram neste rosto, casca
de barro, areia causticante.
E onde outrora o mar
– os olhos – búzios esburacados.

E tudo é duro e seco e oco,
o sexo enlouquecido
o osso agudo
coberto de pó e de silêncios.

Havia uma ferida, a primavera
que já não arde nem desfibra – seca
a flor amarela escura
anêmica impura
– rato no deserto

caveira de pássaro
exposta na planura

(do livro Anti-Retrato, Belém, 1960)


Max Martins nasceu em Belém em 1926 e escreveu 15 livros de poesia no período de 50 anos. Recebeu o Prêmio Olavo Bilac, concedido pela Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra, 1993.

Ney Ferraz Paiva é poeta, autor de “Não era suicídio sobre a relva” (2000), “Nave do Nada” (2004) e do inédito “Val-de-Cães” (2008). Reside em Palmas, Tocantins. E-mail: neyferrazpaiva@gmail.com

Compilado do site www.cronopios.com.br

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Os versos preciosos de Giuseppe Ghiaroni

Faz poucos dias recebi um e-mail do poeta capixaba Jorge Elias Neto, com poemas de Giuseppe Ghiaroni, mineiro de Paraíba do Sul. Após, busquei reler “A máquina de escrever”, o último livro do poeta, lançado em 1997, que levou-o ao Programa do Jô Soares, na Tv Globo. Transferindo-se para o Rio de Janeiro, Ghiaroni trabalhou no Jornal A Noite, onde desenvolveu intensa atividade jornalística, também teve seus poemas lidos na Rádio Nacional, onde, segundo consta, eram muito apreciados. Mas isso não foi suficiente para livrar sua obra do quase total e completo esquecimento.
Entretanto, a qualidade dos seus poemas, enfeixados por grande senso humanista, atestam que, no nosso entendimento, Giuseppe Ghiaroni, ao lado de Octávio Mora, são dois dos grandes poetas brasileiros injustiçados. Dentre suas obras publicadas e mais conhecidas, encontramos, além de “A máquina de escrever”, também “O Dia da Existência”, seu primeiro livro, de 1941, “A Graça de Deus”, 1945 e “Canção do Vagabundo”, de 1948.
Faleceu em Fevereiro de 2008, com quase 89 anos.
Abaixo, dois poemas:



Depois

Depois de ter tentado e conseguido,
depois de ter obtido e abandonado;
depois de ter seguido e ter chegado;
depois de ter chegado e prosseguido!

Depois de ter querido e ter amado;
depois de ter amado e ter perdido;
depois de ter lutado e ter vencido;
depois de ter vencido e fracassado!

Depois que o sonho comandou: ''Avança!"
Depois que a vida ironizou:"Criança!"
Depois que a idade sentenciou: ''Jamais!"...

Depois de tudo que escarnece e exalta,
depois de tudo, quando nada falta,
depois de tudo, falta muito mais!



A Máquina de Escrever

Mãe, se eu morrer de um repentino mal,
vende meus bens a bem dos meus credores:
a fantasia de festivas cores
que usei no derradeiro Carnaval.

Vende ese rádio que ganhei de prêmio
por um concurso num jornal do povo,
e aquele terno novo, ou quase novo,
com poucas manchas de café boêmio.

Vende também meus óculos antigos
que me davam uns ares inocentes.
Já não precisarei de duas lentes
para enxergar os corações amigos.

Vende , além das gravatas, do chapéu,
meus sapatos rangentes. Sem ruído
é mais provável que eu alcance o Céu
e logre penetrar despercebido.

Vende meu dente de ouro. O Paraíso
requer apenas a expressão do olhar.
Já não precisarei do meu sorriso
para um outro sorriso me enganar.

Vende meus olhos a um brechó qualquer
que os guarde numa loja poeirenta,
reluzindo na sombra pardacenta,
refletindo um semblante de mulher.

Vende tudo, ao findar a minha sorte,
libertando minha alma pensativa
para ninguém chorar a minha morte
sem realmente desejar que eu viva.

Pode vender meu próprio leito e roupa
para pagar àqueles a quem devo.
Sim, vende tudo, minha mãe, mas poupa
esta caduca máquina em que escrevo.

Mas poupa a minha amiga de horas mortas,
de teclas bambas,tique-taque incerto.
De ano em ano, manda-a ao conserto
e unta de azeite as suas peças tortas.

Vende todas as grandes pequenezas
que eram meu humílimo tesouro,
mas não! ainda que ofereçam ouro,
não venda o meu filtro de tristezas!

Quanta vez esta máquina afugenta
meus fantasmas da dúvida e do mal,
ela que é minha rude ferramenta,
o meu doce instrumento musical.

Bate rangendo, numa espécie de asma,
mas cada vez que bate é um grão de trigo.
Quando eu morrer, quem a levar consigo
há de levar consigo o meu fantasma.

Pois será para ela uma tortura
sentir nas bambas eclas solitárias
um bando de dez unhas usurárias
a datilografar uma fatura.

Deixa-a morrer também quando eu morrer;
deixa-a calar numa quietude extrema,
à espera do meu último poema
que as palavras não dão para fazer.

Conserva-a, minha mãe, no velho lar,
conservando os meus íntimos instantes,
e, nas noites de lua, não te espantes
quando as teclas baterem devagar.


Mais em:
http://kplus.cosmo.com.br/materia.asp?co=267&rv=Literatura

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

PAPEL HIGIÊNICO COM POESIA

Agora sim, ficaram sem argumento aqueles que dizem que poesia não serve pra nada, pois a empresa brasileira "Seu Cuca" lançou o Papel Higiênico com Poesia. O produto, acreditem, tem ganhado adesão do público em geral que encontra agora uma forma de tornar mais culto, didático e descontraído momentos de puro ócio (mas nem tanto) necessário no banheiro, com leitura de poemas.
Algumas empresas vêm utilizando o produto como brinde e surpreendendo seus cliente.
Aos interessados, a Seu Cuca se encarrega de selecionar os poemas para eventos e festas temáticas, casamentos, coletânea de poesias. Bastante inspirador, até ilustrações de posições do Kama Sutra estão sendo impressas em Papel Higiênico.

O produto é vendido através do site: http://www.seucuca.net/

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Somos todos pós-modernos?

Por Frei Beto

A resposta é sim se comungamos essa angústia, essa frustração frente aos sonhos idílicos da modernidade. Quem diria que a revolução russa terminaria em gulags, a chinesa em capitalismo de Estado e tantos partidos de esquerda assumiriam o poder como o violinista que pega o instrumento com a esquerda e toca com a direita?
Nenhum sistema filosófico resiste, hoje, à mercantilização da sociedade: a arte virou moda; a moda, improviso; o improviso, esperteza. As transgressões já não são exceções, e sim regras. O avanço da tecnologia, da informatização, da robótica, a gloogletização da cultura, a telecelularização das relações humanas, a banalização da violência, são fatores que nos mergulham em atitudes e formas de pensar pessimistas e provocadoras, anárquicas e conservadoras.
Na pós-modernidade, o sistemático cede lugar ao fragmentário, o homogêneo ao plural, a teoria ao experimental. A razão delira, fantasia-se de cínica, baila ao ritmo dos jogos de linguagem. Nesse mar revolto, muitos se apegam às "irracionalidades" do passado, à religiosidade sem teologia, à xenofobia, ao consumismo desenfreado, às emoções sem perspectivas.
Para os pós-modernos a história findou, o lazer se reduz ao hedonismo, a filosofia a um conjunto de perguntas sem respostas. O que importa é a novidade. Já não se percebe a distinção entre urgente e importante, acidental e essencial, valores e oportunidades, efêmero e permanente.
A estética se faz esteticismo; importa o adorno, a moldura, e não a profundidade ou o conteúdo. O pós-moderno é refém da exteriorização e dos estereótipos. Para ele, o agora é mais importante que o depois.
Para o pós-moderno, a razão vira racionalização, já não há pensamento crítico; ele prefere, neste mundo conflitivo, ser espectador e não protagonista, observador e não participante, público e não ator.
O pós-moderno duvida de tudo. É cartesianamente ortodoxo. Por isso não crê em algo ou em alguém. Distancia-se da razão crítica criticando-a. Como a serpente Uroboros, ele morde a própria cauda. E se refugia no individualismo narcísico. Basta-se a si mesmo, indiferente à dimensão social da existência.
O pós-moderno tudo desconstrói. Seus postulados são ambíguos, desprovidos de raízes, invertebrados, sensitivos e apáticos. Ao jornalismo, prefere o shownalismo.
O discurso pós-moderno é labiríntico, descarta paradigmas e grandes narrativas, e em sua bagagem cultural coloca no mesmo patamar Portinari e Felipe Massa; Guimarães Rosa e Paulo Coelho; Chico Buarque e Zeca Pagodinho.
O pós-modernismo não tem memória, abomina o ritual, o litúrgico, o mistério. Como considera toda paixão inútil, nem ri nem chora. Não há amor, há empatias. Sua visão de mundo deriva de cada subjetividade.
A ética da pós-modernidade detesta princípios universais. É a ética de ocasião, oportunidade, conveniência. Camaleônica, adapta-se a cada situação.
A pós-modernidade transforma a realidade em ficção e nos remete à caverna de Platão, onde nossas sombras têm mais importância que o nosso ser e as nossas imagens que a existência real.

Frei Betto é escritor, autor de "Calendário do Poder" (Rocco), entre outros livros.

RODA DE POESIA PRÉ-CARNAVALESCA

EM SALVADOR, NA PRAÇA THOMÉ DE SOUZA
Dia 12 de fevereiro, às 16h30min


Poetas, poetisas, atrizes, cordelistas, crianças e adolescentes estarão, no próximo dia 12 (quinta-feira), esquentando as turbinas para o Carnaval 2009 de Salvador, quando o bloco O BOCA DE BRASA estará relembrando os 30 Anos do Surgimento do Movimento Poetas na Praça e homenageando quatro dos seus integrantes já falecidos - Antonio Short, Agenor Campos, Dorival Limoeiro e Zeca de Magalhães.

A Folia Literária vai acontecer às 16h30min na Praça Thomé de Souza, em frente ao Elevador Lacerda. Entre poemas de diversos autores que serão apresentados, destaque para a poesia dos quatro poetas citados, que será apresentada em forma de jogral.

A interferência lítero-cultural do O BOCA DE BRASA no Carnaval de Salvador será no dia 21 (sábado) no Pelourinho (17 às 20h) e no dia 23 (segunda-feira) na Mudança do Garcia (11 às 15h). Como sempre, estandartes poéticos e fantoches, recital de poemas e distribuição de folhetins.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

CONFISSÕES DE UM DISCÍPULO E ADMIRADOR DA POESIA DE MARIA DA CONCEIÇÃO PARANHOS

Confesso que passei meses a fio na tentativa de escrever algo significativo sobre a poesia de Maria da Conceição Paranhos, mestra. Mas o que se pode dizer sobre a obra de alguém que possui, como Borges, tão profundo entendimento da arte? Qualquer coisa que se diga resvalará no que já foi tantas vezes enunciado sobre sua genialidade, será o mesmo que se valer de uma mola desgastada pelo tempo, pois Conceição é a essência da poesia em esmero, artesania, conhecimento, dedicação e paciência.
Foi através de suas mãos que eu e tantos outros, postulantes a poeta, adquirimos instrumental suficiente para continuarmos nossa caminhada com as musas. Fora ali, na varanda de sua casa, no Rio Vermelho, em Salvador, que muitas das minhas sextas-feiras, sempre no pôr-do-sol, se transformavam em delírio, ouvindo-a discorrer elegantemente sobre versificação, declamando poemas em pelo menos meia dúzia de idiomas, para que notássemos, mesmo às vezes sem perceber o que estava sendo dito, que existem elementos em um poema que são universais. Só agora entendo. Sempre rigorosa, nenhuma aresta ficaria por aparar, o que não se resolvia na oficina era tratado como dever de casa, e na semana seguinte cobrava-se. Assim fomos apurando nosso verso.
Quantas e quantas foram as vezes que nos estendíamos para além do horário regular do transporte coletivo, e no meu caso, como morava longe, às vezes dormia na casa de algum colega, em outras ficava na casa da mestra, estirado pelos sofás da sala, indo embora com o raiar do dia. Trata-se de um tempo que jamais esquecerei.
Meu primeiro contato com a poesia de Maria da Conceição Paranhos, antes mesmo de iniciarmos a oficina, foi o mais impactante. Seus primeiros poemas a chegar às minhas mãos foram os luxuriosos “Quatro Sonetos Cardinais”, uma pérola do erotismo em língua portuguesa, deles emergem metáforas e imagens tão bem elaboradas e consistentes quanto aquelas dos maiores cultores do gênero. Outras leituras vieram até me deparar com “Delírio do Ver”, escritos que correm trinta anos de poesia, sobre os quais seu contemporâneo, e também mestre, Ildásio Tavares se manifestou dizendo que poucas pessoas estarão fazendo poesia tão pacientemente construída, tão inteligentemente elaborada neste país de poemas em rascunho. Não há como discordar.
Em janeiro de 2008, novamente, a poesia erótica de Conceição Paranhos volta a me arrebatar, desta vez através dos “Sonetos de uma Semana Perfeita”. São oito poemas inéditos a serem inseridos no livro que por enquanto traz o título de “Coita de Amor”. Vejamos um desses poemas:

1. SEGUNDA-FEIRA

A quem não foder bem cá neste mundo
há castigos previstos em triste averno,
e por salvar-te aqui do mal profundo
vai logo te afastando desse inferno.

Corre, ó Amado, deste mal imundo,
e entrai a salvo no meu paraíso,
pois foder é sinal de muito siso –
neste penar da vida, é bem jocundo.

Devêssemos guardar a castidade,
para que Deus nos daria o tesão,
se não para foder com liberdade?

Não duraremos para a eternidade:
se as horas do prazer só vêm e vão,
fodamos já, que é curta a nossa idade.

Posto ser sempre muito difícil e temerário falarmos elogiosamente sobre a obra daqueles a quem queremos bem e admiramos, por não dispormos da isenção necessária para a emissão de uma opinião imune a essa influência, é que esse “não dizer nada” desta crônica sobre a poesia de Maria da Conceição Paranhos, não é, senão, mostrar a quem de direito como se faz urgente a publicação de mais livros seus, pois possui, a mestra, hoje, um arsenal de boa poesia para se imprimir em qualquer compêndio. Sobretudo, penso ser urgente e necessária a publicação de toda a sua poesia erótica, édita e inédita, capaz de se converter em um marco do gênero em língua portuguesa.


ENTREVISTA COM MARIA DA CONCEIÇÃO PARANHOS

Gustavo Felicíssimo – Professora, poetisa e crítica literária, contista, romancista, cronista e pesquisadora, fluente em diversos idiomas, inúmeros livros publicados. Figura de ponta da poesia baiana desde a década de 60. Quando vão te chamar para a Academia de Letras da Bahia?
Maria da Conceição Paranhos
– Ninguém chama ninguém para as Academias... Provavelmente algumas conversas prévias, alguns interesses políticos guiam a escolha do futuro acadêmico. Por votação, claro, pelo que ouvi contar. Particularmente, creio não fazer o perfil de acadêmica de academias de letras - de malhação, talvez. Meu personal trainer sempre me solicita muito trabalho de corpo, e trabalhar é via de acesso à vida e à vida social. Quanto ao que você se refere ter eu incorporado à minha pessoa, trata-se de ora destinação, desígnio (ficcionista / narradora, poeta, outras artes), ora genética combinada com algum esforço (várias línguas), ora contingências profissionais enquanto professora. De ponta? Sou de ponta esquerda para sempre. A favor, portanto, das forças processuais irrestritas da paridade de condição existencial dos seres humanos em sociedade.

GF – Como a senhora conceitua a poesia e o poema em si?
MCP
– Poesia é viver o mundo como se o inaugurasse, seria uma definição? Poesia é prazer de fonemas rolando na boca e criando sons, significações, expressão do mundo experienciado pela voz por detrás do eu poético. Poema é lua-de-mel com linguagem e língua nativa, os manes observando, intervindo e aconselhando num círculo de formas e significações de amores idos e vividos, digamos assim, para designar os poetas e artistas que nos cercaram desde sempre. Poema é também inauguração – da linguagem desta vez.

GF – Em que pese ter trazido maior liberdade e certo sentido de brasilidade à nossa poesia, o Modernismo, por outro lado, segundo algum dos seus críticos, também nos prestou algum desserviço, propiciando justamente a partir dessa liberdade, que se caísse na permissividade e no vulgarismo. Como a senhora vê essa questão?
MCP
– O Modernismo no Brasil foi um artefato de vanguarda de programação. Houve incalculáveis perdas e mal-entendidos que persistem, a exemplo do que se pensa ser poesia – verso livre, poema curto, poema-piada – que preexistiam, aliás, de modo não programático. Em verdade, o momento histórico de maior liberdade formal e inventividade na poesia – inclusive a brasileira – foi o Romantismo, como estilo de época, claro. O repúdio modernista ao Parnasianismo, ao Simbolismo e ao próprio Romantismo se foi benéfico no que diz respeito ao epigonismo, foi e é lamentável enquanto desfeiteia a face espaço-temporal da poesia e a faz ahistórica, distanciando-a, portanto, do pulsar expressional autenticamente brasileiro. Claro, o Modernismo de programação, em termos de avaliação crítica de suas três fases (conforme a historiografia brasileira divisou), não consegue abafar a voz dos verdadeiros poetas, mesmo daqueles como Mário de Andrade, Manoel Bandeira e Jorge de Lima – que se forçaram a ser modernistas à la carte.

GF – A chamada pós-modernidade e a ditadura midiática chegam a te apavorar?
MCP
– Por que o fariam? Vivemos mergulhados nesse caldo sócio-artístico-cultural e assim nos movemos – de modo crítico desejavelmente, sem que nossa percepção amorteça com os chavões já estratificados da pós-modernidade palradora ou o anestesia da mídia.

GF – Como a senhora viu a bienal do vazio, em São Paulo? Quem merece mais a cadeia, a tal pichadora ou os seus curadores?
MCP
– Olhe, não tomo partido não. Não porque tenha receio de me posicionar, mas porque gato e rato são pares inseparáveis e volta e meia começa esse minueto macabro.
A pichadora é ex-cêntrica, não é mesmo? Bem maluca. Se pensou em contribuir para com o estado mórbido de nossa cultura contemporânea, conseguiu... Os curadores, como você diz, transitam em todas as instâncias da cultura com sua armadura viciada de vícios seculares. Preferirei sempre o homem anônimo que presencia e repudia esses tristes espetáculos de uma sociedade melancólica e agonizante, geradora de subprodutos culturais.

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

CENTENÁRIO DE CARMEN MIRANDA

A jornalista Dulce Damasceno de Brito (1926-2008) foi, na década de 1950, correspondente brasileira em Hollywood, onde tornou-se amiga e confidente de Carmen Miranda, cujo centenário se comemora hoje, 09/02. Ela conheceu tão intimamente a personalidade da "pequena notável" que, por sugestão de uma amiga, resolveu escrever “O abc de Carmen”, que se pode conferir no seguinte link: http://carmen.miranda.nom.br/cm_frases.htm

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009

Literatura feminina?


Literatura feminina existe? O que isso representaria? Se existe, então também existe a literatura masculina, indígena, negra, homossexual? Antecipo que essa coisa de gêneros é uma bobagem, e das grossas, pois o que existe é a literatura em si. E não adianta ficarem inventando esses estudos, visto que é perda de tempo, é malhar em ferro frio. Nada mais.
Também não adianta dizer que, geralmente, a poesia feita por mulheres possui acentuada característica ligada às questões existenciais femininas, sua relação com filhos, marido, a visão de mundo, deveras mais sensível que a masculina, pois se a literatura se serve das vivências do autor, nada mais natural que tais questões estejam expressas e impressas no fazer de cada um.
Vale então dizer, novamente, que o texto literário existe e firma-se porque é bom e ponto. Como os poemas de Adélia Prado, Cecília Meireles ou Maria da Conceição Paranhos.
Do mesmo modo, com cuidado no apuro dos seus versos, três meninas, poetas, daqui da região cacaueira da Bahia estão traçando seus caminhos dentro da literatura, vivendo e vivenciando a poesia como coisa “de mesmo”, pra valer, com lirismo, atentas à linguagem e à síntese, marcando o fazer poético de cada uma. São elas Brisa Dalilla, Milena Palladino e Diva Brito que, no nosso entender, poderiam em breve, como a chuva do verão, trazer a público um apanhado do que produziram até o momento em uma antologia a seis mãos, o que seria muitíssimo bom.
Abaixo, um poema de cada uma delas.


CONFISSÃO
Brisa Dalilla

Parem! Eu confesso.
Sou LOUCA!

Não controlo as palavras
Que saem de minha boca!

Me permito, vivo,
Luto, realizo.

Não posso ficar parada
Vendo a vida escorrer
Pelos dedos...



S I N E R G I A
Milena Palladino

Gozo com gosto de travesseiro
Em movimentos sinérgicos.
Tremor desprovido de ar.
Nudez no meu peito,
Mordidas no teu beijo,
Tudo dito e tudo feito.

Eterna dança sobre lençóis
Deixo-me doce e tua...
E quando já não cabe em mim
Te entrego a carne crua.
Me vejo sedenta
E sem pedir licença
Eis que bebo teu líquido
Até embriagar-me de tua presença.


O FÔLEGO
Diva Brito

Que o meu fôlego
Te procure no escuro
Não te permita dormir,
E te prenda sempre em mim.
E que não penses em imaginar
Realidade fora do meu corpo,
Ou amor fora de minha'lma.
Que a chama eterna dos teus olhos
Nunca desapareça
Que nesse teu íntimo
Nunca pereça,
A esperança de me ter.
Que o meu nome eternamente
Ressoe como um eco em tua mente
E quando o vento tocar-te o rosto,
Te lembres das minhas mãos
Que te vasculham sem pudor.
Que a chuva que te molha,
Exale assim o cheiro do meu corpo
Que tua sede te guieAos meus lábios.
Que saudoso agora estejas,
Da minha leviandade
Da minha aparente ingenuidade,
Da minha língua na sua vontade.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Carnaval no Beco do Fuxico

Hoje começa o carnaval na minha cidade, Itabuna. Trata-se de um carnaval antecipado, posto que é impossível, na Bahia, fazer carnaval concomitante ao de Salvador, devido ao esvaziamento de atrações da festa, que estão todas na capital. Daí os carnavais antecipados e as micaretas.
Nesse primeiro dia, longe do circuito trioeletrizado, ocorre a Lavagem do Beco do Fuxico, uma festa de rua, sem blocos de corda, onde revivemos alegremente os antigos carnavais.
Nessa festa está ocorrendo algo que muito me orgulha, pois um de meus poemas, justamente aquele que leva o nome do lugar, está sendo apropriado pela gente da cidade, principalmente pelos freqüentadores do Beco. Fizeram 30 banners de lona, com aproximadamente meio metro, onde está impresso o poema para serem afixados nos bares e lojas. Um outro, bem maior, será afixado no local onde se dá o ponto auge da festa, em frente ao Bar do Manuel, onde religiosamente, todos os dias, sento para conversar com amigos e tomar meu cafezinho. É a apropriação da minha obra pela gente da minha cidade. Isso, é claro, me deixa muito feliz. Vamos ao poema!


BECO DO FUXICO

Vou agora lá pro Beco,
aquele é o meu lugar!
Lá tem batidas do Cabôco
e moça bonita pra gente olhar.
Lá tem muita gente boa.
Tem comunista e carlista se abraçando
feito antigos aliados;
tem pescadores, caçadores e mentirosos
pra tudo quanto é lado.
O Beco é feito de lendas
e gente comum,
é feito de poetas, jornalistas
e outros calhordas.
O Beco é feito de magia!
Vou agora lá pro Beco,
dito Beco do Fuxico.
Vou beber o meu café no Manuel,
depois fazer a barba no Seo Jonas;
se o tempo esfriar
eu tomo uma no Whiskytório;
lá tem batatinha e cebolinha na conserva.
Lá tem a bodega do Eduardo,
onde não falta cerveja gelada
e uma turma disposta a prosear.
Vou agora lá pro Beco,
não vou a qualquer lugar.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Nos passos de Eva Garrido

EVA GARRIDO é nascida em 1970, na Alemanha, e criada em Granada, terra natal dos seus pais. Dançarina, iniciou sua carreira profissional aos 15 anos e aos 28 criou seu próprio grupo, com o qual realiza turnês nacionais e mundiais, apresentando-se em alguns dos principais palcos do mundo. É considerada como um dos principais nomes das novas gerações da Dança Flamenca, mantendo a tradição sem deixar de inserir elementos contemporâneos e conquistando diversos prêmios. Fiquei encanto após ver uma de suas apresentações do Teatro Castro Alves, em Salvador, e após fiz o seguinte poema que segue com link para um vídeo dela que me foi apresentado pela poeta paranaense Neuza Pinheiro.

Prefiro a arquitetura das palavras
como forma de navegação.
Versos cruzando mares
onde eu possa me ater.
Pois se navego entre signos
de mim serei sempre o próprio signo.
Quero os pássaros como pares
e a palavra na sua função.
Se expressões de minha lavra
serão fogo, feitiço e sentido.
Virão nos passos de Eva Garrido.

Confiram vídeo em:

segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009

foi um pássaro profundo...

neuza pinheiro

grafo o próximo passo
beirando a lucidez do abismo

nenhum movimento em falso

eu soul eu soo

espirais do meu espírito
no spirituals do orvalho

Em: Pele & Osso
(livro vencedor do Prêmio Lúcio Lins)

domingo, 1 de fevereiro de 2009

IGNOMÍNIA

Treze haicais do Rio Cachoeira

O Cachoeira no trecho em que corta a cidade de Itabuna

Amigos, o Rio Cachoeira é o mais importante da região onde moro, a região cacaueira da Bahia. E como todos os rios que cortam médias e grandes cidades, ele também se encontra em estado alarmante devido à poluição e ao desmatamento da sua mata ciliar.
Um rio tão importante para uma região onde habitam mais de um milhão de pessoas deveria receber especial atenção do poder público. Mas não é isso que acontece e o descaso, com o passar do tempo, aumenta em igual proporção à ignorância e à falta de compromisso dos nossos governantes com causas ambientais.

A mim restam apenas esses haicais, pois não trago comigo a esperança de ainda vê-lo pujante como outrora. Infelizmente!
I
madruguei chorando:
silenciou-se o grande rio
ao me ver nascer.

II
e seguiu seu curso,
infinito em suas curvas,
terno em meu olhar.

III
silente e calado
ele desfez os mistérios:
canções ao luar.

IV
puro em sua nascente
desce o rio cortando o campo,
espalhando vida.

V
e vai todo em brasa,
dentro da noite ferida,
onde os sonhos erram.

VI
vai feroz e louco
abrindo as portas do peito,
galopando a dor.

VII
não é o rio da aldeia,
mas o rio de todos nós:
Cachoeira o seu nome.

VIII
eu sigo o seu curso
sem lume, sem remo ou âncora,
triste e indignado.

IX
pois rio sem carinho
quando avista arranha-céus
vê-se a fenecer.

X
não morre de vez
porque é valente esse rio,
tinhoso e audaz.

XI
ele dorme agora
pousado em sua fortuna,
com febre e com frio.

XII
lá vai o Cachoeira
faminto pelo caminho,
descendo pro mar.

XIII
se querem um rio
para chamá-lo de seu
que venham salvá-lo.