sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

E por falar em haicais...

Três poetas grapiúnas contemporâneos

George Pelegrini

CHEGADA

Preciso de ajuda
aberto meu coração
se vier, não fuja

FESTA

Noite tropical:
Encontro tupiniquim
Pinga aí, na moral.

TÍTULO

Escrito na tarde
procuro aquela palavra
o teu nome arde


Lourival Pereira Júnior (Piligra)
http://kartei.blogspot.com/

A borboleta
Para Rita de Cássia (minha irmã)

uma borboleta
pousou suas asas azuis
na minha caneta

Sol - útero de luz
Para Jana – Janaína

o que me seduz
é este sol sobre as árvores
- útero de luz!

A lagarta e a lua
Para Lina Frazão

a lagarta nua
contempla de uma varanda
o brilho da lua


Mither Amorim
http://alvorecimentos.blogspot.com/

farfalho de folhas,
cosquinha no vento,
sorriso no ar.

***

chuva de verão:
lá do céu vem desabando
sol pra todo lado.

***

trêmulo e com frio,
nas águas mais profundas,
nado em lágrimas

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

CONVITE PARA LEITURA


Convido a todos os leitores deste blog a conhecerem um artigo de nossa autoria sobre o Haicai no Brasil e o pioneirismo de autores baianos. Esse texto foi publicado originalmente na renomada revista O ESCRITOR, da UBE (União Brasileira dos Escritores), agora, o artigo está disponível no CRONÓPIOS, importante site literário do nosso país.
LINK: http://www.cronopios.com.br/site/ensaios.asp?id=3781

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

A poesia direta e corajosa de Elói Martins

Faz poucos dias estive conversando com o amigo João Filho (há um link para o blog dele aí ao lado) sobre algumas coisas que marcaram para nós o ano de 2006, quando ele fundou, em Salvador, o Sebo Diadorim. Ali nos reuníamos todos os sábados, juntamente com outros amigos para trocar idéias sobre literatura, para lermos alguns poemas e jogar algum papo fora. Um dos poetas daquela turma cuja poética nos surpreendeu foi a de Elói Martins, tanto que seus poemas seriam inseridos na segunda edição da revista POESIA & AFINS, que, infelizmente, não foi à frente. O texto de apresentação dos seus poemas, escrito pelo poeta Raimundo Bernardes, seria este: Elói Alexandre Dias Martins é o jovem escritor baiano, formado em Direito pela Universidade Federal da Bahia. Livre dos formalismos da lírica tradicional, a escrita poética de Elói oscila entre a ausência de métrica e a espacialização geométrica com que seus versos são organizados a fim de simbolizar, o que mais nos assusta, a consciente soberba de Bazarov diante do legado de seu pai. Poesia direta e corajosa, a pouquíssimos passos da prosa, cada palavra aí contida se nos encaminha com a eloqüência de um chamado que se pretende livre dos catálogos dos doutos, afinal, o que são os livros senão o fechar os olhos, uma muralha e um deserto?


EPITÁFIO PARA CECÍLIA

Ao findar o último arco do sol,
um negro foragido grafou
em árabe à falecida ama portuguesa;
vê-se na lápide as letras encarvoadas:

“Em louvor ao inevitável desvaneceu
Cecília; nascida a mais miúda de
estatura, nunca foi miúda no desejar.
Corcunda, sim, pitava igual às negras.

Os admiradores, se os têm, que rezem louvores,
em lembranças dos humanos feitos seus,
pois dada a zelos de filhos alheios, forasteiros,
ela o merece com efeito.

Avoadores, suspiros e sonhos
desprezou como alimento consolador,
e aos sessenta e nove anos abandonara a vida,
legando ao seu negro o desamparo.”


SOBERBA DE BAZAROV

"Meu pai organizou nossa fazenda
com alguma habilidade no cultivo.
Construiu o estábulo, preparou o pasto,
protegeu a cultura do pastar dos brutos,
domesticando, cercando como lhe era possível,
na proporção da pouca ciência do seu tempo.
Reconheço que aos poucos entregou os seus dias
numa luta contra pragas.
Filho único, herdei a fazenda,
predestinado agora a experimentar meu engenho:
deixei o pó ocupar os poros das folhas,
o esterco entupir as cocheiras,
o capim crescer ao léu rarefeito.
Esse ano semeei aos pássaros
sementes guardadas por meus ancestrais,
porque aprendi que a beleza pertence à desordem,
assim como o útil, às herdades abandonadas.
Educado pelos atuais doutos,
legarei um campo tomado de ervas daninhas."

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

SENDA


Sou como o invisível céu
que não vos inspira cuidados,
pois retorno depois das névoas
sobre os campos abandonados;

sou finito e celebro o fogo
infindável do grande jogo

a nos enlaçar a garganta;
creio no vórtice da voz
sacrossanta que a tudo encanta;

trago os haveres desse mundo;
sou terra, sou campo fecundo.

A POESIA DE PLÍNIO DE ALMEIDA:

Sofrendo as contingências do desenvolvimento humano e histórico, parte da poesia de Plínio de Almeida, tardiamente publicada em dois volumes (o segundo ainda a ser publicado), o primeiro, pela família quando do seu centenário, em 2004, sob o título de “Fragmentos”, o segundo, editado pela FICC – Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania, na gestão do antropólogo Flávio Simões, em parceria com a Editus, a editora da UESC, cujos primeiros escritos datam de 1930, possuem linguagem que em alguns aspectos tornou-se arcaica, mas não o suficiente para torná-la hermética ou ultrapassada, haja vista, também, certa coloquialidade e desenvoltura com a qual o poeta trata seus poemas.
Sua poesia transita claramente por certo grau filosófico, existencialista quando sua devoção religiosa emerge e, finalmente, amorosa, romântica, cuja ansiedade essencial é a paixão, de onde surge um “eu lírico” angustiado e torturado pela não materialização dos seus mais profundos anseios, retomando, curiosamente, os temas centrais do Romantismo brasileiro: o sofrimento e a dor do homem, também o escapismo e fuga da realidade.
Desse modo, esse “eu lírico” nos poemas de Plínio de Almeida nos transporta para a realidade de um “eu” psicologicamente projetado, um personagem que frente à aterradora impossibilidade do amor, do intento não alcançado, não consegue senão resignar-se, aceitando seu destino. Assim, é também a amada um ser projetado, como no poema “Mistério”, um soneto que possui flexibilidade surpreendente, onde o autor conserva a cesura, mas com acentuação deslocada, conseguindo ótimos efeitos, cuja estrutura, nele, cede ao impulso da emoção, reproduzindo de modo musical os movimentos mais sutis, mesclando em um decassílabo, três diferentes metros: o heróico, o sáfico e o ibérico.

Pois devo ocultar teu nome completo,
Dos meus versos talvez o melhor tema,
A cujo amparo escreverei, sem custo,
Com o estro em fogo, divinal poema.

Não direi da beleza do teu busto,
Pois farei do silêncio o meu sistema;
Mas se de Fídias1 és paros2 venusto3,
Se és da perfeição jóia suprema,

Como fazer calar do verso a rima
Que te conhece e, séria, te retrata
Entre as mulheres fúlgida obra prima?

Basta na dor que lesta me consome,
Neste simples poema que te exalta,
A falta horrenda de ocultar teu nome...

O texto acima é um fragmento do prefácio que escrevemos para o livro que contém toda a obra encontrada de Plínio de Almeida, sobre a qual nos debruçamos durantes meses fazendo a preparação dos textos, muitos deles com a grafia anterior à reforma ortográfica de 1945, para que a mesma possa vir a publico em breve, através de uma parceria entre a FICC (Fundação Itabunense de Cultura e Cidadania) e a Uesc (Universidade Estadual Santa Cruz).


[1] Escultor e Arquiteto Grego, considerado o maior escultor grego do período clássico, criador do Parthenon e das estátuas dos deuses gregos.
[2] Referente ao Mármore de Paros. É um material altamente apreciado pela brancura, fineza e semitransparência. Foi explorado em pedreiras na ilha grega de Paros.
[3] Relativo à Vênus, deusa do panteão romano, equivalente a Afrodite, no panteão grego.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

2009, ano nacional Euclides da Cunha

2008 foi, em nossas letras, o ano dedicado a Machado de Machado de Assis. 2009 é o ano para o Brasil lembrar os 100 anos da morte de Euclides da Cunha, autor de “Os Sertões”.
Figurando entre os mais importantes escritores da literatura brasileira, Euclides da Cunha morreu em 15 de agosto de 1909, aos 43 anos de idade, assassinado pelo militar Dilermando de Assis, amante de sua mulher, Ana. Nascido em 1866, na então província do Rio de Janeiro, cursou a Escola Politécnica e tornou-se engenheiro militar. Mas sua vocação sempre foi a escrita. Em 1897, como sabemos, viajou para Canudos, no sertão da Bahia, como correspondente do jornal “O Estado de S. Paulo”. Foi designado como correspondente do jornal para cobrir a Guerra de Canudos, quando o Exército Brasileiro enfrentou e derrotou a resistência popular liderada por Antônio Conselheiro. As reportagens que escreveu para o jornal paulista transformaram-se no livro “Os Sertões”, ícone da literatura brasileira, parcialmente escrito em São José do Rio Pardo, cidade onde o escritor-engenheiro residiu entre 1898 e 1900, incumbido da reconstrução da ponte sobre o rio Pardo, que desabara.
Nas três famosas partes em que se divide - “A terra”, “O homem” e “A luta” - Euclides pôs o Brasil inteiro, as peculiaridades do nosso povo e a complexidade da nossa história. “Sua obra teve uma repercussão que o tempo só tem feito crescer”, afirmou o crítico literário Tristão de Athayde.
Engenheiro, jornalista, escritor e professor, Euclides da Cunha pertenceu ao Instituto Histórico e Geográfico e à Academia Brasileira de Letras, para a qual foi eleito em 1903. Além do clássico “Os Sertões”, publicou também “Contrastes e Confrontos”, “Peru versus Bolívia” e “À Margem da História”, editado após sua morte. Oito anos após matar Euclides, Dilermando de Assis também assassinou o jovem Quidinho – Euclides da Cunha Filho –, que tentava vingar a morte do pai.
Cem anos depois do seu trágico desaparecimento, Euclides da Cunha continua vivo na admiração e no respeito dos seus milhões de leitores, pela admirável obra, entretanto, pouca gente sabe que Euclides da Cunha também fora poeta, de talento parco, é verdade, mas que à luz da historicidade não pode ser ignorado, como prova o poema a seguir, escrito aos 13 anos de idade.


EU QUERO

Eu quero à doce luz dos vespertinos pálidos
Lançar-me, apaixonado, entre as sombras das matas
_ Berços feitos de flor e de carvalhos cálidos
Onde a Poesia dorme, aos cantos das cascatas...

Eu quero aí viver _ o meu viver funéreo,
Eu quero aí chorar _ os tristes prantos meus...
E envolto o coração nas sombras do mistério,
Sentir minh'alma erguer-se entre a floresta de Deus!

Eu quero, da ingazeira erguida aos galhos úmidos,
Ouvir os cantos virgens da agreste patativa...
Da natureza eu quero, nos grandes seios túmidos,
Beber a Calma, o Bem, a Crença _ ardente a altiva.

Eu quero, eu quero ouvir o esbravejar das águas
Das ásperas cachoeiras que irrompem do sertão...
E a minh'alma, cansada ao peso atroz das mágoas,
Silente adormecer no colo da solidão...

[1883]
Outros poemas de Euclides da Cunha em:
http://www.culturabrasil.pro.br/ondas.htm

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

40 ANOS DE LED ZEPPELIN

Lembro-me de que em certa feita, creio que há uns dez anos atrás, em uma das minhas idas à Lençóis, região da Chapada Diamantina, vi Robert Plant em um bar que, se não me engano, tinha como alcunha Veneno. O guitarrista que sempre me enlouqueceu com suas performances estava ali, bem à minha frente, tomando uma coca, ou quem sabe uma Cuba-libre, não sei. Olhei pro cara, balancei a cabeça em um gesto de cumprimento, no que fui retribuído. Já havia ganho o passeio. Mais tarde fiquei sabendo que ele morava em Lençóis com sua esposa, uma argentina, habitue do local. A população da cidade o protegia, pois sabendo que se houvesse muita exploração da sua imagem no local o cara poderia “saltar de banda”. E me parece que foi o que aconteceu.
Daí que agora em Janeiro, o Led Zeppelin comemora os 40 anos do seu primeiro disco, homônimo ao nome da banda. “Led Zeppelin” foi gravado em Outubro de 1968, pouco tempo depois de Jimmy Page ter recrutado John Paul Jones, Robert Plant e John Bonham para tocar com ele sob o epíteto The New Yardbirds e cumprir obrigações contratuais do seu anterior projeto The Yardbirds (por onde passaram nomes como Jeff Beck e Eric Clapton). Depois de uma parada na Escandinávia, o quarteto regressou a Londres e Page mudou o nome da banda para Led Zeppelin, no momento em que entraram em estúdio para gravar o disco. O título evoca a expressão usada para caracterizar a pretensão de Page de formar um super-grupo com membros dos Who, lead zeppelin, ou seja, um balão cheio de chumbo cujo destino era despenhar-se (ver capa do disco).
O registro de estréia destes quatro virtuosos, com formação entre o jazz e o blues, recebeu críticas negativas quando do seu lançamento, mas foi um sucesso comercial. É hoje considerado um dos maiores discos de todos os tempos e um dos percussores do que mais tarde viriam a chamar de heavy metal. Pelas suas nove faixas passam clássicos como 'Good Times Bad Times', 'Dazed and Confused' e 'Communication Breakdown', pontos incontornáveis da carreira dos Led Zeppelin, terminada de forma trágica em 1980 (quando eu ainda era um menino), depois da morte de John Bonham. Ainda hoje a Led Zeppelin é um dos mais desejados regressos à ativa de uma banda de rock and roll.

DOIS POEMAS SOBRE O PÔR-DO-SOL NA ILHA DE ITAPARICA

ITAPARICA
Bernardo Linhares

Para Florisvaldo Mattos

O ocaso bronzeia o lilás que lança
e tinge de vinho a cinta da ilha.
Em volta o silêncio entorna o laranja,
sereia desenha o seu arco-íris.
A fragata branca acolhe o amarelo,
gaivota de prata sopra na brisa,
a vela florida versa no tempo
revela no vento o verde da vida.
Molhada no ventre, côncava concha,
rosa dos ventos colore o coral
e anima na tarde o anil da paisagem.
Pintada de mel nos raios do sol
a estrela do mar delira profunda,
é lírio que fulge o azul de Netuno.


ILHA DE ITAPARICA

Gustavo Felicíssimo

Para Bernardo Linhares

(cidadão itaparicano)

A noite nos mostra as estrelas,
a lua crescente e divina
ancorada no mar da ilha
onde é musa que a todos cala.
Por sobre a maré uma luz,
o lume dos barcos ao longe,
um pássaro azul transluzente
e a vida vestida de organza.
Não há lugar de leite e mel,
apenas tu, Itaparica,
em teu compasso natural.
Nada mais singelo, senhores:
nem canções falando de amor,
nem amores feitos ao mar.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

BARACK DÁ BARATO

Por Geraldo Maia

Depois do sucesso do ecstasy entre os jovens descolados, da cocaína entre os deslumbrados yuppies, da maconha entre hippies e alternativos e do crack entre os excluídos e banidos, a droga "top" do verão de 2009 é a cerimônia de entronização do novo manda-chuva global, o Barack Obama, primeiro presidente "negro" dos americanos.
A posse de Obama tem desviado os olhares para longe do fracasso mundial do capitalismo neoliberal e para o fato de que Barack, excetuando a sua condição de afro americano, não fará mudança significativa alguma simplesmente porque está no lugar errado.
Podia até ter tido uma chance nas mãos de mudar alguma coisa em seu país e fora dele, mas a perdeu ao eleger-se. As grandes mutações que irá imprimir, é bem provável que ficarão no patamar do anunciado pela nova secretária de estado, Hilary Clinton, que assegurou a "novidade" de procurar o equilíbrio entre força militar e diplomacia, algo como convidar alguém para conversar num jantar sob a mira de elegantes tanques blindados e vôos rasantes de poéticos caças nucleares. Sem falar na presença dos fiéis e onipresentes "anjos" da guarda da CIA com seus inocentes e sofisticados armamentos. Ah, o vinho é naturalmente tinto, frio e encorpado.
Nenhum presidente americano irá produzir mudança alguma na trajetória americana de dominar e explorar o planeta apenas em seu benefício. Qualquer mínimo desvio terá sempre um marionete tipo Lee Oswald para colocar as coisas nos eixos. E para o seu quintal preferido, a América Latina, aí é que não muda mesmo, a não ser para pior, afinal com tantos países pobres e indefesos é um palco propício para o "big brother" mostrar o poderio de sua força militar.
Nem o fato de ser negro significa realmente uma mudança. Barack tem a pele negra, é real, mas o seu branqueamento é integral: coração, mente, alma, espírito, atitude. Está completamente integrado ao "way of life" dos seus eleitores brancos e ricos, a maioria votante responsável por sua bela vitória.
Também depois das trapalhadas da "bruxa" do Bush que jogou tanta porcaria no ventilador e só ganhou de volta uma sapatada sem pontaria só restava mesmo mudar alguma coisa, mas só na superfície, na maquiagem, na aparência. E o povo americano (e o americanizado) espera que com a bela jogada de marketing que foi a eleição de um "negro" para a Casa Branca, melhore um pouco a imagem de fracasso que ficou no mundo depois dos atentados de 11 de setembro e dos fiascos repetidos no Iraque e no Afeganistão. Sem falar na falência de Wall Street, o maior golpe financeiro jamais aplicado na história da civilização planetária.
No mais é se prostrar diante da TV e se empapuçar da droga Obama que pode dar o maior barato, mas se depender do holocausto que Israel promove contra os palestinos, vai sair um tanto caro para uma "bad trip". E haja sapato para jogar nessa galera.

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

Os Estatutos do Homem (Ato Institucional Permanente)

Thiago de Mello


A Carlos Heitor Cony


Artigo I
Fica decretado que agora vale a verdade.
agora vale a vida,
e de mãos dadas,
marcharemos todos pela vida verdadeira.

Artigo II
Fica decretado que todos os dias da semana,
inclusive as terças-feiras mais cinzentas,
têm direito a converter-se em manhãs de domingo.

Artigo III
Fica decretado que, a partir deste instante,
haverá girassóis em todas as janelas,
que os girassóis terão direito
a abrir-se dentro da sombra;
e que as janelas devem permanecer, o dia inteiro,
abertas para o verde onde cresce a esperança.

Artigo IV
Fica decretado que o homem
não precisará nunca mais
duvidar do homem.
Que o homem confiará no homem
como a palmeira confia no vento,
como o vento confia no ar,
como o ar confia no campo azul do céu.

Parágrafo único:
O homem, confiará no homem
como um menino confia em outro menino.

Artigo V
Fica decretado que os homens
estão livres do jugo da mentira.
Nunca mais será preciso usar
a couraça do silêncio
nem a armadura de palavras.
O homem se sentará à mesa
com seu olhar limpo
porque a verdade passará a ser servida
antes da sobremesa.

Artigo VI
Fica estabelecida, durante dez séculos,
a prática sonhada pelo profeta Isaías,
e o lobo e o cordeiro pastarão juntos
e a comida de ambos terá o mesmo gosto de aurora.

Artigo VII
Por decreto irrevogável fica estabelecido
o reinado permanente da justiça e da claridade,
e a alegria será uma bandeira generosa
para sempre desfraldada na alma do povo.

Artigo VIII
Fica decretado que a maior dor
sempre foi e será sempre
não poder dar-se amor a quem se ama
e saber que é a água
que dá à planta o milagre da flor.

Artigo IX
Fica permitido que o pão de cada dia
tenha no homem o sinal de seu suor.
Mas que sobretudo tenha
sempre o quente sabor da ternura.

Artigo X
Fica permitido a qualquer pessoa,
qualquer hora da vida,
uso do traje branco.

Artigo XI
Fica decretado, por definição,
que o homem é um animal que ama
e que por isso é belo,
muito mais belo que a estrela da manhã.

Artigo XII
Decreta-se que nada será obrigado
nem proibido,
tudo será permitido,
inclusive brincar com os rinocerontes
e caminhar pelas tardes
com uma imensa begônia na lapela.

Parágrafo único:
Só uma coisa fica proibida:
amar sem amor.

Artigo XIII
Fica decretado que o dinheiro
não poderá nunca mais comprar
o sol das manhãs vindouras.
Expulso do grande baú do medo,
o dinheiro se transformará em uma espada fraternal
para defender o direito de cantar
e a festa do dia que chegou.

Artigo Final.
Fica proibido o uso da palavra liberdade,
a qual será suprimida dos dicionários
e do pântano enganoso das bocas.
A partir deste instante
a liberdade será algo vivo e transparente
como um fogo ou um rio,
e a sua morada será sempre
o coração do homem.


Santiago do Chile, abril de 1964

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Hesíodo e a Musa, 1891
Óleo sobre tela, de Gustave Moreau

Um grande poeta preterido

Apesar de ser um dos vanguardistas da revista “Nova Cruzada” com a publicação de poemas e ensaios, Fernando Joaquim Pereira Caldas, ou simplesmente Fernando Caldas (1884/1922), que também utilizou o pseudônimo Piron Júnior, injustamente, está fora dos compêndios historiográficos da literatura baiana. E ao que nos parece, apenas duas enciclopédias de literatura brasileira citam de passagem o nosso poeta, são elas: “Dicionário Brasileiro Ilustrado”, de Raimundo Menezes, publicado pela Saraiva em 1969, e “Enciclopédia de Literatura Brasileira”, de Afrânio Coutinho e J. Galante de Souza, publicado em 2001 pela Editora Global em parceria com a Fundação Biblioteca Nacional e Academia Brasileira de Letras.
Fernando Caldas é o patrono da cadeira de número 18 da Academia de Letras de Ilhéus, a qual teve Joaquim Lopes Filho como fundador, depois ocupada por Antônio Francisco Leal Lavigne de Lemos e Ruy Póvoas que a ocupa desde 12 de maio de 2006.

ANTÍFONA

A existência como a entendo,
firme executo:
entre o prazer e os males, vou vivendo
o meu minuto.

De meu credo a alma me instiga
a atos diversos:
amo com amor, trabalho a terra amiga
e faço versos.

É a glória de ser fecundo
que me extasia:
amar, lutar, cantar! E dar ao mundo
mais poesia!

Na alegria e em meio ao pego
ficar sereno!
Com a grandeza vil do sábio grego
ante o veneno.

Laborar, vencendo as dores
é o meu tesouro:
ver a terra, por mim, aberta em flores
e frutos de ouro.

E com anseio insatisfeito,
como num cofre,
depor o verso lúcido e perfeito
n’alma que sofre.

Que é a glória de ser fecundo
que me extasia:
amar, lutar, cantar! E dar ao mundo
mais poesia!

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

POESÍA para las MADRES PALESTINAS (bilingüe)‏

CRIANÇAS QUE SONHAM
Carlos Pronzato

Há crianças dormidas
que sonham
quando voam as bombas
não acordam

Há céus de mil cores
e pássaros
há areias distantes
e oásis
embaixo dos cabelinhos
de petróleo
brilhante

Não escutam
nem olham
as noites terríveis
as luzes que os mísseis
explodem
nos prédios
nas pontes

Não sentem
o cheiro de pólvora
a chuva das cinzas
desabando na noite
no balanço
perfeito
da morte

Não sabem
que amanhá
não haverá mais
uma escola
uma casa
um pudim
colegas de rua
e os pais no jardim

Não sabem
que amanhá
já não vão acordar

Na aurora
esquecidos
sob um monte de pó
dormirão

Há crianças dormidas
que sonham
quando voam as bombas
não acordam.


NIÑOS QUE SUEÑAN

Hay niños dormidos
que sueñan
cuando vuelan las bombas
no despiertan

Hay cielos de mil colores
y pájaros
hay arenas distantes
y oasis
debajo de los cabellos
de petróleo
brillante

No escuchan
ni miran
las noches terribles
las luces que los misiles
explotan
en los edificios
en los puentes

No sienten
el olor de la pólvora
la lluvia de cenizas
cayendo en la noche
en el perfecto
vaivén
de la muerte

No saben
que mañana
no habrá más
una escuela
una casa
un pudin
amigos en la calle
y los padres en el jardín

No saben
que manãna
ya no van a despertar

En la aurora
olvidados
bajo un montón de polvo
dormirán

Hay niños dormidos
que sueñan
cuando vuelan las bombas
no despiertan.

Carlos Pronzato é cineasta/escritor

Blog do pronzato:
www.lamestizaaudiovisual.blogspot.com

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

PEQUENO ORATÓRIO

João Filho

Meu coração, pobre capela,
tão devedor do gesto alheio.
A débil luz de sua vela
deixa confuso este romeiro.

Não quer rezar, contudo reza,
no seu altar de pedra tosca–
a comunhão é o que pesa –
Deus não é busca nem espera.

Como quem ama o que lhe arrasa
tem muita pressa em ficar nu,
por mais que a si mesmo combata
é só de perdas o seu prêmio.

Meu coração, casulo d'alma,
sua canção do corpo cego,
e na prisão da própria palma
nada perdoa sem duelo.

Neste jardim sem calendário
pleno de azul e acácias, sorve
esta manhã e o seu contrário:
o que acompanha o que se move.

Meu coração, pobre capela,
este seu salmo dito ao vento
só não é vão, porque o modela
uma outra Mão fora do tempo.

Quando apagares, coração,
e para além do apagamento
o esquecimento for seu pão,
aí serás completamente.

Hiperghetto: http://hiperghetto.blogspot.com/

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Poeta quando não faz nada faz poesia II

Também de férias, o poeta Lourival Pereira Júnior, ou apenas Piligra, como é chamado pelos amigos, igualmente a nós, resolveu escrever um antipoema ao poema “Clara Sombra”, de Ildásio Tavares (ver um pouco mais abaixo). Piligra é professor de filosofia da Uesc e excelente cultor do Alexandrino trímetro. Como eu disse, poeta quando não faz nada, faz poesia.

Negra sombra

Para Ildásio Tavares
e Gustavo Felicíssimo

Num silêncio sem cor passeava
Numa busca solene e sagrada,
Minha sombra feroz se afogava
Na lembrança da minha amada!

Sobre mim um tufão se formava
Numa luta entre o tudo e o nada,
Minha sombra feroz se afogava
Na lembrança não mais recordada!

O caminho não importa, o caminho,
Pra quem ama, só o amor é estrada,
Do que sou só restou seu carinho
- A lembrança vivida e passada!

Minha sombra feroz se afogava
Feito pedra no rio, mergulhada!

domingo, 11 de janeiro de 2009

O EDITOR - Álvares de Azevedo


“O Editor” é um dos poemas de Álvares de Azevedo que mais gosto. Nele o autor imprime o sarcasmo e a ironia em versos que buscam desmascarar a posição superior dos poetas clássicos, como Torquato, Virgílio e Homero, exaltando a impureza e o mecenato de poetas como Bocage e Aretino, conhecidos por seus versos sarcásticos e de temas eróticos. Byron, citado neste poema, é uma das influências marcantes na poesia de Álvares de Azevedo, ele construiu seu Don Juan, não a partir do original, de Tirso de Molina, mitificado em El burlador de Sevilla y El convidado de piedra, mas a partir do Don Juan de Molière, publicado por volta de 1660, trinta anos após o de Tirso de Molina. Vamos ao poema.


A poesia transcrita é de Torquato,
Desse pobre poeta enamorado
Pelos encantos de Leonora esquiva,
Copiei-a do próprio manuscrito;
E, para prova da verdade pura
Deste prólogo meu, basta que eu diga
Que a letra era um garrancho indecifrável,
Mistura de borrões e linhas tortas!
Trouxe-ma do Arquivo lá da lua
E decifrou-ma familiar demônio...
Demais... infelizmente é bem verdade
Que Tasso lastimou-se da penúria
De não ter um ceitil para a candeia.

Provo com isso que do mundo todo
O sol é este Deus indefinível,
Ouro, prata, papel, ou mesmo cobre,
Mais santo do que os Papas — o dinheiro!
Byron no seu Don Juan votou-lhe cantos,
Filinto Elísio e Tolentino o sonham,

Foi o Deus de Bocage e d’Aretino,
— Aretino! essa incrível criatura
Lívida, tenebrosa, impura e bela,
Sublime... e sem pudor, onda de lodo
Em que do gênio profanou-se a pérola,
Vaso d’ouro que um óxido terrível
Envenenou de morte, alma — poeta
Que tudo profanou com as mãos imundas
E latiu como um cão mordendo um século...

............................................................................

Quem não ama o dinheiro? Não me engano
Se creio que Satã, à noite, veio
Aos ouvidos de Adão adormecido,
Na sua hora primeira, murmurar-lhe
Essa palavra mágica da vida,
Que vibra musical em todo o mundo,

Se houvesse o Deus-Vintém no Paraíso
Eva não se tentava pelas frutas,
Pela rubra maçã não se perdera:
Preferira decerto o louro amante
Que tine tão suave e é tão macio!

Se não faltasse o tempo a meus trabalhos,
Eu mostraria quanto o povo mente
Quando diz que — a poesia enjeita e odeia
As moedinhas doiradas. É mentira!

Desde Homero (que até pedia cobre),
Virgílio, Horácio, Calderón, Racine,
Boileau e o fabuleiro LaFontaine
E tantos que melhor decerto fora
De poetas copiar algum catálogo,
Todos a mil e mil por ele vivem
E alguns chegaram a morrer por ele!
Eu só peço licença de fazer-vos
Uma simples pergunta: — na gaveta
Se Camões visse o brilho do dinheiro...
Malfilâtre, Gilbert, o altivo Chatterton
Se o tivessem nas rotas algibeiras,
Acaso blasfemando morreriam?

sábado, 10 de janeiro de 2009

Quando uma voz se cala

Uma voz se cala em Santo Amaro da Purificação, no Recôncavo baiano. Na tarde desta sexta-feira, 9, os santoamarenses deram o último adeus à sambista Edith Oliveira Nogueira, mais conhecida como Edith do Prato, 94, que ficou famosa por usar um prato e uma faca como instrumentos.
Edith participou do disco Araçá Azul, de Caetano Veloso, de quem foi mãe de leite. Trinta anos depois, aos 86 anos de idade, gravou o próprio CD, "Dona Edith do Prato e Vozes da Purificação", produzido pelo cantor e compositor J. Velloso..
Foram poucas, mas marcantes, as vezes em que as chulas, sambas-de-roda e lundus, típicos do Recôncavo baiano, subiram aos palcos pontuadas pelo toque do prato de dona Edith, que nunca imaginou fazer carreira artística e nem usou esse dom como profissão. Não teve nenhuma referência artística, mas um modo natural de tocar um simples prato de louça, fazendo o povo todo remexer.
Felizmente eu tive a rara oportunidade de vê-la no palco, com todas as suas “comadres”, em uma das edições da Festa de Santo Amaro, na Concha Acústica do Teatro Castro Alves, produzida por Jorge Portugal. Também tenho o Cd produzido por Jota Velloso que, aliás, precisa ser rapidamente reeditado. Uma voz se cala no recôncavo e deixa uma lacuna quase impossível de ser preenchida.

DANÇA DOS SETE VÉUS

Há várias versões para a origem da Dança dos Sete Véus, a mais bela é, na minha opinião, a de que esta tivesse sido originada de uma antiga lenda babilônica que dizia que a deusa Ishtar descia ao mundo subterrâneo e permanecia lá por seis meses. A terra morria e nada nascia. Mas quando seu marido Tammuz descia para vê-la, nos outros seis meses do ano, a terra renascia e todos celebravam. Ishtar, ao descer, passava por sete portais e em cada um deles deixava um de seus atributos: saúde, beleza, poder ..., até chegar nua e indefesa como todos os mortais. Para cada portal atravessado pela deusa, a bailarina se despe de um véu. Para cada um, executa-se um movimento diferente, sugerindo um sentimento ou uma expressão variada.

Toda essa vida é como a vela
e toda vela é como a luz
da lua clara sob um céu
cheio de estrelas, andaluz;

em sua essência e formosura
toda essa vida é uma ventura

feito a dança dos sete véus
e a dançarina seminua
entre os portais do próprio céu:

tal qual a vela a dança acaba
e no infinito a gente embarca.

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

POETA SEM FAZER NADA FAZ POESIA

Curtindo as férias que me dei neste final/início de ano, não tenho feito outra coisa a não ser ler e escrever, além de me extasiar com o inebriante azul do mar de Ilhéus, lógico.
Tenho trocado muitas figurinhas com o Mestre Ildásio Tavares. Numa das oportunidades surgiu um debate sobre “paródia” (ver ao lado o artigo "Jorge Medauar em uma paródia excepcional") e “antipoema”, que consiste em exprimir em versos uma idéia afirmando, com sentido inverso, o que está contido em outro poema. Também entrou na conversa o “eneassílabo”, cuja forma comporta três variações, a original, segundo Ildásio, é o “trímetro anapéstico”. Ele tem esse nome por ser formado por três anapestos com cesura nas sílabas 3/6/9.
Ildásio me mandou um poema seu, muito bonito, “Clara Sombra”, um “trímetro anapéstico” ainda inédito em livro. Com o espírito de “um verso puxando outro” acabei compondo em apenas duas horas um poema com a mesma configuração do poema dele, mas além de anapéstico, um antipoema. Além de um exercício, também foi ótima experiência.
É sempre assim: poeta quando não faz nada, faz poesia. Vamos aos poemas:

CLARA SOMBRA
Ildásio Tavares

Passeavas azul em silêncio
sobre nuvens acima do mar:
tua sombra no mar ia clara,
sutilmente no seu navegar.

Nuvens turvas cobriram o céu,
passeavas no azul a brilhar:
tua sombra no mar ia clara
contra o escuro do céu e do mar.

Pouco importa se o vento do norte
de repente soprou a gelar.
Pouco importa se as trevas da morte
o horizonte vieram tragar.

Tua sombra no mar ia clara.
Minha vida só fez clarear.


CLARO ENTARDECER
Gustavo Felicíssimo

Passeavas, mas não em silêncio,
nesta rua, bem próxima ao mar:
tua sombra no muro escondida
escondia o teu caminhar.

Nenhum pássaro ia no céu,
nem as nuvens te viram passar:
tua sombra no muro escondida
escondeu-se também do luar.

Era triste, tão triste o crepúsculo,
sem o vento primevo a cantar.
Sem a lira dos teus vinte anos
já não fazes o céu desabar.

Tua sombra no muro escondida
escondeu-me do teu caminhar.

Um poema inédito de Alberto da Cunha Melo

Formas de Abençoar


Fique aqui mesmo, morra antes
de mim, mas não vá para o mundo.
Repito: não vá para o mundo,
que o mundo tem gente, meu filho.

Por mais calado que você
seja, será crucificado.
Por mais sozinho que você
seja, será crucificado.

Há uma mentira por aí
chamada infância, você tem?
Mesmo sem a ter, vai pagar
essa viagem que não fez.

Grande, muito grande é a força
desta noite que vem de longe.
Somos treva, a vida é apenas
puro lampejo do carvão.

No início, todos o perdoam,
esperando que você cresça,
esperando que você cresça
para nunca mais perdoá-lo.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Novo livro de Nívia Maria Vasconcelos

Hoje, logo mais à noite, na sede do CDL, em Feira de Santana, será lançado oficialmente o novo livro de Nívia Maria Vasconcelos, “Escondedouro do Amor e Outros Versos Sob a Espera”, vencedor que foi do Prêmio CDL de Poesia. Como já falei numa outra oportunidade, o prêmio, deve ter relevância maior, e um significado especial, pois hoje, em Feira de Santana, reside o que de melhor vem sendo produzido na poesia baiana.
ESCONDEDOURO DO AMOR

O amor não está na estrela
que, ao cair, carrega o pedido sussurrado,
está no olhar que a percebe e espera.

O amor não está nas cartas
lançadas sobre mesas postas,
está na tensão de quem as ouve e deseja.

Búzios, números e datas
não contêm o amor,
ele não está numa procura.

Rezas, promessas e velas
não trazem o amor,
só a esperança de encontrá-lo.

Mas, ninguém encontra o amor,
ele é (misteriosamente) despertado...
num momento de distração e abandono.

FELIZ ANO VELHO

Clóvis Campêlo


Dia 2 de janeiro de 2008. Ainda repleto do sentimento da confraternização universal, chego na varanda do apartamento, às 5 horas da manhã, e vejo na esquina da rua cinco homens espancando um rapaz franzino. Fico exasperado e grito. Levo uma bronca de Cida e resolvo chamar a polícia. Quando a polícia chega, duas horas depois, todos já haviam ido embora. O espancado, trôpego e ensanguentado, cambaleando pela rua. O agressores, em dois carros, um táxi e uma caminhoneta, onde puseram a bicicleta do agredido e a levaram como um troféu de guerra.
Pouco depois, na padaria, descubro que o rapaz espancado teria tentado furtar o celular de uma empregada doméstica. Por conta disso, foi perseguido, espancado e teve a bicicleta roubada. O povo fazendo justiça com as próprias mãos. Fiquei me perguntando até que pontos temos o direito de agir assim. Que mundo é esse onde as pessoas são capazes de matar ou morrer por conta de um artefato industrializado do mundo consumista? Onde está a paz, o amor ao próximo, a solidariedade humana.
Chego em casa, abro o jornal e vejo a mortandade praticada na Faixa de Gaza. São fotografias de velhos, mulheres e crianças ensanguentando a primeira página dos jornais. Mais uma vez fico indignado e sei que nesse caso não adianta gritar e nem chamar a polícia. Sei também que não adianta tentar interpretar os fatos à luz do noticiário das agências internacionais. O que, na realidade, estará por trás disso tudo? Que interesses espúrios dão a alguém o direito de agredir e matar em nome do que quer que seja? Pergunto a mim mesmo e não encontro respostas.
Tento me acalmar olhando os passarinmhos que, indiferentes à insensatez humana, constroem os seus ninhos na árvore em frente ao prédio. Talvez eles consigam me falar de um futuro esperançoso e menos agressivo. Talvez.
Olhos para e eles e digo: "Feliz Ano Velho, amigos!".

Recife, 2009
Blog do Clóvis: http://cloviscampelo.blogspot.com/

terça-feira, 6 de janeiro de 2009



SONNET

When I do count the clock that tells the time,
And see the brave day sunk in hideous night;
When I behold the violet past prime,
And sable curls, all silvered o’er with white;
When lofty trees I see barren of leaves,
Which erst from heat did canopy the herd,
And summer’s green all girded up in sheaves,
Borne on the bier with white and bristly beard,
Then of thy beauty do I question make,
That thou among the wastes of time must go,
Since sweets and beauties do thems elves for sake
And die as fast as they see others grow;

And nothing ‘gainst Time’s scythe can make defence
Save breed, to brave him when he takes thee hence.

SONETO

Quando a hora soa em míseros desvelos,
em noite horrenda se consome o dia,
em prata se convertem meus cabelos,
a flor, à foice, entrega sua alegria;
já sem folhas eu vejo o tronco altíssimo,
que outrora fora sombra ao manso gado,
e ir-se em funéreo passo, e em pêlo alvíssimo,
o que era verde estio, então, ceifado;
ponho-me a perguntar por tua beleza,
que se consumirá na vã ruína,
como acontece a toda Natureza,
que a todo ser vivente é dura sina;

pois nada a afastará da mão do Tempo
fora a prole... a assistir teu passamento.



SILVÉRIO DUQUE:
Nascido em Março de 1978, graduado em Letras pela UEFS, ajudou a fundar e integrou o grupo de declamação Os Bocas Do Inferno, além de coordenar a Escola de Música da Sociedade Filarmônica Euterpe Feirense. Publicou “O crânio dos peixes” (Edições MAC/2002) e “Baladas e outros aportes de viagem” (Edições Pirapuama Ltda./2006). Seu novo livro “Ciranda de sombras” está no prelo.

domingo, 4 de janeiro de 2009

Jorge Medauar em uma paródia excepcional

Em “Desencanto”, famoso poema de Bandeira, datado de 1912 e escrito, provavelmente, por influência de uma doença que lhe atormentava os pulmões, o poeta canta Eu faço versos como quem morre. Mais de trinta anos depois, Jorge Medauar, ainda um jovem poeta baiano e desconhecido, parodiou brilhantemente o poema bandeiriano cantando em “Esperança”: Eu faço versos como quem vive. Deu-se, então, segundo Hélio Pólvora, uma escaramuça cordial, com ampla repercussão nos meios literários do Rio de janeiro. Após, em uma de suas crônicas, Bandeira transcreveu os versos de Medauar e lhes deu resposta impressa no poema “A Jorge Medauar”, justificando a tréplica dizendo que em mim, pelo menos, verso puxa verso. Uma das estrofes do poema corre assim: “Façam-no como quem morre/ ou como quem vive, que ele viva!/ Vive o que é belo e deriva// da alma e para outra alma corre”.

Vejamos os poemas:

Desencanto
Manuel Bandeira

Eu faço versos como quem chora
De desalento... de desencanto...
Fecha o meu livro, se por agora
Não tens motivo algum de pranto.

Meu verso é sangue. Volúpia ardente...
Tristeza esparsa... remorso vão...
Dói-me nas veias. Amargo e quente,
Cai gota à gota, do coração.

E nestes versos de angústia rouca
Assim dos lábios a vida corre,
Deixando um acre sabor na boca.

- Eu faço versos como quem morre.

Esperança
Jorge Medauar

Eu faço versos como que luta
De armas em punho... de armas nas mãos...
Forma ao meu lado, pois na labuta
Os companheiros são como irmãos.

Meu verso é aço. Fornalha ardente...
Peito ou bigorna... Braço ou trator...
Corre entre o povo. Salgado e quente,
Cai gota a gota, por que é suor.

E nestes versos de luta ousada
Deixo a esperança que sempre tive
Nas tintas rubras da madrugada.

- Eu faço versos como quem vive.

A paródia, do grego paroidía, canto ao lado de outro, conforme Massaud Moisés em “Dicionário de Termos Literários”, designa toda composição literária que imita, cômica ou satiricamente, o tema ou/ e a forma de uma obra séria. O poema de Jorge Medauar ergue-se ao mesmo nível do poema parodiado e, contrariando a definição de Massaud Moisés, o que se percebe claramente é que sua criação destina-se a homenagear Manuel Bandeira, que o entendeu como uma paródia admirável. O poema foi publicado por Medauar quando da passagem do aniversário do homenageado. Enquanto o primeiro poema foi forjado sob a marca da angústia, conforme dissemos, por conta de uma doença pulmonar que afligia o poeta de “Estrela da Vida Inteira”, o segundo reproduz com primazia os arroubos próprios de uma juventude esperançosa, disposta ao embate De armas em punho... de armas nas mãos..., em um canto agradável às hostes socialistas, das quais o poeta fazia parte, quer seja como redator da revista “Literatura”, quer secretariando Astrojildo Pereira, crítico literário e um dos fundadores do Partido Comunista do Brasil.
Vale ainda ressaltar que, quanto à forma, ambos os poemas correm exatamente iguais; trata-se de dois eneassílabos com a predominância da cesura na quarta e nona sílabas, bem ao modo simbolista.

Este texto é um pequeno excerto do artigo que escrevemos chamado RETRATO DE UM POETA: A POESIA VIVA DE JORGE MEDAUAR.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

OCTÁVIO MORA

É um dos grandes poetas injustiçados da nossa língua. Estreou em poesia com o livro Ausência viva (1956). Depois publicou Terra imóvel (1959). A esses se seguiram Corpo habitável (1967), Pulso horário (1968), Saldo prévio (1968), Exiliurbano (1975) e Oda amarga y otros poemas (1985). Diplomado em Medicina (1956), Sociologia (1967), Comunicação (1971), também atuou como roteirista. Exerceu durante alguns anos a profissão de médico e aposentou-se como professor titular de Literatura na UFRJ.


ULISSES

Porque volvió sin regresar Ulises
M. A. Asturias

Ulisses em Ítaca, vivo ausente
Talvez seja resíduo da viagem,
mas é tão pouco minha esta paisagem
que só posso estar longe desta gente:
Se foi minha, coraram-na tão rente
que a memória mudou toda a folhagem —
falávamos idêntica linguagem —
Falo agora linguagem diferente:
Vivo em Ítaca ausente: minha fronte
alargou-se, meus olhos são maiores,
e na memória trago outros países:
Contudo, já foi meu este horizonte,
já fui jovem aqui: olho arredores,
e vejo Ítaca ao longe, sem raízes.